04 Dezembro 2015
"O diálogo foi negado, nossos jovens aceitariam a situação com submissão e passividade? Não. Eles optaram por dar uma lição de democracia e coragem", escreve Esther Solano Gallego, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em artigo publicado por Carta Maior, 03-12-2015.
Eis o artigo.
Hoje de manhã tivemos vários protestos de alunos em São Paulo interditando vias. Num ato instintivo liguei a rádio e tudo o que escutei foram reclamações das pessoas presas no trânsito... Reclamações contra o governo que provocou esta situação crítica com sua rejeição ao diálogo? Não. Contra os adolescentes que exercem seu direito de contestar uma política autoritária.
A estratégia criminalizadora do governo de São Paulo sempre funciona. A opinião pública se joga contra os jovens por “instaurar o caos na cidade”. Ninguém questiona as razões e mais uma vez o responsável é eximido de responsabilização.
USP, Unifesp e UFABC já se posicionaram publicamente contra a reorganização porque a mesma carece dos suficientes argumentos técnicos para ser implementada. Foram ouvidos? Não. A reorganização continua.
Nunca é aceitável a imposição de uma política pública sem ouvir e respeitar a voz da população envolvida, ignorando reiteradamente a opinião da comunidade educativa, pais e alunos. Esse menosprezo político é contrário à democracia.
O diálogo foi negado e esperávamos que nossos jovens acatassem a imposição do governo com submissão e passividade? Não. Eles optaram por dar uma lição de democracia e coragem. Aquela democracia que se faz na rua, na manifestação, na reivindicação e que ensina que os direitos não são conquistados dentro de gabinetes e salas refrigeradas. O estudo, a aprendizado, a cidadania se constroem dentro e fora da sala de aula.
A política do governo de São Paulo não dialoga com que não interessa. É uma política que nega a voz aos cidadãos, uma política que silencia. Só que os nossos adolescentes não querem ser silenciados e não permitiram mordaças. E qual foi a reposta diante dessa insistência democrática intolerável de nossos jovens? Diálogo? Não. Polícia? Sim.
É lamentável ter de repetir o obvio, mas que continua ecoando no vazio: estamos tratando de um assunto de educação pública e não de segurança pública. Até quando vamos legitimar esta lógica policial, bélica, tratando as manifestações como problemas de segurança e não com o coração de nossa democracia que está morta e enterrada sem elas?
Faz três anos que estudo manifestações em São Paulo e sempre se repete o mesmo padrão. Ausência de diálogo, ausência de política, excesso de polícia. Onde estão políticos, o Ministério Público, para mediar nessa hora? Mais uma vez falta política, sobra polícia. O histórico padrão do governo de São Paulo que tantos parecem aceitar como se fosse perfeitamente natural.
Não é. A democracia é diálogo, não imposição. Se o poder público nega constantemente isso, a nossa única alternativa é ocupar escolas, ruas, e lutar pelo que é nosso, o direito de falar, de participar em política, incomode a quem incomodar.
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Os direitos não são conquistados dentro de gabinetes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU