15 Abril 2014
Enquanto os tumultos em torno do casamento para todos continuam agitando a sociedade, Michel Grandjean, professor de história do cristianismo na Faculdade de Teologia de Genebra, está organizando uma série de conferências públicas sobre a noção de família do ponto de vista histórico, sociológico e psicanalítico.
A reportagem é de Matthieu Mégevand, publicada no sítio Le Monde des Religions, 04-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Por que a ideia de um curso público sobre a noção de "família" ao longo da história?
Pode-se considerar com Lucien Febvre que a história é filha do seu tempo, o que significa que nunca vamos rumo ao passado inocentemente. A história é sempre uma relação entre o presente e o passado, e a ideia de um curso público em torno da história da família se inscreve em um contexto presente muito carregado, porque a família claramente é uma questão de atualidade que agita a sociedade. Os modelos familiares são flutuantes, eles evoluem, na França, por exemplo, com a lei sobre o casamento para todos, e dão ao historiador material para se voltar para o passado. Dito isso, para assuntos tão complexos, nunca podemos utilizar a história para dizer: "Sempre foi assim, portanto...", ou, ao contrário, "fez-se de forma diferente no passado, portanto...", porque os contextos jamais são os mesmos e não podem ser transpostos.
A ideia da família "um pai, uma mãe, filhos", como é afirmada pelos opositores ao casamento para todos, era pertinente no tempo de Jesus?
Evidentemente, não se pode transpor. Dito isso, é certo que a noção de família era percebida de maneira muito diferente na Antiguidade. Por exemplo, quando na Bíblia se fala dos "irmãos" de Jesus, não se sabe se se trata de irmãos ou de primos, porque a mesma palavra pode indicar esses dois laços de parentesco. Isso significa obviamente que a sua ideia de "família" não era a mesma que a nossa.
Mais em geral, o que diz a história (e a história do cristianismo) sobre a noção de família?
A noção de família é particularmente sensível, porque se encontra no cruzamento do que provém da natureza (biologia) e do que provém da cultura (organização da família nas diversas sociedades). Todas as religiões dão importância a essa noção, e o cristianismo especificamente.
Assim, se olharmos para a maneira como o cristianismo, nas diversas épocas, considerou a família, há do que se perturbar: e tenho a convicção de que todos aqueles que hoje se manifestam contra o casamento para todos reivindicando valores cristãos ficariam espantados com certas posições que a Igreja sustentava em um passado mais ou menos distante.
Por exemplo, a adoção (para os casais heterossexuais) é hoje considerada como um ato de caridade, admitido e perfeitamente reconhecido tanto pela sociedade quanto pela Igreja. Acontece que, no fim da Antiguidade e até o fim da Idade Média, o fato de adotar uma criança era muito mal visto pela Igreja. A razão era a seguinte: se um casal sem filhos adota, isso significa que a herança dos pais será reivindicada pelo filho, enquanto que, se um casal morre sem filhos, ao menos uma parte dos seus bens será revertida à Igreja. Por esse motivo, a prática da adoção era combatida, e podemos encontrar esta frase de Salvien, bispo de Marselha, no século V, que declara em síntese: "Adotar uma criança é roubar o bem de Deus".
Outro exemplo, as proibições ligadas ao casamento: na Idade Média, o medo do incesto era tal que a Igreja proibiu o casamento até graus de parentesco absolutamente incompreensíveis – até o 7º grau de parentesco, o que significava que era teoricamente impossível se casar, e que era necessário, todas as vezes ou quase, obter dispensas.
Mais um exemplo: a Igreja encorajou longamente os pais a "doarem" um dos seus filhos a Deus, isto é, destiná-lo a um mosteiro. Isso significava, na prática, que, a partir dos sete anos de idade, uma criança entrava no mosteiro para não mais sair mais por toda a sua existência. Ela crescia em uma nova "família", composta unicamente por homens (ou por mulheres) e na qual vivia até a sua morte, muitas vezes sem jamais rever a sua família biológica.
Último exemplo, por fim, o das crianças nascidas de uma mãe não casada: a Igreja, sobretudo na era moderna, considerando a mulher como pecadora ou depravada, fazia de tudo para que a criança ilegítima fosse arrancada da mãe e confiada a um orfanato, onde, no entanto, a expectativa de vida era deplorável.
O que se pode concluir com esses diversos exemplos?
Esses exemplos mostram que, historicamente, práticas correntes em uma certa época nos parece inaceitáveis hoje. Isso significa que cada sociedade se dá modelos que lhe parecem aceitáveis, e que esses modelos mudam, evoluem constantemente ao longo do tempo. Assim, o que hoje nos parece inaceitável pode ser percebido de forma diferente em alguns séculos.
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''Os modelos de família são flutuantes ao longo da história.'' Entrevista com Michel Grandjean - Instituto Humanitas Unisinos - IHU