25 Março 2014
Ministro do Planejamento por uma década, nos governos de Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, João Paulo dos Reis Velloso foi um dos arquitetos do modelo econômico da ditadura militar. Embora o mando político fosse dos generais, Reis Velloso garante que a condução da economia coube aos especialistas civis. Fundador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), atualmente se dedica ao Fórum Nacional, que propõe discutir soluções ao país. Aos 82 anos, Reis Velloso concedeu entrevista a ZH por telefone, desde o seu escritório no Rio.
A entrevista é de Nilson Mariano, publicada no jornal Zero Hora, 22-03-2014.
Eis a entrevista.
Qual foi a participação de civis no modelo econômico do regime militar?
A economia foi conduzida por civis, dentro da ideia dos militares de cada macaco no seu galho. Eles atuavam na área política, mas na econômica não se envolviam. O que houve de bom ou de ruim na economia, entre 1964 e 1984, foi de responsabilidade dos civis. Principalmente dos ministros da Fazenda e do Planejamento.
Como civis se aliaram aos generais?
Havia três golpes em preparação no pré-1964. Um do Jango (presidente João Goulart) e outro do Brizola (o gaúcho Leonel Brizola), que pretendia instalar uma república sindicalista. O terceiro era dos militares. A classe média se dividiu. O Jango cometeu um erro, que não seria aceito em nenhum país. Subverteu a hierarquia militar, com a ideia de politizar sargentos e suboficiais.
Qual foi a principal característica do modelo econômico?
É preciso dividir o período em quatro fases. A primeira vai de 1964 a 1966, quando houve a reconstrução da economia do país, virtualmente destruído por Jango, que jogou no lixo o Plano Trienal que havia encomendado ao Celso Furtado. Então, o governo de Castelo Branco (Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro condutor da ditadura) tratou de reconstruir a economia.
Qual foi a segunda fase da economia?
De 1967 a 1973. Foi o milagre econômico, isso entre aspas. O ministro Delfim Netto aproveitou o trabalho de reconstrução que tinha sido feito pelo Roberto Campos. Deu estímulo ao consumo. Conseguiu taxas de crescimento altas, com investimentos não muito elevados, na faixa de 8% a 11% ao ano. O Brasil cresceu, mas em setores de bens de consumo duráveis, principalmente o automóvel. Mas foi se criando o que chamo de ovo da serpente. O Brasil importava muita matéria-prima, em setores nos quais era competitivo. Produzia muito carro, mas os insumos eram importados.
O milagre acabou fracassando?
Em 1973, houve a crise do petróleo, quando o preço do barril subiu de US$ 2 para US$ 12. O Brasil importava 85% do petróleo que consumia. Em 1973, a balança comercial estava praticamente zerada. Em 1974, com o choque do petróleo, apresentou um déficit de US$ 4,7 bilhões.
É então que surge a terceira etapa?
Começa em 1974 e se estende até 1979. Antes de ser empossado, o Geisel me fez duas visitas no Ministério do Planejamento. Na segunda, me perguntou: “Você acha que o Planejamento deve ser um ministério como os demais?” Respondi a ele: “Não. Deve ser um órgão da Presidência da República, ou não deve existir”.
O que aconteceu, então?
O Geisel transferiu o Planejamento para a Presidência. Lançamos o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), com duas grandes prioridades. A primeira, mais energia e petróleo. Em 1974, descobriu-se o primeiro campo petrolífero, o da Bacia de Campos, no Rio. A segunda prioridade foi providenciar os insumos básicos para a indústria.
Qual foi o resultado?
Em 1984, o Brasil registrou superávit na balança comercial de US$ 13,1 bilhões. O país não entrou em recessão, preferindo desacelerar. Em 1977-78, houve crescimento de 5%.
E a quarta fase econômica?
De 1979 a 1984. O Figueiredo (João Baptista Figueiredo), a quem eu considerava medíocre, escolheu o Simonsen (Mário Henrique Simonsen) como ministro. O Simonsen resolveu desacelerar a economia, com crescimento de 3% ao ano, mas não teve o apoio do Figueiredo. Então, o Delfim reacelerou a economia, em busca de outro milagre. A desgraceira veio no governo seguinte (com José Sarney).
Por quê?
O ministro da Fazenda, Dilson Funaro, não obedeceu às regras do Tancredo (Tancredo Neves) de só se gastar o que se arrecada. O resultado foi o congelamento de preços.
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“O que houve de bom ou ruim foi responsabilidade dos civis” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU