22 Mai 2014
Francisco vê a comunicação como uma ação cosmológica, para além das tecnologias, envolvendo a relação imanente das pessoas entre si, abertas também ao Transcendente, que tem rosto, nome e dialoga conosco como “um Deus apaixonado”.
A análise é Moisés Sbardelotto, jornalista, doutorando em Ciências das Comunicação pela Unisinos e autor do livro E o Verbo se fez bit: A comunicação e a experiência religiosas na internet (Ed. Santuário, 2012).
Eis o texto.
Viver a comunicação como proximidade. Esse é o convite do Papa Francisco em sua primeira mensagem ao 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais, que se celebra no domingo, 1º de junho, intitulada “Comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro”. Trata-se do primeiro documento em que o pontífice argentino se debruça especificamente sobre o tema da comunicação. Uma mensagem tão rica que de nada adiantaria “comentar” o texto: no máximo, poderíamos nos inspirar em Pierre Menard, do conto de Jorge Luis Borges, para reconstruir “palavra por palavra e linha por linha” a íntegra da própria mensagem.
Aqui, queremos instigar a leitura e a reflexão da mensagem, retomando também outros momentos em que Francisco refletiu sobre a importância do comunicar. O texto da mensagem deste ano é a convergência comunicacional profundamente “franciscana” das linhas mestras indicadas pelo papa nesse seu primeiro ano de pontificado para “uma Igreja que consiga levar calor, inflamar o coração”, e que se disponha a “dialogar com o homem de hoje e levá-lo ao encontro com Cristo”.
Antes, o papa identifica um paradoxo atual: em um mundo que se torna “cada vez menor” graças aos “progressos dos transportes e das tecnologias de comunicação”, pareceria “mais fácil fazer-se próximo uns dos outros”. Mas, ao contrário, Francisco reconhece que, “dentro da humanidade, permanecem divisões, e às vezes muito acentuadas”, e a primeira delas é “a distância escandalosa que existe entre o luxo dos mais ricos e a miséria dos mais pobres”, além das “múltiplas formas de exclusão, marginalização e pobreza” e os “conflitos”, também de ordem religiosa. E é a partir desse contexto que o papa reflete sobre a comunicação: não a partir de belas ideias, mas sim de um contexto comunicacional “encarnado”, concreto, marcado pelas “alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem” (Gaudium et spes, n.1 ).
Diante desse contexto, o papa articula a sua mensagem em diálogo com dois interlocutores: o mundo em geral e, dentro dele, a Igreja. Não se trata apenas de um discurso ad intra (para dentro da Igreja). Para Francisco, a Igreja não existe em si mesma – o mundo em geral a interpela. E o mundo em geral também não existe em si mesmo – há uma Realidade maior que o interpela, da qual a Igreja é chamada a ser comunicadora. Se existem “muros que nos dividem”, afirma o papa, eles só podem ser superados “se estivermos prontos a ouvir e a aprender uns dos outros”, porque “a cultura do encontro requer que estejamos dispostos não só a dar, mas também a receber de outros”.
Mas como construir essa cultura? Aqui gostaria de destacar três eixos centrais da mensagem, em vista da construção de uma “autêntica cultura do encontro” – proximidade, diálogo e ternura – entendidos a partir do pensamento comunicacional desenvolvido pelo papa nesse seu primeiro ano de pontificado.
Proximidade
Francisco reconhece a importância da comunicação como uma ajuda para “sentir-nos mais próximos uns dos outros”. “Não podemos viver sozinhos, fechados em nós mesmos”, afirma o papa, e por isso “uma boa comunicação ajuda-nos a estar mais perto e a nos conhecer melhor entre nós, a ser mais unidos”. O extremo oposto de comunicação para Francisco é quando nos “isolamos do nosso próximo”, quando “ignoramos o nosso próximo real”. Para construir a cultura do encontro, portanto, é preciso saber o que é “encontrar uma pessoa”, como “ser verdadeiramente próximos aos outros”.
Na entrevista a Gerson Camarotti, da Rede Globo, na sua visita ao Brasil, em julho de 2013, Francisco já afirmara que “é fundamental a proximidade da Igreja”. E usou uma imagem: “A Igreja é mãe, e nem você nem eu conhecemos uma mãe por correspondência. A mãe dá carinho, toca, beija, ama. Quando a Igreja, ocupada com mil coisas, se descuida dessa proximidade, se descuida disso e só se comunica com documentos, é como uma mãe que se comunica com seu filho por carta”. E ainda: “Não vai adiantar nada falar de nossas teologias se não tivermos a proximidade de sair para ajudar e acolher ao próximo. Na entrevista concedida ao padre Antonio Spadaro, da revista La Civiltà Cattolica, Francisco também reiterara que “aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade”.
Na mensagem deste ano, Francisco nos desafia a “compreender a comunicação em termos de proximidade” a partir da parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37). Esse trecho evangélico, afirma o papa, nos mostra que “quem comunica faz-se próximo”, porque o bom samaritano não apenas reconheceu o homem ferido jogado à beira da estrada como seu semelhante, mas também teve a capacidade de se “fazer semelhante ao outro”. Para Francisco, a proximidade é o “poder da comunicação”, ou seja, é “tomar consciência de que somos humanos, filhos de Deus”: superar aquilo que nos separa e nos divide para valorizar e fortalecer o que nos é comum (cum-munis), sendo um dom vivo e vivificante aos outros ao assumir o dever da corresponsabilidade fraterna (cum-munus).
Esse “comum” tem relação direta com o tipo de vínculo que a Igreja desejada por Francisco deve construir com o mundo e a cultura contemporâneos. Nesse sentido, o Papa Francisco, dirigindo-se aos membros jesuítas da comunidade da revista La Civiltà Cattolica, afirmava que “a ruptura entre Evangelho e cultura é, sem dúvida, um drama”. E os autores da revista – mas também todos os comunicadores – “são chamados a oferecer uma contribuição para sanar essa ruptura”.
Por isso, a proximidade na comunicação é o que nos leva a ir ao encontro das “fronteiras” do mundo de hoje, acompanhando, como convidou o papa aos jesuítas, “os processos culturais e sociais” contemporâneos. O desafio lançado por Francisco é construir proximidade com aqueles que estão “do outro lado” das fronteiras, sem cair na “tentação de domesticar as fronteiras”, como disse o papa aos jesuítas. Para Francisco, “é preciso partir rumo às fronteiras, e não trazer as fronteiras para casa, para as envernizar um pouco e para as domesticar”. É assim que a Igreja poderá “evitar a doença espiritual da autorreferencialidade”. A proximidade, portanto, é ir ao encontro do outro fazendo-nos “outro”.
Na Evangelii gaudium, o papa sugere um remédio para o isolamento, que gera suspeita, desconfiança, medo, atitudes defensivas: a “fraternidade mística, contemplativa”, que é saber “ver a grandeza sagrada do próximo” (n. 92). Também em relação ao pobre, “categoria teológica” que tem a “preferência divina”, Francisco nos lembra que o nosso acompanhamento do seu caminho de libertação passa “unicamente” pela nossa “proximidade real e cordial” (EG 199). “Só pode ser missionário quem se sente bem procurando o bem do próximo, desejando a felicidade dos outros”, resume o papa (EG 272).
Diálogo
Para fazer-nos semelhantes ao outro, Francisco, em sua mensagem, nos lança o desafio de “harmonizar as diferenças”. Não significa ignorá-las ou desfazê-las: mas sim “harmonizá-las”. Assim também a cultura do encontro não pressupõe uniformidade ou mesmice. As diferenças, quando harmonizadas, nos enriquecem mutuamente. O Deus criador, narrado pelo Gênesis (1, 1-19), é o grande exemplo dessa potência de harmonização. No grande “caos original”, Ele não desfaz nem elimina as trevas, o abismo das águas, o vento impetuoso, a noite. Mas os “separa”, integrando-os e harmonizando-os com os outros elementos, gerando o “cosmos divino” da Criação. A comunicação, portanto, é cosmogênica – geradora de cosmos, de sentido.
E como se harmonizam as diferenças? Por meio do diálogo, é a resposta de Francisco. Para o papa, é o diálogo que nos permite “crescer na compreensão e no respeito”. Assim como Jesus interpela os jovens a caminho de Emaús (Lc 24, 13-35), o desafio é “saber se inserir no diálogo com os homens e mulheres de hoje, para compreender os seus anseios, dúvidas, esperanças”. Essa frase já havia sido dita quase literalmente no discurso de Francisco na assembleia plenária do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais (PCCS), no dia 21 de setembro de 2013. Na ocasião, o papa lembrou também que “é importante saber dialogar, entrando, com discernimento, também nos ambientes criados pelas novas tecnologias, nas redes sociais, para fazer emergir uma presença, uma presença que escuta, dialoga, encoraja”. Na Evangelii gaudium, Francisco afirma que a própria evangelização “implica também um caminho de diálogo” (n. 238), especialmente com os Estados, com a sociedade em geral (as culturas e as ciências) e também com os outros crentes que não fazem parte da Igreja Católica.
Por isso, na caminhada dialogante com os homens e as mulheres de hoje, como afirmou o papa na sua mensagem pelo 30º aniversário do Centro Televisivo Vaticano, em outubro de 2013, a postura do comunicador deve ser como a de um companheiro de viagem que faz a estrada com o peregrino, ou seja, como “peregrinos da comunicação”. Para isso, deve “caminhar com o passo do peregrino, nem ir mais adiante nem ficar para trás”, como lembrou Francisco no seu discurso à assembleia plenária do PCCS. É isso que o papa chama, na mensagem deste ano, de “sensibilidade espiritual”. Só a partir dessa compreensão é que será possível anunciar o Evangelho.
Antes de falar, portanto, é preciso ter a capacidade de “fazer silêncio para escutar”, como afirma Francisco na mensagem deste ano. Para dialogar, é preciso pausa, calma, paciência, “se quisermos compreender aqueles que são diferentes de nós”. Francisco nos diz que “uma pessoa expressa-se plenamente a si mesma não quando é simplesmente tolerada, mas quando sabe que é verdadeiramente acolhida”. O diálogo, que nasce primeiramente da escuta, nos leva a aprender a “ver o mundo com olhos diferentes e a apreciar a experiência humana tal como se manifesta nas várias culturas e tradições”. É preciso estar “prontos a ouvir e a aprender uns dos outros”. Ou seja, comunicar é “colocar a si mesmo em jogo”. Para Francisco, “dialogar significa estar convencido de que o outro tem algo de bom para dizer, dar espaço ao seu ponto de vista, às suas propostas”. Isso não significa renunciar às próprias ideias e tradições, mas sim renunciar “à pretensão de que sejam únicas e absolutas”.
Como lembrou o papa aos jesuítas da Civiltà Cattolica, a principal tarefa de um comunicador “não consiste em construir muros, mas sim pontes”. A comunicação, portanto, sempre tem algo de “pontifical”: todo comunicador deve ser um “pontífice”, um construtor de pontes (e hoje, no papado, temos um verdadeiro “pontífice” em quem podemos nos inspirar). Aos jesuítas, Francisco afirmava que o diálogo deve ser estabelecido “com todos os homens, inclusive com aqueles que não compartilham a fé cristã, mas 'cultivam os altos valores do espírito humano', e até com 'aqueles que se opõem à Igreja e de várias maneiras a perseguem'”. Vamos ao encontro do outro na busca do diálogo porque sabemos que não possuímos a Verdade: esta nos precede e nos excede.
“A verdade é um encontro; é um encontro com a Suma Verdade: Jesus, a grande verdade”, lembrou Francisco na sua homilia matinal do dia 8 de maio de 2013. “Ninguém é dono da verdade. A verdade se recebe no encontro”. Por isso, “no diálogo é sempre possível aproximar-se da verdade, que é dádiva de Deus, e enriquecer-se reciprocamente”, afirmou o papa aos jesuítas da Civiltà Cattolica. “Dialogar – continuou – significa estar persuadidos de que o outro tem algo de bom para dizer; reservar espaço ao seu ponto de vista, à sua opinião, às suas propostas, obviamente sem cair no relativismo. E para dialogar é preciso abaixar as defesas e abrir as portas”.
Se a comunicação pode ser entendida como um processo “sim-bólico”, que une e congrega pessoas, meios e sentidos diversos e diferentes, seria “dia-bólico” pensar que o outro não tem nada a me oferecer e, por isso, “só eu comunico”, ou que eu comunico “só o que eu quero”, ignorando o outro com quem me comunico. Isso seria a negação da comunicação. Como lembra Francisco na Evangelii gaudium, “um diálogo é muito mais do que a comunicação de uma verdade. Realiza-se pelo prazer de falar e pelo bem concreto que se comunica através das palavras entre aqueles que se amam. É um bem que não consiste em coisas, mas nas próprias pessoas que mutuamente se dão no diálogo” (n. 142).
Ternura
Assim chegamos ao terceiro eixo: a ternura na comunicação. Para o papa, não são as “estratégias comunicativas” que garantem o encontro, a proximidade, o diálogo. É a necessidade de “amar e ser amados”, a ternura. E isso está diretamente relacionado com a experiência cristã: “Na sua encarnação – lembra o papa na Evangelii gaudium –, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura” (n. 88). Na sua entrevista concedida a Andrea Tornielli, do jornal La Stampa, no dia 15 de dezembro de 2013, o apelo do papa foi: “Não tenham medo da ternura. Quando os cristãos se esquecem da esperança e da ternura, tornam-se uma Igreja fria, que não sabe para onde ir e se refreia nas ideologias, nas atitudes mundanas. (…) Tenho medo quando os cristãos perdem a esperança e a capacidade de abraçar e acariciar”.
E como a ternura se manifesta na comunicação? Pela beleza, pela bondade e pela verdade. Essa tríade aparece em vários discursos do papa. Logo após sua eleição, por exemplo, ao se encontrar com diversos representantes dos meios de comunicação do mundo inteiro reunidos em Roma para o conclave, no dia 16 de março de 2013, Francisco lembrou que “a Igreja existe para comunicar precisamente isto: a Verdade, a Bondade e a Beleza 'em pessoa'. Deveria resultar claramente que todos somos chamados não a comunicar a nós mesmos, mas essa tríade existencial”.
Se essas são as virtudes da comunicação, no extremo oposto estão os pecados da mídia, apontados por Francisco no seu discurso à Associação Corallo, das emissoras católicas italianas, no dia 22 de março de 2014: a desinformação, a calúnia e a difamação. Para evitar tais desvios “dia-bólicos” baseados na mentira e na falsidade, Francisco reafirma, na mensagem deste ano, que a “luminosidade” da Igreja não deve derivar “de truques ou efeitos especiais, mas de nos fazermos próximo, com amor, com ternura, de quem encontramos ferido pelo caminho”.
Por isso, o anúncio cristão não é agressivo, nem invasivo, nem persuasivo: “O testemunho cristão – diz Francisco – não se faz com o bombardeio de mensagens religiosas, mas com a vontade de se doar aos outros 'através da disponibilidade para se deixar envolver, pacientemente e com respeito, nas suas questões e nas suas dúvidas, no caminho de busca da verdade e do sentido da existência humana'”. A missão da Igreja, lembrou Francisco em sua entrevista a Eugenio Scalfari, do jornal La Repubblica, no dia 1º de outubro de 2013, é “encontrar, ouvir, dialogar, ajudar, espalhar fé e amor. Sobretudo amor”. Por isso, “o proselitismo é uma solene bobagem (sciochezza). Não tem sentido”, exclamou. Na missa matinal desse mesmo dia, Francisco reafirmou essa ideia: “A Igreja, dizia-nos Bento XVI, não cresce por proselitismo, cresce por atração, por testemunho”.
Em seu discurso ao PCCS, Francisco lembrou que “o encontro com Cristo é um encontro pessoal. Não se pode manipular. Neste tempo, temos uma grande tentação na Igreja, que é uma moléstia espiritual: manipular as consciências; uma lavagem teologal do cérebro, que no fim te leva a um encontro com Cristo, mas puramente nominal, e não com a Pessoa de Cristo Vivo. No encontro de uma pessoa com Cristo, intervêm Cristo e a pessoa! Não aquilo que quer o engenheiro espiritual, que pretende manipular. Esse é o desafio”.
Nesse sentido, na mensagem deste ano, o papa lembra que a vocação da Igreja é “redescobrir a beleza da fé, a beleza do encontro com Cristo. Inclusive no contexto da comunicação, é preciso uma Igreja que consiga levar calor, inflamar o coração”. Mas isso não significa fraqueza e submissão diante do mundo: indicando o exemplo de Maria, o papa afirma “que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não precisam maltratar os outros para se sentir importantes” (EG 288).
Em seu discurso à assembleia plenária do PCCS, Francisco questionara: “Somos capazes de comunicar o rosto de uma Igreja que seja a 'casa' para todos?”. Ou seja, somos capazes de “juntos construir 'casa', construir Igreja”? Para o papa, a comunicação traz consigo uma forte e ampla dimensão ecumênica, de construção de uma “casa comum” (oikos, no grego). É por meio da comunicação que o oiko umene (ecumenismo) se torna uma possibilidade, ou seja, a humanidade como um todo unida em uma mesma casa.
Ao PCCS, Francisco também dissera que a comunicação nos ajuda a “fazer redescobrir, no encontro pessoal e também através dos meios de comunicação social, a beleza de tudo o que está na base do nosso caminho e da nossa vida, a beleza da fé, a beleza do encontro com Cristo”. Maria pode ser um símbolo dessa transformação comunicacional do mundo na direção da beleza e da ternura: “Maria é aquela que sabe transformar um curral de animais na casa de Jesus, com uns pobres paninhos e uma montanha de ternura” (EG 286).
E essa ternura não tem limites. Disse Francisco na missa de envio da Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro, no dia 28 de julho de 2013: “Para onde Jesus nos manda? Não há fronteiras, não há limites: envia-nos para todas as pessoas. O Evangelho é para todos, e não apenas para alguns. Não é apenas para aqueles que parecem a nós mais próximos, mais abertos, mais acolhedores. É para todas as pessoas. Não tenham medo de ir e levar Cristo para todos os ambientes, até as periferias existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais indiferente. O Senhor procura a todos, quer que todos sintam o calor da sua misericórdia e do seu amor”.
Na Evangelii gaudium, Francisco sintetiza o valor da ternura nos processos comunicativos: “Neste tempo em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a 'mística' de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode se transformar numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada. Assim, as maiores possibilidades de comunicação traduzir-se-ão em novas oportunidades de encontro e solidariedade entre todos” (n. 87).
Para além da tecnologia
A construção de uma autêntica cultura do encontro, portanto, passa pela comunicação. E se expressa na proximidade, no diálogo, na ternura. Por isso, “a comunicação – afirma o papa na mensagem deste ano – é uma conquista mais humana do que tecnológica”. Ou, como dissera mais enfaticamente no seu discurso à assembleia plenária do PCCS, “a problemática principal [no contexto da comunicação] não é de ordem tecnológica”. Comunicação é muito mais do que dominar técnicas de marketing e persuasão, ou usar meios tecnológicos, ou aparecer na grande mídia. Comunicar é dar sentido ao mundo. Para a Igreja, comunicar é dar “o Sentido” ao mundo, anunciando Jesus e o seu Reino.
Já na assembleia plenária do Pontifício Conselho para os Leigos, em dezembro de 2013, Francisco afirmou que, para o anúncio do Evangelho, “não é suficiente adquirir competências tecnológicas, por mais importantes que elas sejam. Trata-se, antes de tudo, de encontrar mulheres e homens reais, muitas vezes feridos ou confundidos, para lhes oferecer verdadeiras razões de esperança. O anúncio exige relações humanas autênticas e diretas para levar a um encontro pessoal com o Senhor. Por conseguinte, a internet não é suficiente, a tecnologia não basta”.
Para o papa, o eixo da comunicação é antropológico: somos humanos porque nos comunicamos e nos comunicamos para ser mais humanos. As tecnologias, portanto, não podem ser usadas nem como álibis das conquistas, nem como bodes expiatórios dos fracassos do nosso próprio agir social comunicacional.
Mas a antropologia cristã tem seu fundamento teológico, no “encontro pessoal com o Senhor”. Como lembrou Francisco no seu discurso à assembleia plenária do PCCS, o desafio é “levar o homem de hoje ao encontro com Cristo, na certeza, porém, de que somos meios e que o problema fundamental não é a aquisição de tecnologias sofisticadas, embora necessárias para uma presença atual e válida. Fique sempre bem claro para nós que o Deus em quem acreditamos, um Deus apaixonado pelo homem, quer se manifestar através dos nossos meios, ainda que pobres, porque é Ele que opera, é Ele que transforma, é Ele que salva a vida do homem”.
Francisco reconhece a importância da reflexão e da apropriação da Igreja das tecnologias de comunicação, como as redes digitais, que são “um lugar rico de humanidade: não uma rede de fios, mas de pessoas humanas”, como afirma na mensagem. Mas não se trata de uma valorização da técnica pela técnica. A Igreja deve pôr-se a caminho nas “estradas digitais” porque elas estão “congestionadas de humanidade, muitas vezes ferida: homens e mulheres que procuram uma salvação ou uma esperança”.
Por isso, a comunicação também é eclesiológica: somos Igreja porque Deus se comunica conosco e nos comunicamos como irmãos, e a missão da Igreja é comunicar-se com o mundo para comunicar ao mundo a boa nova de Jesus. “A comunicação pertence à essência da Igreja” (Igreja e Internet, 2002).
Na mensagem deste ano, mesmo quando o papa reconhece a contribuição da internet, ele o faz porque a rede “pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus”. Ou seja, não é a internet em si mesma que é um “dom de Deus”, mas sim aquilo que o ser humano pode fazer em interação com ela, ou seja, a construção do encontro e da solidariedade entre todos mediante a tecnologia – e isso, no fundo, é ação de Deus. Portanto, Francisco vê a comunicação como uma ação cosmológica, para além das tecnologias, envolvendo a relação imanente das pessoas entre si, abertas também ao Transcendente, que tem rosto, nome e dialoga conosco como “um Deus apaixonado”.
Por isso, como sintetizou Francisco na mensagem deste ano, a comunicação é “um grande e apaixonante desafio”, que requer “energias cheias de frescor” e uma “imaginação nova”, para poder “testemunhar uma Igreja que seja casa de todos” e, assim, anunciar aos outros a beleza de Deus. Ao falar do anúncio do querigma hoje, Francisco resume as atitudes centrais de um verdadeiro comunicador: “proximidade, abertura ao diálogo, paciência, acolhimento cordial que não condena” (EG 165). Missão nada fácil. Mas é o próprio papa, na sua homilia do dia 8 de maio de 2013, quem nos incentiva: “Avante! Se erras, levanta-te e segue em frente: esse é o caminho. Aqueles que não caminham para não errar, cometem um erro mais grave”.
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As linhas mestras de uma ''comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro'': proximidade, diálogo e ternura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU