Por: Cesar Sanson | 26 Junho 2014
Para Advogados Ativistas, prisões questionáveis de militantes demonstram avanço da política de criminalização dos movimentos sociais promovida por forças conservadoras.
A reportagem é de Gisele Brito e publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 25-06-2014.
Em mais um episódio de truculência da Polícia Militar paulista, o advogado do centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Benedito Barbosa, de 53 anos, foi preso na manhã dessa quarta-feira, dia 25,, enquanto acompanhava uma reintegração de posse no centro de São Paulo. O advogado foi imobilizado e preso por homens da chamada "tropa do braço" quando tentava entrar no prédio para conversar com famílias no local. Machucado e sentindo-se mal, Dito, como é conhecido, chegou a urinar nas calças enquanto era arrastado pela calçada por policiais de armadura. Ainda assim, o advogado foi levado à delegacia, onde foi lavrado um boletim de ocorrência de resistência à prisão.
A detenção de Dito foi a quarta desde segunda-feira (23) a colocar em alerta entidades de direitos humanos pela forma como foram conduzidas: sem mandato de prisão ou flagrante, ativistas são detidos pela polícia e levados à delegacia, onde são acusados de resistir a uma prisão que, legalmente, não existe. Também hoje, o ativista digital Everton Rodrigues, um dos promotores da comunidade "Por que o Senhor atirou em mim?", que questiona a violência policial, foi detido por dois policiais quando caminhava pela Vila Madalena e levado à delegacia aparentemente sem motivo. Ele ficou no local por mais de uma hora antes de ser liberado. Em ambos os casos, vídeos feitos por celular atestam a truculência da ação policial.
Na segunda-feira, duas pessoas foram presas separadamente e acusadas por associação criminosa. O secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella, afirmou que se tratavam dos primeiros "black blocs" presos e elogiou o trabalho da Polícia Civil, responsável pela prisão. O professor de inglês Rafael Marques Lusvarghi, de 29 anos, e o universitário Fabio Hideki Harano, de 26, são também são acusados de incitação à violência, resistência à prisão, desacato à autoridade e porte de artefato explosivo. Os dois permanecem presos. Imagens feitas por testemunhas mostram Hideki sendo abordado com uma mochila. No vídeo, os policiais o revistam e parecem não encontrar nada. Já Lusvarghi aparece sem bolsa ou outro acessório em que pudesse carregar qualquer objeto. A polícia ainda não apresentou os explosivos supostamente encontrados nem explicou a ligação dos dois homens com a tática black bloc.
Em entrevista à RBA após sua detenção, Dito disse que tentou entrar no prédio após ser avisado pela conselheira tutelar Ivanete Araújo de que os policiais estavam impedindo que representantes das famílias que ocupavam o edifício entrassem para acompanhar a retirada dos seus bens. Ela também relatou que crianças estavam chorando dentro dos cômodos depois de serem assustadas pelos PMs. "Eu nunca vi nada daquele jeito. Eles entraram dando pontapés nas portas e as crianças acordaram assustadas. Havia muita gente chorando. Não me deixaram entrar, mesmo me apresentando como conselheira tutelar”, afirmou Ivanete, que é responsável por duas das maiores ocupações em prédios no centro da cidade, a Mauá e a Prestes Maia, na região da Luz. "A gente queria ter certeza que não estava acontecendo nenhum abuso lá dentro", completou.
Dito conta que se apresentou como advogado, mas, ainda assim, foi imobilizado com um mata-leão e depois cercado por seis policiais da "tropa do braço", treinados para deter manifestantes violentos com técnicas de artes marciais. "Eles disseram que era preciso avisar o comandante. E eu usando a prerrogativa de advogado disse que eles que avisassem e já me pegaram pelo pescoço e me arrastaram. Quase me mataram", contou o advogado, que milita há 30 anos por movimentos de moradia. "Esse tipo de abordagem não é comum. Normalmente, tem a Força Tática e policiais dos batalhões de área. Mas dessa vez, tinha policiais em motos, choque e esses de armadura preta”, descreveu.
Criminalização
Para o advogado Luiz Guilherme Ferreira, do grupo Advogados Ativistas, a prisão se soma a outras ocorridas contra militantes políticos como indicativo do avanço da criminalização dos movimentos sociais. "Há um aumento da repressão e ela ocorre de maneira ilegal", afirma. No caso de Dito, exemplificou, não seria possível resistir à prisão sem que antes houvesse uma razão para a detenção. "Mas esse tipo de coisa vem acontecendo repetidas vezes, desde as manifestações do ano passado", completou.
No caso dos dois homens acusados de ser black blocs, Ferreira destaca os indícios de que as provas foram plantadas para incriminá-los. "Fica claro que o flagrante foi forjado e o secretário de Segurança fala em público que a operação foi exitosa. Estão pouco se importando com a lei", lamentou.
Grella disse ainda que 22 integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) serão obrigados a comparecer a uma delegacia para prestar esclarecimentos sobre os atos de vandalismo ocorridos no último dia 19, durante manifestação que lembrava o aniversário de um ano da redução das tarifas do transporte público na cidade. O MPL afirma que não tem relação com os episódios e que o inquérito é mais uma forma de intimidar os movimentos sociais. Em resposta às declarações do secretário de Segurança Pública, o MPL convocou um debate público na frente do Tribunal de Justiça de São Paulo para o próximo dia 3 de julho para falar sobre o inquérito que investiga ativistas e movimentos sociais. Grella está convidado para participar do debate e negociar condições para a suspensão das detenções de ativistas.
"Toda essa repressão tem ligação direta com o Grella e com o governador Geraldo Alckmin. A polícia não decide tudo isso", ressalta o advogado, que lembra que a repressão contra advogados tem se tornado cada vez mais comum. "Eu mesmo fui revistado várias vezes, inclusive na última manifestação. Antes, isso era menos comum. Hoje vem se naturalizando", destacou Dito.
As imagens da detenção de Dito foram exibidas na tarde de hoje na Câmara Municipal, e provocaram defesa apaixonada da polícia por parte do vereador Coronel Telhada (PSDB). "Acusar a polícia com mentiras é inadmissível. A polícia agiu certo com o inocente, entre aspas", ironizou. "A polícia é legalista e não importa se é advogado, manifestante, coronel ou deputado, vai fazer cumprir a lei sempre", concluiu.
A reportagem da RBA solicitou informações à Polícia Militar sobre as detenções dos militantes, mas até a publicação do texto, ainda não havia recebido resposta.
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Em três dias, PM prende quatro ativistas em SP; advogado é agredido pela 'tropa do braço' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU