28 Setembro 2015
Com o salão sagrado da liberdade nos Estados Unidos como pano de fundo, o Papa Francisco usou o cenário para refletir sobre duas ideias principais para a fundação da nação: a liberdade religiosa em uma sociedade pluralista, que respeite a dignidade de todos, e a contribuição cultural dos imigrantes que "enriquecem a vida desta terra americana".
A reportagem é de Brian Roewe, publicada no sítio National Catholic Reporter, 26-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Entre uma multidão estimada de 50.000 pessoas reunidas ao longo do Independence Mall – cujos fundamentos abrigam o Sino da Liberdade e o Salão da Independência, local da assinatura da Declaração da Independência e da adoção da Constituição dos EUA – Francisco disse que a sua presença ali era "um dos momentos mais destacados da minha visita".
"Aqui foram proclamadas ela primeira vez as liberdades que definem este país", disse ele, fazendo referência à assinatura da Declaração, que confirmou que todos os homens [e mulheres] são criados iguais e têm direitos inalienáveis que os governos devem proteger.
Falando em espanhol a partir do púlpito usado por Abraham Lincoln em 1863 para proferir o discurso de Gettysburg, Francisco disse: "Essas palavras continuam ressoando e nos inspirando hoje, como fizeram com pessoas de todo o mundo, para lutar pela liberdade de viver de acordo com a sua dignidade".
Uma série de discursos, incluindo o do prefeito da Filadélfia, Michael Nutter, e do governador da Pensilvânia, Tom Wolf, e performances multiculturais do Tibete precederam a chegada de Francisco no Independence Hall.
Em cima do seu papamóvel ao chegar no Salão, um grupo de bispos hispânicos, dentre eles Dom José Gomez, arcebispo de Los Angeles, em nome da comunidade hispânica, presentearam o pontífice com uma cruz de quase dois metros de altura, chamada de "cruz de los encuentros", um símbolo do passado, presente e futuro da comunidade.
Perto do fim do seu discurso, dirigindo-se aos representantes na multidão "da grande população hispânica da América" e dos imigrantes recentes, o papa disse que muitos foram para os EUA "com um grande custo pessoal, mas com a esperança de construir uma nova vida".
"Não desanimem pelas dificuldades que vocês devem enfrentar. Peço-lhe que não se esqueçam de que, assim como aqueles que chegaram aqui antes, vocês trazem muitos dons a esta nação. Por favor, não se envergonhem nunca das suas tradições", disse Francisco.
Em particular, ele lhes implorou para não permitirem que a busca e a entrada em uma nova terra leve-os a abandonar as partes integrantes do seu passado.
"Eu repito, não se envergonhem daquilo que é parte essencial de vocês", disse.
Segundo o papa, uma das primeiras comunidades de imigrantes dos EUA – os quakers, liderados por William Penn, que fundou a Filadélfia em 1682 como parte da sua "santa experiência" como uma colônia baseada na tolerância religiosa – enriqueceu esta terra através do seu "profundo sentido evangélico da dignidade de cada indivíduo e do ideal de uma comunidade unida pelo amor fraterno".
"O sentido de preocupação fraterna pela dignidade de todos, especialmente dos mais fracos e dos vulneráveis, converteu-se em uma parte essencial do espírito norte-americano", disse.
Francisco chamou a liberdade religiosa de "um direito fundamental" que molda as interações com outras pessoas com pontos de vista religiosos diferentes e que "transcende os lugares de culto e a esfera privada dos indivíduos e das famílias".
Citando a sua exortação apostólica Evangelii gaudium, o papa disse que as religiões "tem o direito e o dever" de mostrar que é possível construir uma sociedade em que "um pluralismo saudável" que valoriza as diferenças é um "precioso aliado no empenho pela defesa da dignidade humana e um caminho de paz para o nosso mundo tão ferido".
"Em um mundo em que diversas formas de tirania moderna tentam suprimir a liberdade religiosa, ou reduzi-la a uma subcultura sem direito a voz e voto na praça pública, ou utilizar a religião como pretexto para o ódio e a brutalidade, é necessário que os fiéis das diversas tradições religiosas unam as suas vozes para clamar pela paz, pela tolerância, pelo respeito pela dignidade e pelos direitos dos demais", afirmou.
O recente clima político nos Estados Unidos tem lutado com a adequada interpretação da liberdade religiosa, seja no contexto da cobertura contraceptiva nos planos de saúde sob as regras do Affordable Care Act ou à luz da decisão da Suprema Corte dos EUA de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Muitas vezes, a Igreja Católica dos EUA tem se posicionado à frente e no centro do debate, movendo ações judiciais contra o mandato da contracepção e expressando fortemente uma visão do casamento como sendo apenas entre um homem e uma mulher.
A história, disse Francisco, demonstrou a constante necessidade de reafirmar, reapropriar-se e defender as verdades essenciais. Falando da história dos EUA em particular, ele a descreveu como "a história de um esforço constante, que dura até os nossos dias, de encarnar" os princípios da Declaração de Independência na vida diária.
Dizendo que é importante recordar o passado, Francisco ofereceu capítulos de grandes lutas – o fim da escravidão, a extensão dos direitos de voto, o avanço do movimento operário e o enfrentamento do racismo e dos preconceitos contra os imigrantes – que "demonstra que, quando um país está determinado a permanecer fiel aos seu princípios fundadores, baseados no respeito da dignidade humana, ele se fortalece e se renova".
"Quando os indivíduos e as comunidades veem garantido o exercício efetivo dos seus direitos, eles não só são livres para realizar suas próprias capacidades, mas também, com essas capacidades, com o seu trabalho, contribuem para o bem-estar e o enriquecimento de toda a sociedade", disse.
Francisco agradeceu a todas as pessoas, "de qualquer religião", que têm servido a Deus "através da construção de cidades de amor fraterno", mediante o trabalho para defender a vida em todas as suas fases, o cuidado pelos vizinhos e assumindo as causas dos pobres e dos imigrantes.
"Com esse testemunho, que frequentemente encontra uma forte resistência, vocês lembram à democracia norte-americana os ideais que a fundaram, e que a sociedade se enfraquece cada vez e sempre que qualquer injustiça prevalece", disse Francisco.
Francisco, depois, em breve, em comentários de improviso, repetiu um tema que ele usou muitas vezes antes sobre a globalização. Ele disse que o impulso para a globalização é bom, mas que deve ser um processo que respeite as identidades individuais dos diferentes povos.
Ele comparou as imagens de uma esfera e de um poliedro, dizendo que uma esfera torna cada ponto do centro iguais, mas um poliedro é um exemplo de "respeito a cada pessoa, à sua riqueza, à sua peculiaridade".
Ele encerrou pedindo que os EUA e cada um de seus cidadãos renovem a sua gratidão pelas suas bênçãos e liberdades. "Que vocês possam defender esses direitos, especialmente a liberdade religiosa, que Deus lhes deu", concluiu, enquanto o sino no topo do Independence Hall batia um coro persistente.
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Na Filadélfia, Francisco conecta liberdade religiosa e identidade cultural - Instituto Humanitas Unisinos - IHU