Por: André | 22 Janeiro 2014
Ela é recriminada por ser intolerante e violenta, em nome de Deus. Mas um documento da Comissão Teológica Internacional reverte a acusação. É a ditadura do relativismo que quer expulsar a fé da sociedade civil.
Fonte: http://bit.ly/1heGVBz |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 21-01-2014. A tradução é de André Langer.
“Heresia” e “dogma”. As duas palavras que quase ninguém se atreve a pronunciar mais na Igreja – e menos ainda neste período da “misericórdia” – retornaram de maneira imprevista ao primeiro plano no dia 16 de janeiro, em seu sentido mais pleno e na forma mais oficial, na primeira página do L’Osservatore Romano.
“No que diz respeito à fé cristã, a violência em nome de Deus é uma heresia pura e simples”: é dessa maneira que o editorial do jornal do Papa define a “tese inequívoca” do documento da Comissão Teológica Internacional, publicado nesse mesmo dia.
E indica, em sentido contrário: “O respeito escrupuloso da liberdade religiosa decorre daquilo que há de mais dogmático na ideia que a fé cristã oferece de Deus”.
A Comissão Teológica Internacional, instituída depois do Concílio Vaticano II, é uma emanação da Congregação para a Doutrina da Fé. Ela é presidida por seu prefeito e é composta por 30 teólogos e teólogas de vários países, nomeados pelo Papa “ad quinquennium”.
O documento publicado no dia 16 de janeiro foi solicitado por Bento XVI em 2008, no marco do seu diálogo com a cultura atual, para reabrir nela um percurso para Deus, o verdadeiro Deus. Trabalharam nele durante cinco anos 10 membros da Comissão, entre eles o salesiano chinês Savio Hon Tai-Fai, hoje secretário da Propaganda Fide, o dominicano suíço Charles Morerod, hoje bispo de Lausanne, Genebra e Friburgo, e o italiano Pierangelo Sequeri, destacado expoente da escola teológica de Milão.
O texto completo do documento está disponível, por enquanto, apenas na versão italiana – elegante e incisiva como raramente acontece em um texto teológico, graças à pluma e à mente de Sequeri, embora aqui e acolá não seja de leitura fluida –, enquanto que em outros oito idiomas está pronto para ser publicado um resumo introdutório, à espera da tradução completa.
O título permite intuir o objetivo do documento: lutar contra a ideia, muito comum, de que o monoteísmo, a fé no Deus único, é tanto sinônimo de obscurantismo e de intolerância como semente invencível de violência, razão pela qual deve ser expulso da sociedade civil.
Judeus, muçulmanos e cristãos são o alvo deste teorema tipicamente relativista, que mostra que pretende substituir o monoteísmo por um moderno “politeísmo” ilusoriamente apresentado como pacífico e tolerante.
Imputa-se aos judeus a fé em um Deus vingativo “da ira e da guerra”, o Deus do Antigo Testamento, e se faz isso com uma hostilidade preconcebida que o documento diz que está presente “inclusive na alta cultura” (um exemplo recente deste antijudaísmo teológico está dado na Itália por Eugenio Scalfari, o muito secular “entrevistador” do Papa Francisco).
Contra os muçulmanos aplica-se – com o apoio dos fatos – “a injunção dada por Maomé de defender a fé por meio da espada”, como há havia denunciado o imperador Manuel II Paleólogo no diálogo com o sábio persa, que Bento XVI fez conhecer universalmente na conferência de Regensburg, pronunciada no dia 12 de setembro de 2006. E é curioso que no mesmo dia da divulgação do documento dos 30 teólogos tenha aparecido no Huffington.post um documento de 36 páginas de Khalid Sheikh Mohammed, considerado o cérebro que planejou a queda das Torres Gêmeas, preso em Guantánamo, que cita Bento XVI, mas para rebater que o Corão legitime o uso da força como meio para a conversão religiosa, e que justifica o atentado de 11 de setembro de 2001 como uma rebelião exclusivamente política dos oprimidos contra o opressor.
Mas são os cristãos o principal inimigo que é preciso combater, segundo a hodierna polêmica anti-religiosa. É aqui que o documento coloca em jogo os conceitos de heresia e dogma.
Só o fato de pensar – afirma – que a visão cristã associa a fé com a violência é heresia extrema. Ao contrário, um dogma irrevogável é que “o Filho, em seu amor pelo Pai, atrai a violência sobre si, cuidando de amigos e inimigos, isto é, de todos os homens”, e, em consequência, com sua ignominiosa morte sofrida e vitoriosa “aniquila, num único ato, o poder do pecado e a justificação da violência”.
O documento, rico em argumentos, é eficaz em seus “pars destruens” – onde coloca de manifesto a inconsistência da moderna condenação do monoteísmo –, assim como em seus “pars construens”, onde coloca de relevo a natureza trinitária do cristianismo, que o distingue dos outros monoteísmos e funda “a seriedade irrevogável do interdito evangélico em relação a qualquer contaminação entre religião e violência”.
O documento não se cala sobre a queda dos cristãos na violência religiosa, em vários momentos da história. Mas solicita o reconhecimento na hora presente do “kairós”, o momento decisivo, de um “irreversível abandono” dessa violência por parte do cristianismo.
Um abandono que deve valer como sinal para todos os homens de qualquer credo. Porque “se deve reconhecer claramente, por parte de todas as comunidades religiosas, e por parte de todos os responsáveis por sua guarda, que o recurso à violência e ao terror é certamente, e com toda evidência, uma corrupção da experiência religiosa”.
E o mesmo deve valer para quem “persegue a mortificação do testemunho religioso, sobre a base de interesses econômicos e políticos pretensamente cobertos pelas mais elevadas finalidades humanitárias, para benefício das massas”.
O documento termina com um apelo aos perseguidos por causa da sua fé: “O tempo da perseguição deve ser suportado, à espera da conversão desejada por todos. Desta paciência, desta resistência, desta tenacidade dos ‘santos’ para suportar a tribulação da espera, estamos em dívida de reconhecimento para com muitos irmãos e irmãs perseguidos por sua pertença cristã. Nós honramos o seu testemunho como sendo a resposta decisiva à pergunta sobre o sentido da missão cristã a favor de todos. O tempo de uma nova evidência no que diz respeito à relação entre religião e violência entre os homens está aberto graças à sua coragem. Deveremos saber merecê-lo”.
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O processo contra a Igreja. A palavra para a defesa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU