26 Março 2014
O De Magistro, de Santo Agostinho, apresenta a relação pedagógica, ou educacional, entre Mestre e discípulo. Aquele que eu defino como o De Magistro pós-moderno, assinado por Francesca Nodari, é apresentado na conceitualidade do filósofo francês-lituano Levinas.
A análise é do teólogo italiano Rosino Gibellini, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e em filosofia pela Universidade Católica de Milão. O artigo foi publicado no blog Teologi@Internet, da Editora Queriniana, 24-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O De Magistro de Santo Agostinho já é um texto clássico. Mas agora apareceu um De Magistro que eu definiria como pós-moderno, assinado pela jovem estudiosa de Bréscia, Francesca Nodari, com o título Il bisogno dell’Altro e la fecondità del Maestro [O desejo do Outro e a fecundidade do Mestre] (Ed. Giuntina, 2013). Apresento aqui alguns pensamentos que remetem à minha intervenção na discussão sobre o livro, na presença da autora, na Biblioteca da Universidade Católica da Bréscia, no dia 27 de fevereiro.
O De Magistro apresenta a relação pedagógica, ou educacional, entre Mestre e discípulo. Agostinho havia elaborado o seu célebre diálogo, como cristão, ao acabar de voltar para Milão, mas ainda não bispo. Ele o tinha escrito depois da morte de Adeodato, seu filho "ilegítimo" de 15 anos. No texto, há a experiência da educação dada ao filho, de quem ele admirava a inteligência; mas também a sua experiência de retórico em Cartago, antes, e depois em Milão.
Datável de cerca de 390 d.C., ele se inspira na doutrina socrático-platônica da arte maiêutica, segundo a qual o mestre "exterius adminiculat", "ajuda de fora", para favorecer a iluminação interior da luz que ilumina todas as mentes (segundo a visão cristã da interioridade).
Tomás de Aquino também tinha retomado o tema, dedicando a De Magistro uma das Quaestiones disputatae de Veritate (século XIII), enfatizando a contribuição da experiência.
Aquele que eu defino como o De Magistro pós-moderno, assinado por Nodari, é apresentado na conceitualidade do filósofo francês-lituano Levinas.
Francesca Nodari já tinha dedicado ao seu filósofo – estudado em Friburgo (Alemanha) sob a orientação do filósofo da religião Bernhard Casper – o estudo acadêmico Il pensiero incarnato in Emmanuel Levinas [O pensamento encarnado em Emmanuel Levinas] (Ed. Morcelliana, 2011).
O texto da editora Giuntina é douto, pois nele é utilizada não só a vasta bibliografia do filósofo, mas também o primeiro volume das obras póstumas, os Cahiers de captivité, publicados pelo legado levinasiano somente em novembro de 2009. Levinas (1906-1995), depois da emigração da Lituânia à França e dos estudos em Estrasburgo (com Blondel) e em Friburgo/Alemanha (com Husserl e Heidegger), também participara como cidadão francês da Segunda Guerra Mundial. Foi feito prisioneiro em 1940 e enviado para um campo de prisioneiros no norte da Alemanha, onde permaneceria até o fim da guerra, em 1945, e onde, na dureza da prisão (mas salvou a vida como prisioneiro francês), tinha começado a elaborar as categorias da sua reflexão.
O livro de Francesca Nodari também funciona como livro introdutório à filosofia de Emmanuel Levinas. É preciso indicar também um debate entre teologia cristã e pensamento judaico de Levinas no recente livro do teólogo de Bonn, Josef Wohlmuth, Mistero della trasformazione. Tentativo di una escatologia tridimensionale, in dialogo con il pensiero ebraico e la filosofia contemporanea [Mistério da transformação. Tentativa de uma escatologia tridimensional, em diálogo com o pensamento judaico e a filosofia contemporânea] (BTC 164, Ed. Queriniana, 2013), que retoma em parte as contribuições do livro em colaboração, por eele dirigido, depois da morte do filósofo, Emmanuel Levinas – eine Herausforderung für die christliche Theologie (Ed. Paderborn, 1998).
No De Magistro levinasiano, o exterius agostiniano, o "de fora" torna-se "de frente" ao Mestre. Sintetiza a autora: "O mestre, no seu estar 'de frente' ao discípulo, mostra como 'justamente a pluralidade, justamente a dualidade, justamente a sociabilidade [...] tem uma excelência específica, que é irredutível" (p. 75). O homem é um ser necessitado, sente "a necessidade do Outro", e do outro aprende a arte da vida. O outro é uma categoria da pós-modernidade (David Tracy), à qual o filósofo lituano-francês deu uma contribuição decisiva.
A autora também evidencia este texto de Levinas: "A relação entre o Mestre e o aluno não consiste em se comunicar ideias. Ela é o primeiro irradiar-se do próprio messianismo" (p. 86). Texto de grande esplendor: na instrução, ocorre uma irradiação do messianismo, isto é, a vida do discípulo se abre para o futuro e para a confiança e a responsabilidade do agir para o outro.
E ainda: "O Mestre alcança o cume da sua fecundidade: faz com que o discípulo cresça, provoca-o, no acontecimento da confiança [...] juntos, esperam-pelo-presente na fonte de toda confiança que é salvação" (p. 89). Levinas tem o mérito de ter introduzido na filosofia do século XX, com a categoria do Outro, a ideia de Deus, a expectativa do messianismo, o desejo da salvação, a dimensão ética da vida.
A autora conclui o seu ensaio com estas iluminadas palavras: "Acreditamos que, justamente na relação que ocorre entre o Mestre e o aluno, e, portanto, no acontecimento do ensino [...] explica-se o sentido profundo da inversão do amor da sabedoria em sabedoria do amor, ou seja, da ética como filosofia primeira" (p. 90). A filosofia primeira não é mais a metafísica, como na tradição ocidental, mas sim a ética na responsabilidade pelo outro.
É uma visão a ser retomada no tempo da "morte do próximo" (Luigi Zoja).