03 Novembro 2015
"Não é fácil delimitar até onde chega o anúncio da OMS, onde começam a interpretação e a partir de que ponto começam as especulações. Há mais perguntas que certezas. O perigo vem do processamento de qualquer corte de carne ou dos produtos que são adicionados no processo? Também afeta as carnes de ave? Deve ser considerado igual uma salsicha fresca destinada ao consumo imediato, sem qualquer adição, que outra empanturrada de conservantes e antioxidantes, projetada para resistir um mês no balcão do supermercado?", escreve Ignacio Medina, em artigo publicado por El País, 30-10-2015.
Eis o artigo.
A Organização Mundial da Saúde lançou primeiro a manchete e só vai publicar o resto do documento dentro de algumas semanas. A carne vermelha processada pode causar câncer. O anúncio deixou o universo conhecido discutindo o sexo dos anjos. As carnes processadas estão no olho de um furacão que ameaça se espalhar para a carne vermelha como um todo. São chamadas assim, vermelhas, mas vistas da perspectiva da saúde, o termo carne vermelha transcende o culinário — o corte de carne de vaca grelhado, na churrasqueira ou na própria frigideira, que conserva parte de seu sangue no momento de chegar à mesa —, e cobrem quase todo o espectro carnívoro. Por enquanto estão todas marcadas com o selo da suspeita.
Nossos mitos culinários vão caindo um por um. Antes disso foram as frituras a alta temperatura — as batatas fritas douradas, a tempura, a fritura da Andaluzia ou qualquer outra que pretenda não chegar à boca encharcada de gordura —, os alimentos preparados na churrasqueira — pelo efeito das áreas queimadas — ou produtos torrados, como a casca do pão assado ou, dizem, as torradas do café da manhã. Imagino que a categoria inclui a confeitaria convencional, começando com os croissants. O café e o álcool também aparecem com destaque nos gráficos desenhados pelos meios de comunicação em conexão com o relatório. O fantasma do câncer navega três vezes por dia em nossas vidas: com o café da manhã, o almoço e o jantar. Com carne processada ou sem ela.
Muito antes disso, nos alertaram sobre o perigo das grandes espécies do mar, pelo acúmulo no organismo deles dos metais pesados que nós mesmos despejamos na água. E das consequências dos herbicidas, inseticidas e fertilizantes químicos nas frutas e verduras que comemos todos os dias (a dieta mediterrânea também pode ser tóxica). Cada relatório revela que a nossa dieta é um dos maiores inimigos da nossa saúde.
Não é fácil delimitar até onde chega o anúncio da OMS, onde começam a interpretação e a partir de que ponto começam as especulações. Há mais perguntas que certezas. O perigo vem do processamento de qualquer corte de carne ou dos produtos que são adicionados no processo? Também afeta as carnes de ave? Deve ser considerado igual uma salsicha fresca destinada ao consumo imediato, sem qualquer adição, que outra empanturrada de conservantes e antioxidantes, projetada para resistir um mês no balcão do supermercado? Devemos evitar o consumo de um presunto tratado apenas com salmoura na mesma medida que um presunto cozido fatiado, maquiado para manter a o mesmo aspecto de frescura durante semanas? É igualmente prejudicial um hambúrguer empacotado quem sabe quando, com outro feito no momento, com carne tratada na frente do cliente? Existe uma relação entre o nível de consumo e as possíveis consequências? Tem algo a ver com a dieta seguida pelo animal e os tratamentos que são aplicados durante todo o período de criação?
Por enquanto, não há respostas. A OMS jogou a pedra e escondeu a mão. Lançou ao mundo uma manchete e escondeu o conteúdo do relatório. Até agora só provocou alarmes, como o que se espalhou pela América Latina, uma região que vive principalmente de costas para o mar e cultua sua relação com a carne. Os primeiros ecos da polêmica me levam a Osso, a churrascaria-açougue de Renzo Garibaldi — um dos referentes mais destacados do setor no continente — no distrito de La Molina em Lima. Compartilhamos um corte de carne peruana. Vem de uma vaca de pastagem, criada em liberdade e alimentada naturalmente. Foi previamente amadurecida e está muito suave. A intensidade e seriedade do sabor provam a origem. Nós nos perguntamos se vai receber a mesma consideração que um angus argentino ou norte-americano de crescimento forçado, que passa a vida amontoado em um curral, enquanto é alimentado com grãos transgênicos aos quais são acrescentados alguns tratamentos: contra doenças, contra as consequências de uma dieta para a qual o corpo dele não está preparado... Esperando respostas.
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Em nome da carne - Instituto Humanitas Unisinos - IHU