16 Abril 2014
É verdade que, nos debates públicos sobre sexualidade e família, há posições divergentes em diversos graus da visão católica, mas isso é normal em uma sociedade pluralista, e é bom debater de modo sério a respeito, sem esconder os problemas.
A análise é do teólogo leigo italiano Christian Albini, coordenador do Centro de Espiritualidade da diocese de Crema, na Itália, e sócio-fundador da Associação Viandanti. O artigo foi publicado no sítio Viandanti, 13-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há imagens que se tornam ícones de uma época. Aquelas que retratam Barack Obama com o Papa Francisco relaxado e sorridente, durante a recente visita ao Vaticano, poderiam se tornar uma delas. Marcam uma clara dissonância em relação aos ataques repetidos do cardeal Dolan contra o presidente, empunhando o estandarte da liberdade religiosa, quando, segundo alguns comentaristas, a Igreja Católica parecia ser uma sessão do Partido Republicano. Não por acaso o observador vaticano junto à ONU, Dom Tomasi, no dia seguinte ao encontro, anunciou o surgimento de uma convergência sobre temas éticos.
Da insistência martelante...
É um dos indícios que se acumularam ao longo dos meses que pouco a pouco dissolveram o clima das "guerras culturais" nas quais certos setores da hierarquia católica tinham se empenhado nos últimos anos. No entanto, justamente na Itália, há alguns irredutíveis que tentam de tudo para forçar o papa a vestir o capacete.
Quando eu falo de guerras culturais, refiro-me à insistência martelante sobre alguns temas éticos, com intervenções repetidas em âmbito legislativo e político. Essa atitude levou a estreitar laços preferenciais com as inclinações políticas de centro-direita e a criar fraturas e contraposições acesas.
Particularmente, viu-se isso na Itália durante a longa temporada de Camillo Ruini à frente da Conferência Episcopal Italiana (CEI). É um catolicismo que visa à presença pública e que se apresenta nas vestes de árbitro ético e de religião civil para recuperar uma centralidade social que já entrou em declínio. A legítima preocupação pela dignidade do ser humano e os riscos de desvios antropológicos passam para o segundo plano em relação ao posicionamento político, e, com eles, as demandas pastorais de anúncio evangélico.
A última trincheira desse fronte, que construiu um verdadeiro sistema dentro e fora da Igreja, são as invectivas contra o gênero, sobre o qual foram formulados muitos lugares-comuns que não refletem a realidade.
... a um estilo evangélico e laico
O Papa Francisco encontrou Obama sem ignorar certas divergências, mas também sem exasperá-las como se fossem a única coisa que importa, fazendo delas o pretexto de uma conflitualidade acesa. Além disso, na sua entrevista ao Corriere della Sera (6 de março de 2014), ele havia se colocado explicitamente nessa linha, declarando não compreender o significado da expressão "valores inegociáveis".
Assim, deslegitimou o uso instrumental e polêmico com que ela foi empregada longamente, demonizando e exaltando pessoas e partidos de acordo com a adesão a uma agenda circunscrita, com o efeito de dar pouco peso às exigências igualmente importantes como as da justiça social.
É uma reviravolta que vimos em ação no mesmo dia da visita de Obama, na missa celebrada para 500 parlamentares italianos. Não houve uma vitrine, segundo o esquema para o qual o papa formula desiderata sobre os valores e os políticos competem na exibição de consenso para brilhar com luz refletida.
O Papa Francisco manteve uma distância incomum para ele, mostrando que não busca cumplicidades ou "trocas" com o poder, porque a Igreja não é um poder entre os poderes. Talvez tenha até mesmo sofrido um pouco pela circunstância e, na homilia, fez uma severa leitura espiritual do papel da autoridade e das suas degenerações, particularmente a corrupção. O seu estilo é muito evangélico e, precisamente como tal, profundamente laico, no sentido alto da palavra, evitando misturas indevidas.
Argumentações de outros tempos
Diz Víctor Manuel Fernández, arcebispo nomeado por Bergoglio como reitor da Universidade Católica Argentina, no livro-entrevista (Il progetto Francesco. Dove vuole portare la Chiesa, EMI): "Quando a Igreja fala excessivamente de questões filosóficas ou da lei natural, fá-lo presumivelmente para poder dialogar sobre temas morais com o mundo não crente. No entanto, fazendo isso – acrescentou Fernández –, por um lado, não convencemos ninguém com argumentações filosóficos de outros tempos, e, por outro, perdemos a oportunidade de anunciar a beleza de Jesus Cristo, de 'fazer arder os corações'. Então, essas argumentações filosóficas não mudam a vida de ninguém. Ao contrário, se conseguimos fazer arder os corações ou ao menos mostrar o que há de atraente no Evangelho, então as pessoas vão estar mais dispostas a conversar e a refletir também a respeito de uma resposta inerente à moral".
Segundo Fernández, houve quem absolutizasse os princípios "inegociáveis". "Desfigurando o ensinamento de Bento XVI – explicou o teólogo –, alguns tinham chegado ao ponto de afirmar que desses princípios inegociáveis dependia e brotava todo o ensinamento da Igreja. Esse sim é uma heresia! Afirmar que Jesus Cristo, a sua ressurreição, o amor fraterno e tudo o que o Evangelho nos ensina dependem de certos princípios éticos é uma distorção que deforma o rosto do cristianismo."
Estilos diferentes
Olhando para o panorama da Igreja, veem-se sinais de mudança na direção indicada pelo Papa Francisco: por exemplo, a nomeação do salesiano Daniel Sturla como novo arcebispo de Montevidéu que, em discursos e entrevistas, declarou que não quer apontar para a polêmica contra as legislações uruguaias que não coincidam com as posições da Igreja. Ou a do novo presidente dos bispos franceses, Georges Pontier, que não se posiciona de modo agressivo sobre questões relacionadas aos homossexuais e à família. A revista La Civiltà Cattolica comentou recentemente um documento do episcopado francês em que se afirma que se quer manter o debate acerca disso no âmbito do diálogo e da pertença democrática comum.
Destoam, em comparação com isso, os tons alarmistas e catastróficos do arcebispo Bagnasco, que, no seu último discurso inaugural do Conselho Permanente da CEI, falou de ditadura do gênero e de escolas transformadas em campos de reeducação contra a família e a Igreja Católica, com alguns meios de comunicação católicos que cavalgam nessa campanha.
Os gritos parecem inversamente proporcionais ao colapso da relevância do discurso inaugural, que parece ser a repetição de um rito que se arrasta por inércia a partir do passado. Que significado eclesial tem o fato de alguém se expressar por todos antes do desdobramento do conselho?
A guerra "de" gênero
Mas, além disso, detenho-me por um momento sobre os conteúdos. Acima de tudo, falar de teoria ou ideologia do gênero é errado, porque ela simplesmente não existe, e se distorce o significado de um conceito que tem muitas leituras possíveis, fixando-se nas interpretações mais radicais e ignorando as outras.
No entanto, há já dez anos, o teólogo Franco Giulio Brambilla, hoje bispo de Novara, reivindicava a necessidade, para o pensamento católico, de uma compreensão da identidade de gênero para trazer à tona o pleno significado à mensagem cristã sobre a subjetividade masculina e feminina.
Além disso, nas polêmicas atuais, até mesmo os fatos são apresentados de modo parcial. Fala-se de uma espécie de complô apoiado até pelo governo Letta. A realidade é a de um conjunto de objetivos, formulados pelo escritório do Ministério da Igualdade de Oportunidades, que se ocupa das discriminações raciais, para combater o bullying e as violências.
Em relação a esses objetivos, foram encomendadas cartilhas a uma associação de psicologia que são o verdadeiro objeto de discórdia, voltadas a cursos nos vários níveis de ensino. Cartilhas não obrigatórias, e que cabe às escolas decidir se querem solicitá-las e utilizá-las. Pode-se considerar discutível o conteúdo dessas cartilhas e contestá-lo legitimamente, mas falar de um projeto para transformar as escolas em campos de reeducação é um evidente exagero.
Debate ou confronto?
Pergunto-me o porquê de toda essa ênfase não justificada. E penso que, em maio, haverá o encontro das escolas católicas com o papa, que também irá proferir o discurso de abertura inicial da Assembleia Geral da CEI. Quer-se, então, elevar a temperatura a todo o custo? Criar uma emergência e um inimigo para arrebatar do papa palavras para serem usadas como apoio?
A estratégia dos valores inegociáveis e das guerras culturais para alguns católicos se tornou ocasião de visibilidade, e tenho a dúvida de que, para não arquivá-la, quer-se encontrar um pretexto para colocar um capacete na cabeça do Papa Francisco. Além disso, é verdade que, nos debates públicos sobre sexualidade e família, há posições divergentes em diversos graus da visão católica, mas isso é normal em uma sociedade pluralista, e é bom debater de modo sério a respeito, sem esconder os problemas.
Mas isso não significa alimentar uma cultura do confronto, como me parece estar acontecendo.
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Primeiro ''fazer arder os corações'', depois pensar na moral. Artigo de Christian Albini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU