22 Julho 2014
"Talvez seja hora de rever alguns dos conceitos fundamentais da ciência e reinventar como vemos o mundo", escreve Marcelo Gleiser, professor de física teórica no Dartmouth College, em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 20-07-2014.
Eis o artigo.
A física moderna tem alguns desafios pela frente; talvez seja hora de reinventar como vemos o mundo
É comum ouvir que a física está em crise. Em geral, isso ocorre quando algum novo mistério aparece ou a descoberta de algum fenômeno desafia as teorias do momento.
Hoje, apresento uma lista incompleta de alguns desafios da física moderna. São problemas sérios, que muitos consideram sintomas de uma crise profunda na nossa concepção da natureza. Porém, outra atitude é julgá-los como desafios, oportunidades que forjarão novas visões de mundo. Obstáculos não são necessariamente barreiras; ao oferecerem desafios, forçam o pensamento a tomar rumos inesperados, fomentando a imaginação.
1. Energia escura: em 1998, dois times de astrônomos descobriram que a expansão do Universo é mais rápida do que o esperado. Surpreendentemente, a expansão é acelerada, começando misteriosamente em torno de 5 bilhões de anos atrás, época da formação do Sol e do Sistema Solar, inclusive a Terra.
O que pode ter causado essa aceleração do Cosmo por inteiro? Explicações incluem a energia do vácuo (ou energia do espaço "vazio"), um campo escalar que se parece com o bóson de Higgs (mas bem mais elusivo) chamado quintessência, e falhas na teoria de Einstein da gravitação. Segundo estimativas, a energia escura constitui em torno de 70% do Universo.
2. Matéria escura: já na década de 1930 se sabia que havia mais matéria nas galáxias do que a que podemos ver (estrelas e gases); galáxias estão cercadas por um véu de matéria escura, que parece ser um tipo novo de partícula, diferente dos elétrons e prótons que formam os átomos.
Candidatos incluem partículas previstas por teorias supersimétricas, que supõem a existência de um novo tipo de simetria na natureza. Infelizmente, após décadas de busca por dezenas de grupos, não foi encontrado qualquer traço de partículas que possam constituir a matéria escura. Outra possibilidade é que o problema está com a teoria da gravidade, que falha mesmo a distâncias galácticas. Segundo estimativas atuais, a matéria escura constitui cerca de 25% do Universo.
3. Gravidade: com as questões sobre matéria e energia escura e as dificuldades em casar a teoria de Einstein da gravitação com a mecânica quântica, alguns físicos começaram a se perguntar se a gravidade é uma força como as outras três que conhecemos (eletromagnetismo e as forças nucleares fraca e forte) ou algo bem diferente.
Enquanto as outras três forças agem em algumas partículas (por exemplo, o eletromagnetismo em partículas com carga elétrica), a gravidade é universal, agindo sobre "tudo", isto é, o que tem massa e/ou energia. Enquanto as outras forças agem sobre a matéria e radiação, a gravidade age sobre a estrutura do espaço e do tempo. Parece mesmo haver uma diferença essencial aqui.
A lista poderia continuar, incluindo a interpretação da mecânica quântica (veja meu novo livro "A Ilha do Conhecimento", que será lançado no fim de julho), buracos negros e a questão da singularidade. Mas dá para ter uma ideia de alguns dos desafios conceituais que a física moderna tem pela frente. Talvez seja hora de rever alguns dos conceitos fundamentais da ciência e reinventar como vemos o mundo.
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