Por: Jonas | 25 Novembro 2015
Apesar de existir uma vacina eficaz contra a pneumonia, esta só chega a 25% das crianças que necessitam dela no mundo. Cerca de um milhão de crianças morre anualmente por causa desta doença (uma a cada 35 segundos), ao mesmo tempo em que as duas únicas empresas que produzem a vacina contra a pneumonia – Pfizer e GlaxoSmithKline (GSK) – “mantêm um preço desproporcional”, informou a representante de Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Comunidade Valenciana, Mila Font, em coletiva de imprensa realizada hoje no Colégio Maior Reitor Pesset Alexandre, da Universidade de Valência.
A reportagem é de Enric Llopis, publicada por Rebelión, 20-11-2015. A tradução é do Cepat.
Até o momento, as duas companhias se negaram a baixar os preços, destaca MSF. De fato, a organização humanitária teve que arcar com mais do que o dobro do preço menor, ou seja, o preço financiado mediante subvenções do GAVI (aliança global para a vacinação) para os países com menos recursos, na campanha de vacinação para crianças refugiadas no Sudão do Sul, em 2013. Enquanto isso, as companhias Pfizer e GSK tiveram uma entrada de 26 bilhões de euros, em cinco anos, pelas vendas da vacina pneumocócica (assim chamada por causa do nome do germe da pneumonia).
No último dia 12 de novembro, MSF iniciou uma campanha de coleta de assinaturas com a finalidade de que as duas multinacionais reduzam de 18 para 4,35 euros o preço, por criança, das três doses contra a pneumonia (a doença mais mortífera atualmente entre os menores), em todos os países do Sul para e para as ONGs. A intenção da organização humanitária é entregar aos presidentes das duas companhias meio milhão de assinaturas (até o momento foram coletadas 36.000).
Além disso, MSF incentivou os cidadãos de todo o mundo a enviar mensagens pelo Twitter às duas companhias, com a mesma finalidade, e no dia 12 de novembro – Dia Mundial da Pneumonia – ativistas da ONG entregaram ao presidente da Pfizer, Ian Read, 17 milhões de dólares falsos, valor que a empresa ganha diariamente com a comercialização da vacina. A estas ações, acrescenta-se a resolução aprovada pelas Nações Unidas, no dia 27 de maio, que pede vacinas mais acessíveis e maior transparência na definição de preços.
O diretor da Campanha de Acesso a Medicamentos de MSF, Manica Balasegram, lembrou recentemente que a vacina contra a pneumonia é a mais vendida no mundo. “Só no ano passado, a Pfizer obteve mais de 4,4 bilhões de dólares em vendas por este produto. Eles colocam um preço tão alto na vacina contra a pneumonia, que muitos governos e ONGs não podem adquiri-la”, conclui. A importante margem de benefícios é uma das razões que fizeram com que as organizações humanitárias pedissem a redução de preços às multinacionais. Tanto Pfizer como GlaxoSmithKline (GSK), em doações pontuais, oferecem a vacina de forma gratuita, “mas isso não representa uma solução a longo prazo”, aponta Mila Font, nem para a população refugiada de países como Jordânia, Líbano e Turquia.
Em 2006, MSF já iniciou uma campanha de protesto contra outra multinacional, a suíça Novartis, que apresentou um recurso nos tribunais da Índia contra a Lei de Patentes daquele país, principalmente contra o parágrafo que estabelecia uma salvaguarda para impedir que os novos usos e apresentações de medicamentos existentes fossem objeto de patente. O recurso da Novartis, denunciou MSF, poderia ter um “impacto devastador para o acesso a medicamentos acessíveis e de qualidade para milhões de pacientes nos países em desenvolvimento”. Por esta razão, a ONG solicitou que a Novartis abandone a batalha judicial. “MSF não recebe financiamento do setor farmacêutico”, recordou Mila Font.
A ONG apresentou, hoje, em Valência, a campanha “Por uma vacina”, com a finalidade de informar que mais de 1,5 milhão de crianças morrem por ano por causa de doenças que podem ser prevenidas com uma vacina, como as diarreias, o sarampo e o tétano. No entanto, alerta a organização humanitária, o preço da vacinação “integral” para um menor se multiplicou por 68 (de 0,57 euros para 39,25), entre 2001 e 2014. E acontece a situação “irracional” de que uma vacina como a da pneumonia seja mais cara em países como a Tunísia do que em outros do Norte, como a França.
Dentro desta disparidade de preços, MSF constata que o custo das vacinas para África do Sul triplica o do Brasil. “Uma das razões pelas quais a vacinação ficou tão cara é a falta de informação disponível sobre os preços, o que obriga muitos países do Sul e ONGs a negociar com as indústrias farmacêuticas a partir de uma posição muito frágil”, explica Mila Font. Além de solicitar apoio econômico para os programas e recordar as dificuldades que as organizações humanitárias enfrentam, MSF recorda, pela iniciativa “Por uma vacina”, que em 2014 a ONG vacinou 1,5 milhão contra o sarampo e 75.000 contra a meningite.
“Por que existindo uma medida tão simples, como a imunização, morrem diariamente quatro mil crianças por diferentes doenças?”, questiona-se Mila Font. Por exemplo, a campanha contra o sarampo fez com que, graças às vacinas, o impacto desta doença fosse reduzido em 75%, entre 2000 e 2013, o que significou evitar a morte de 15,6 milhões de pessoas. Apesar da mortalidade por causa do sarampo ter se reduzido significativamente e a imunização ter ficado em torno de 85%, nos últimos quatro anos, só a metade das crianças do mundo recebe a segunda dose necessária para a vacinação completa. Em países como a República Democrática do Congo, só 77% das crianças menores de um ano receberam a vacina contra o sarampo (neste país, onde houve mais de 200.000 casos de sarampo, desde 2010, há apenas 11 médicos para cada 100.000 pessoas).
Apesar do fato da cobertura global de imunização (em relação ao conjunto de enfermidades) ter chegado a 84%, em 2013, o número de mortes infantis continua sendo muito alto. Junto à carestia de medicamentos e vacinas (com preços definidos de modo pouco transparente) se acrescentam as dificuldades sobre este campo. A engenheira e colaboradora de MSF, durante 2015, no Sudão do Sul e Serra Leoa, Mónica Teruel, afirma que é muito notável a falta de adequação das vacinas aos meios que os países do Sul dispõem. Uma das dificuldades mais graves é garantir que durante o transporte e o armazenamento as vacinas sejam mantidas em uma baixa temperatura. “Onde há problemas com a energia elétrica, é preciso fazer uso de caminhões com gelo para refrigerar”. Por outro lado, há lugares de acesso muito complicados para fornecer as doses, nos quais é preciso chegar de moto, barco ou burros.
Mónica Teruel lamenta que a maior parte das vacinas seja injetável e, consequentemente, “seja preciso contratar médicos que seguramente não dispõem” (um país como a Nigéria conta com um profissional de saúde para cada 10.000 pessoas). “As vacinas orais chegariam a mais crianças através de sistemas sem agulhas”. Em muitos casos, o fornecimento da vacina implica também que o receptor tenha que se deslocar até centros de saúde, que podem estar distantes ou em áreas de risco. A responsabilidade do percurso recairia principalmente sobre as mães que trabalham no campo, com vários filhos sob a sua responsabilidade. A isso se acrescenta que para cumprir o calendário básico de vacinação recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e assim a criança ficar imunizada, deve-se comparecer ao centro de saúde cinco vezes antes de completar um ano. A dificuldade se eleva, explica a voluntária, com a população refugiada por razões de violência, e em todos os casos “há muitos problemas para que as campanhas informativas tenham eco”.
A engenheira recorda que as vacinas chegam aos países dependentes em ampolas (frasco pequeno com medicamentos injetáveis) de 10 e 20 doses, que não são abertas a não ser que esteja garantido que serão aplicadas ao menos em uma dezena de pessoas, pois, caso contrário, o restante se perderia e trata-se de medicamentos caros. Muitos Ministérios da Saúde de países do Sul só recebem vacinas para fornecer às crianças de até 12 meses de idade. Outros problemas destacados por MSF possuem um caráter estrutural e estão relacionados à agenda de prioridades. Por exemplo, o fato das investigações e o desenvolvimento de vacinas se centrarem em grupos de enfermidades que ocorrem nos países do Norte.
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Uma criança morre a cada 35 segundos no mundo por causa da pneumonia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU