30 Janeiro 2014
A Basílica de São Paulo Fora dos Muros foi confiada aos beneditinos durante 1300 anos. Havia uma tradição de diálogo ecumênico tão forte aí que o Papa Bento XVI acabou decidindo dar à basílica a função específica de promover o ecumenismo. Os papas vêm concluindo a Semana de Oração para a Unidade dos Cristãos neste local há anos. O Papa Francisco foi ao local em 25-01-2014. João XXIII o visitou em 25-10-1959; nessa ocasião, ele anunciou o Concílio Vaticano II.
A reortagem é de Andrea Gagliarducci, publicada pelo MondayVatican, 27-01-2014.
Esta é a razão por que alguns pensaram que o Francisco teria usado do 55º aniversário do anúncio do Papa João XXIII para anunciar um Concílio Ecumênico Vaticano III.
Anos depois, João XXIII recordou os debates sobre um novo concílio e como a sua experiência como diplomata na Turquia, na Bulgária e, especialmente, na França formaram sua decisão. Quando ele falou aos “Curiali” que defendiam não haver tempo suficiente para preparar um novo concílio, João XXIII afirmou: “Eles nunca estiveram do lado de fora”.
Na verdade, a possibilidade de um concílio já estava flutuando dentro dos muros do Vaticano.
Pio XI começou a trabalhar num Concílio Vaticano II em 1922, e então abandonou a ideia a fim de primeiro encontrar uma solução para a “questione romana”, ou seja, a disputa política entre o governo italiano e o papado desde a queda de Roma à unificação italiana em 1861.
Pio XII pediu um documento preparatório para um concílio e então decidiu que a época não era a propícia, e usou as ideias desenvolvidas no documento como texto para seus discursos.
Escritores, intelectuais e prelados fora dos muros do Vaticano agora percebem a possibilidade de um novo concílio. Por exemplo, o monsenhor Celso Costantini reuniu alguns pensamentos por escrito, posteriormente intitulados “O Concílio. Sobre a conveniência de convocar um Concílio Ecumênico”, em tradução livre. “Uma suposta ‘italianisation de l’Eglise’ [italianização da Igreja] é algo sobre o qual se vem falando e escrevendo”, disse Costantini. “Um concílio ecumênico dissiparia, de uma só vez, todas estas nuvens negras, mostrando ao mundo, incluindo àqueles que são indiferentes e hostis, as características da Igreja, sua unidade e catolicidade, seu caráter apolítico e sua santidade.
Palavras como estas ainda hoje ressoam. Quando o Francisco foi eleito, houve muita conversa sobre uma italianização da Cúria Romana. O penúltimo consistório do Papa Bento XVI foi, em grande parte, para criar cardeais italianos titulares de cargos na Cúria Romana e isso alimentou a percepção da “italianização da Igreja”. Em parte como resposta à essa crítica, Bento XVI convocou um segundo consistório para criar somente sete novos cardeais, todos eles vindo de fora da Europa e nenhum deles eram membros da Cúria.
A crítica era mesmo sobre o centralismo de Roma, considerada muito distante das periferias. O impulso para uma reforma da Igreja que leva à escolha de Jorge Mario Bergoglio como papa veio deste desejo de as periferias serem protagonistas na vida da Igreja.
No entanto, o centralismo de Roma veio a partir do Concílio Vaticano II. Quando João XXIII morreu, o cardeal Giovanni Battista Montini ganhou amplo apoio do colégio cardinalício por causa de seu prestígio pessoal e, acima de tudo, por causa de seu compromisso em levar adiante o Concílio em direção de seu objetivo pretendido. Este objetivo era o de apoiar a inovação baseado em uma Igreja unida, centralmente coordenada de forma que ela não se tornasse dispersa nem perdesse terreno.
Paulo VI trabalhou para atingir esta unidade, ao mesmo tempo em que era um forte inovador. Não deveremos nos esquecer de que Paulo VI foi o primeiro papa a celebrar uma missa de Natal fora da Basílica de São Pedro, nas periferias (a celebração mais comovente foi aquela na indústria siderúrgica Italsider, em Taranto), e que fez um pároco cardeal, que então continuou sendo um sacerdote paroquial, algo inédito na história moderna da Igreja.
Fortemente enraizado na Tradição da Igreja e na regra de Inácio de Loyola, é provável que o Papa Francisco também esteja pensando num grande concílio para quebrar a rotina. Mas não à maneira como estamos acostumados a imaginar. Ele recentemente deixou claro não gostar do “sempre foi feito assim” como sendo um princípio orientador para um modo de vida. Isso está evidente na escolha dos cardeais, na ênfase em uma intensa perspectiva pastoral e nas homilias que desenvolve a cada manhã na Casa Santa Marta, que são cheias de referências ao quão ele detesta fofoca e escândalos.
O Papa Francisco quer uma Igreja desmundianizada, e ao mesmo tempo ele é um papa autoritário, dando a palavra final na maioria das decisões. Provavelmente o Santo Padre fará o mesmo com relação às reformas necessárias para modernizar a “operação” da “máquina da Igreja”.
Na verdade, as reformas já estavam ocorrendo. Sobre a comunhão para católicos divorciados que casaram novamente, Bento XVI já havia começado a estudar uma possível nulificação dos casamentos com base na falta de fé, quando era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. O Papa Francisco institucionalizou a luta contra os escândalos de abusos sexuais ao anunciar o estabelecimento de uma comissão ad hoc escolhida pelo Conselho de Cardeais, porém Bento XVI já estava na luta contra os abusos sexuais antes dele. A reforma da Cúria vem sendo um “tema quente” há anos, e as únicas propostas a este respeito parecem ser, na maioria, “cosméticas”, não enfrentando realmente o problema. Um exemplo é o debate sobre a instituição de um Congregação para o Laicato, ou aquela ao modo de um ministério vaticano das finanças (esta proposta não leva em conta que a Prefeitura dos Assuntos Econômicos já tem tarefas semelhantes às de um ministério das finanças).
Dessa forma, a discussão parece estar distante de um Concílio Vaticano III. João XXIII concebeu o Concílio Vaticano II junto (e não isoladamente) de um sínodo para as dioceses de Roma e para uma reforma do Código de Direito Canônico. Estas eram reformas concretas e estruturais que foram além da troca de opiniões nos corredores e salas e que responderam a uma visão exata da Igreja, tanto no nível governamental quanto no de campo.
Não por acaso Dom José Rodriguez Carballo, secretário da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, falou sobre uma possível reforma do Direito Canônico em uma convenção sobre as vocações. E não por acaso também o Conselho de Cardeais disse, desde o início, que o seu verdadeiro objetivo não era fazer algumas pequenas modificações à Pastor Bonus, Constituição Pastoral que regula as funções da Cúria, mas sim reescrevê-la substancialmente.
No entanto, o Papa Francisco parece querer ir ainda além. Ele coincide com João XXIII no compromisso pela paz, em sua vontade de renovar a Igreja e mesmo numa certa intolerância pela prisão vaticana. Todavia, ele parece aspirar à visão utópica do falecido cardeal jesuíta Carlo Martini mais do que à utopia de João XXIII.
Muitas vezes Martini é associado à ideia de um Concílio Vaticano III. Na verdade, Martini falou com certa frequência sobre uma espécie de “encontros periódicos” sobre temas específicos, uma consulta ampliada do Sínodo dos Bispos e não um concílio ecumênico simplesmente.
O Papa Francisco parece estar seguindo o caminho do Pe. Martini. O seu primeiro foco vem sendo a família, já que ela está sempre sob coação na sociedade atual. Como pode a família sobreviver à secularização? Como pode a Igreja ainda ter algo a dizer às famílias?
Assim, a família irá ser um tópico do sínodo extraordinário a ser realizado em outubro de 2014 bem como do sínodo ordinário de 2015. Além disso, no dia 22-02-2014 o papa irá celebrar o próximo consistório para a criação de novos cardeais. Nos dois dias anteriores (20 e 21 de fevereiro), o pontífice irá realizar um consistório dedicado à família. E o Conselho dos Oito Cardeais irá estar focado sobre a família também durante o seu próximo encontro, marcado para acontecer entre os dias 17 e 18 de fevereiro.
Na semana seguinte, o papa irá participar no Conselho do Sínodo dos Bispos em preparação para o próximo sínodo extraordinário. O Papa Francisco também estaria pensando sobre como reformar o Conselho a fim de dar mais peso às periferias. Este é o lugar onde uma Igreja viva e real está, segundo o papa. Esta programação apoia a noção de uma espécie de consulta informal e permanente.
As diferenças de opinião são normais durante uma consulta. E às vezes a mídia é usada para se discutirem estas diferenças publicamente. Foi o que ocorreu durante o Concílio Vaticano II, quando o concílio da mídia ofuscou o verdadeiro concílio. E isso está acontecendo neste momento, com o cardeal Oscar Andrés Rodriguez Maradiaga, coordenador do Conselho de Cardeais, criticando Gerhard Ludwig Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Müller escreveu um artigo no jornal vaticano L’Osservatore Romano, onde reiterava a doutrina da Igreja sobre os católicos divorciados recasados. A mensagem de Maradiaga é “ser mais compassivo, não [apenas] pensar se é certo ou errado”.
Mas o Papa Francisco também necessita de pessoas como Müller para apoiar sua noção de um conselho permanente e informal. No final, há sempre uma necessidade de alguém se conter e defender a verdade, evitando mal-entendidos. Alguém como Müller pode sublinhar que a Igreja “não é uma federação de Igrejas nacionais ou uma aliança global de comunidades eclesiais relacionadas pela confissão junto ao Bispo de Roma como um presidente honorário”, como uma questão de tradição. A Igreja é o que “testemunha e realiza a unidade dos povos em Cristo”. A unidade da Igreja, disse Dom Müller na Espanha, vem de Cristo, que estabeleceu os apóstolos e seus sucessores. Müller acrescentou que nacionalidade, língua e cultura não são “princípios constitutivos” da Igreja. Esta visão iria resultar uma “Igreja secularizada e politizada, só um pouco diferente de um ONG”.
Esta é uma mensagem clara chegando no final da Semapa de Oração pela Unidade dos Cristãos. No fim, se a Igreja não estiver unida dentre de suas próprias fileiras e meramente falar de si em termos políticos, não poderá haver nenhum impulso para o ecumenismo. O Papa Francisco sempre se definiu como o “Bispo de Roma” e isso tem alimentado grandes expectativas ecumênicas. Porém, ele sabe que a Igreja não pode ser reformada se não recuperar sua unidade interna primeiramente. Um ponto de vista que esteve claro na mente do Papa Bento XVI. Esta é a razão por que Bento trabalhou para unir todas as partes da Igreja, incluindo facções tradicionalistas. E esta é a razão por que Bento denunciou o comportamento ganancioso (“morder ou devorar”) que impediu a Igreja de estar unida.
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Papa Francisco entre as utopias de Roncalli e Martini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU