09 Junho 2014
Inescrupulosas, ao menos. Maquiavélicas bem antes de Maquiavel. E até mesmo cruéis manipuladoras, às vezes. Mas sempre empreendedoras. Se Eva se limitou, no fundo, a morder uma maçã, as suas descendentes bíblicas continuaram convictas no caminho seguindo o sulco traçado, sem se preocupar com escrúpulos ou com subterfúgios, a fim de atingir os seus objetivos e modificar o curso do destino. Por si sós, machistas de boa vontade, ao menos nas Sagradas Escrituras.
A reportagem é de Elisabetta Rosaspina, publicada no jornal Corriere della Sera, 07-06-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois do poeta Erri de Luca (Le sante dello scandalo, Ed. Giuntina) e do cardeal Gianfranco Ravasi (Le grandi donne della Bibbia, San Paolo), cabe ao cientista Umberto Veronesi aventurar-se no vivaz gineceu do Antigo e do Novo Testamento, especialmente o Antigo, para tentar decifrar figuras femininas imortais, unidas por beleza, astúcia, mas também coragem e determinação, sem esconder qualquer deslealdade.
Quem acompanha o oncologista na sua viagem entre os mais antigos segredos femininos é o jornalista do Corriere della Sera Mario Pappagallo, especializado em informação médico-científica e de saúde desde 1980: dois homens de visão laica, que não escondem o seu fascínio pela alma feminina, mais ou menos permeada de graça celestial, mas certamente bem provida de energia terrena.
Começa-se com Eva, naturalmente, "mãe da ciência" e de todas as desobedientes, para explicar como a sede de conhecimento (o fruto proibido) e a consequente expulsão divina se resolveram, no fim das contas, como uma arma de poder absoluto para as suas herdeiras: a faculdade biológica da reprodução, embora dolorosa. E as suas detentoras, observa Veronesi, "estão dispostas a tudo para exercê-la". Ai dos estéreis.
Na ausência de provetas, congeladores e de técnicas de reprodução artificial naquela época, além de um código bioético, mesmo que vago, prosperava a arte de se arranjar: traições e incestos eram as vias amplamente praticadas, mas também a barriga de aluguel já tinha lançados sólidas bases. Embora não se tratasse exatamente de um aluguel, mas de uma expropriação, da qual as jovens escravas dificilmente poderiam escapar.
L'eredità di Eva [A herança de Eva], que dá título ao livro (Ed. Sperling & Kupfer), é acima de tudo a ciência, com o seu princípio fundador: a transgressão. Veronesi e gerações de pesquisadores agradecem.
Mas depois também há o início de um matriarcado que nem mesmo a mais misógina pena bíblica conseguiu mimetizar: Abraão, o patriarca de três fés, cristã, judaica e muçulmana, sofre a vontade de Sara, que, diante da ausência de um herdeiro, o induz a se filiar com a escrava Hagar; e, depois disso, por sua vez mãe, milagrosamente, aos 90 anos, se livra da escrava e do enteado, mandando-os para o deserto.
Se as maternidades de Rebeca, nora de Sara, e de Raquel, nora de Rebeca, ambas oficialmente estéreis, fazem sorrir o cientista Veronesi, a mãe de Sansão recebe a sua admiração de médico. É a primeira que formula normas de higiene durante a gravidez: "Não comer coisas impuras nem beber bebidas inebriantes. Regras de prevenção da gestante, que a ciência enquadrou como fundamentais há poucos anos".
Para variar um pouco do longo filão das esterilidades, nem sempre irreversíveis, eis a estirpe das belas e traiçoeiras: Judite, que salva a sua cidade das tropas de Nabucodonosor, às custas do general Holofernes, seduzido e trucidado; e Dalila, esplêndida ruína de Sansão. Ou Betsabeia, pela qual o rei Davi se transformou em assassino (do imponente marido). Nem mesmo Ester, celebrada heroína da Bíblia, não foi nada sutil para evitar que o massacre do seu povo e propiciar o extermínio de todos os adversários.
Mas é preciso chegar ao Novo Testamento para encontrar a pioneira da emancipação feminina na Igreja: Maria Madalena. Muito mais do que uma pecadora redimida, é uma revolucionária, a sombra fiel de Jesus, que a escolhe como primeira testemunha da sua ressurreição. Porque é ela a primeira entre os seus discípulos. Ao menos no Evangelho segundo Umberto.
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Madalena, pioneira da emancipação feminina no Evangelho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU