Por: Cesar Sanson | 18 Novembro 2015
Para preservar a história, foi lançado no último dia 9 de novembro, no auditório da UFF (Universidade Federal Fluminense), no Aterrado, o documentário “Os Sacerdotes do Povo”, que retrata o importante papel do Bispo Emérito da região, Dom Waldyr Calheiros.
Há 27 anos, o Sindicato dos Metalúrgicos vem prestando homenagem aos trabalhadores que participaram da maior e mais longa greve de ocupação dentro da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Esta greve contou com aproximadamente 30 mil metalúrgicos, que trabalhavam dentro da Usina Presidente Vargas.
O responsável pelo projeto é o historiador e documentarista Erasmo José da Silva, que em entrevista ao Diário do Vale, 15-11-2015, falou um pouco sobre o que é este instrumento de resgate da memória das lutas dos metalúrgicos de Volta Redonda.
Eis a entrevista.
O que te motivou a produzir um documentário sobre o Dom Waldyr?
A importância do movimento operário em Volta Redonda e a participação da igreja através das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e a presença primordial de Dom Waldyr neste processo.
Levando em consideração que Dom Waldyr teve uma trajetória política bastante marcante a nível mundial, com trabalhos em vários segmentos, qual a abordagem que você priorizou neste documentário?
Sua aplicação, enquanto Bispo, das Resoluções do Concílio do Vaticano II: “A opção pelos pobres”. E sua determinação e compromisso para com os movimentos sociais e em especial o movimento operário. Não foi por acaso que se ordenou Bispo em 1964, no dia 1º de maio, dia de São José Operário e dia internacional de lutas dos trabalhadores. Selou, desde então, seu compromisso com a classe trabalhadora.
Qual o contexto que você buscou priorizar?
A delimitação temporal de “Os Sacerdotes do Povo” se situa no período do regime militar de 1964 e as lutas operárias da década de 1980. Importante destacar, que durante estes dois períodos sua participação foi fundamental. Existe no imaginário popular a falsa idéia de sua prisão. Isso nunca aconteceu. Ele se apresentou como prisioneiro em 1969 com o objetivo de libertar prisioneiros político, religiosos e comunistas que se encontravam no cárcere sob a alegação de terem contato com Dom Waldyr. Nada mais justo, portanto, na sua visão, que ele fosse preso. Em tese, esse episódio tratou-se de uma tentativa de libertar aqueles que se encontravam presos. Essa ação foi bem sucedida. Os prisioneiros foram libertados. Contudo, uma passagem de significado nacional e internacional foi quando das mortes dos quatro soldados do BIB (Batalhão de Infantaria Blindada) de Barra Mansa. Fato de importância nacional, porque foi o único caso durante a ditadura militar em que foram julgados e condenados diversos militares por crimes de tortura e ocultação de cadáveres.
É preciso levar em conta a importância deste evento histórico tendo em vista que até hoje os criminosos de lesa humanidade do regime militar ainda não foram punidos. Pois, os torturadores no Brasil estão amparados por uma Lei de Anistia que contraria os princípios do Direito Internacional e das Cortes Internacionais de Direitos Humanos. A Lei de Anistia brasileira deve ser revista, uma vez que, o Brasil é o único país latino americano que não puniu seus criminosos. E, internacional porque o fato ocorrido no BIB consagrou as denúncias levadas por Dom Hélder Câmara para fora do Brasil aos olhos do mundo, que afirmava na década de 1960, haver crimes de torturas e desaparecimentos forçados no Brasil. A meu ver, este foi o fato histórico mais marcante de Dom Waldyr.
Qual a contribuição, do ponto de vista da história dos operários de Volta Redonda, que você estará dando com a produção deste documentário?
Penso que pode contribuir para a aproximação de um justo resgate histórico dos movimentos operários e sociais. E, também, como um contraponto no combate à tentativa de destruição da memória dos trabalhadores, ameaçada por uma agenda política da elite brasileira, que visa apagar de nossa história a importância destes movimentos. O dia 9 de novembro, apesar de ser uma data municipal, não é estimulada pelos Poderes Públicos a sua reverência. É importante destacar, a meu ver, que essa data, em tese, deveria ser uma data nacional e mundial. É só observarmos o dia 1º de maio e os eventos que o envolveram. O dia 9 de novembro não se deprecia em nada do dia 1º de maio do ponto de vista de seu valor histórico para os trabalhadores do mundo todo.
Como professor de história, o que você espera contribuir para as gerações futuras?
Enfatizar que um povo sem memória é um povo sem história. Durante as décadas de 1960, 1970 e 1980, a juventude tinha um inimigo real, palpável e visível: a ditadura militar. Hoje, o inimigo é a ausência de valores. A juventude é prisioneira em uma “jaula invisível” que destrói os valores de coletividade e prioriza a competitividade e o individualismo: o neoliberalismo. Espero poder contribuir para o espírito de coletividade e luta, assim como, do fortalecimento de sua identidade através do resgate da memória.
Existe a intenção de estimular algum tipo de reflexão sobre o comportamento da igreja católica e o povo?
Esse é um assunto que cabe diretamente a Igreja Católica. Penso que houve um retrocesso significativo na maneira de atuar da Igreja Progressista de um modo geral. Mas, acho que a igreja deve manter-se viva e atuante, a partir de uma análise da realidade segundo sua própria concepção, sob a luz do Evangelho. Parafraseando o próprio Dom Waldyr: “A Igreja não deve se preocupar somente com as almas e sim ter um olhar efetivo ao próprio homem”.
E para finalizar, como um militante na época das greves em Volta Redonda, qual a situação que você testemunhou e que mais marcou a figura de Dom Waldyr na sua vida?
Fui militante operário e estudantil nos anos 80 e 90. Fui membro do Alicerce da Juventude Socialista e da Convergência Socialista (organizações trotskistas ligadas a Liga Internacional dos Trabalhadores – seção da Quarta Internacional). Fazia a ponte entre minha organização e a Diocese de Volta Redonda. Foram vários os momentos marcantes.
Mas, o que sempre me chamou a atenção foram o compromisso e a ausência total de sectarismo para com os movimentos de esquerda. Soa como se fosse hoje quando Dom Waldyr me perguntava em tom incisivo e determinado: “Que notícias trazes da luta companheiro?” Sinto muita falta dele, pois, durante este período pude nutrir um sentimento de amizade que nunca achei que ia ter com um membro do clero e, principalmente, por um Bispo.
Considero, acima de tudo, Dom Waldyr um companheiro de lutas. É exatamente isso, um companheiro. Suas lembranças sempre me fazem emocionar e, inevitavelmente, verter lágrimas de saudades. Acho que para a Esquerda, isso se resume em um forte e alto grito: “Dom Waldyr PRESENTE!!”.
Foto: Arquivo.
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‘Os Sacerdotes do Povo’: Documentário retrata o papel de Dom Waldyr Calheiros em Volta Redonda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU