Por: Caroline | 21 Março 2014
Dalma Emilce Lobo (foto) é uma militante transgênero. Ela foi violentada diversas vezes no complexo penal Marcos Paz, na capital argentina, onde contraiu HIV. Não teve acesso a medicação. Também foi queimada, quando atiraram sobre ela um colchão em chamas. Agora está sobre prisão domiciliar, devido às condições degradantes de seu confinamento.
A reportagem é de Horacio Cecchi, publicada por Página/12, 19-03-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/QlV1ad |
Na última terça-feira comemorou-se, pela primeira vez, o Dia da Promoção dos Direitos das Pessoas Trans na cidade de Buenos Aires. As marcas no corpo de Dalma Emilce Lobo são uma mostra de que o caminho da promoção de direitos é longo e que ainda falta muito a percorrer. Este jornal já informou anteriormente sobre a medida proposta pelo juiz de Execução portenho, Marcelo Peluzzi, de outorgar-lhe a prisão domiciliaria. Emilce passa seus primeiros dias fora do cárcere na casa de Gladys, uma amiga trans, testemunha de seu casamento e que garante, frente à Justiça, habilitá-la na prisão domiciliar. Durante seis anos, Emilce conheceu o horror da vida carcerária, violentada pela primeira vez em Marcos Paz, onde contraiu HIV; prostituída na unidade 32 do complexo penitenciário de Florêncio Varela, para que não a enviassem a cidade de Sierra Chica. Quando foi enviada para lá, foi queimada por um colchão em chamas, atirado pela chefe do turno na prisão masculina de Ezeiza. Espancada, apalpada, prostituída por um cartão de telefone, Emilce conta ao jornal Página/12 o caminho das suas marcas na prisão.
Emilce, como prefere ser chamada ao invés de Dalma, vive em um quarto pequeno, muito pequeno, todavia muito maior que qualquer uma das celas que viveu durante mais de dois mil dias, sem grades, sem violências e sem riscos de que a violentem ou a ateiam fogo. O quarto se encontra na parte superior da casa de sua amiga Gladys, e é acessado através de uma estreita escada em espiral, que a livra dos “cães assassinos”, maneira como Yhajaira – outra amiga e militante trans que acompanha Emilce pela manhã – chama a seus cachorros, Negro e Batata, que “não tem nenhum ponto em comum com os cachorros do complexo”. Emilce com “c”? Sim, com “c”. Para sair do comum, explica.
Em 2008, iniciou-se contra ela um “mandato federal” e ficou alojada em Marcos Paz. Ela prefere não falar do motivo. Também não faz falta perguntar, visto que a nenhum motivo justificaria os maus-tratos sofridos. “Em Marcos Paz começou tudo. Passei por muita de gente, sofri diversas violações dos internos, abusos desonestos, contrai HIV. Tive uma depressão terrível. Estava sofrendo com a perda de meu irmão, em 2003, por esse mesmo motivo e isso me fazia muito mal. Cheguei a pesar 58 quilos, tive que me medicar através de um recurso habeas corpus, porque o infectologista do sistema penal me dizia que não iria me medicar, porque eu tinha uma patologia crônica”.
“Nessa época em Marcos Paz, ficavam reunidos, no mesmo pavilhão, todas as meninas que cumpriam penas por abuso sexual”, acrescentou Yhajaira, revelando os critérios de preocupação do Serviço Penitenciário Federal (SPF) para manter a salvo seus detentos. “Eram muito agressivos com todos, ocorreram muitos estupros”, retomou Emilce. De Marcos Paz foi transferida, em 2010, para Ezeiza, uma penitenciaria para mulheres. “Ali passei muito mal, nos maltrataram, nos descriminaram, eu denunciei ao diretor do setor, Alejandro Marambio, porque a situação era insustentável, desesperadora. O pior que me ocorreu foi minha transferência para a unidade 32 do complexo. Fiquei ali por 15 dias. O chefe do sistema da Unidade 32, Rojas, me ofereceu manter relações sexuais com ele e com sua equipe para que não me transferisse a Sierra Chica, que era o pior do pior – recorda Emilce, demonstrado o controle exercido pelos juízes aos condenados: nenhum. Eu não aceite. Como estava pedindo para sair do âmbito nortenho me mandaram para Sierra Chica”. Cabe esclarecer que Sierra Chica também fica em Buenos Aires.
Logo Emilce chegou a Ezeiza, uma prisão masculina. “Eram quatro pavilhões, o A, B, C e D; do módulo 6, com 15 celas cada um, com celas de castigo, celas de isolamento, mas celas para homossexuais, travestis, trans”.
No dia 18 de setembro de 2012, entrou uma chefe de turno de Ezeiza, de sobrenome Terraza, “uma pessoa muito agressiva. As celas eram individuais. E fecham-se as 12 da noite. As 12:30 foi aberta por um funcionários e ela entrou. Tinha um colchão parado, próximo a porta. Com o calor do corpo, ele ficava cheio de umidade, e por isso o levantei para que escorresse. Ela me insultou e me provocou. Disse-me ‘sua puta, vou fazer você se calar de uma vez por todas’. E colocou fogo no colchão e fechou a porta. Não tinha para onde sair. Voltaram a abrir e o jogaram em cima de mim. O plástico grudou em meu corpo. Levaram-se ao Hospital de Queimado e, depois de alguns dias, ao Hospital Penitenciário central no complexo (HPC), onde fiquei quatro dias, com feridas abertas, com baratas, meu marido cuidava de mim”, disse Emilce enquanto seus olhos ficavam vermelhos. Não quis mais falar, seu marido morreu meses após seu casamento realizado na penitenciária.
Yhajaira acrescentou: “Deram a ela cinco minutos para que fosse ao velório, caso contrário a castigariam. Como podem ser tão perversos?”.
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Relato de uma transgênero no sistema penal argentino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU