Por: André | 18 Setembro 2015
Concepción Cruz Rojo é professora de Medicina Preventiva e Saúde Pública, militante do Sindicato Andaluz de Trabalhadores e membro do movimento sociopolítico andaluz Assembleia de Andaluzia. Simpatiza e colabora com aquelas pessoas, grupos ou povos com os quais tem afinidades, na ideia de confluir através da produção teórica, ações e reivindicações transformadoras que têm como finalidade a emancipação pessoal, social e política.
A entrevista é de Salvador López Arnal e publicada por Rebelión, 16-09-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Centro-me no seu artigo de julho passado sobre “Difteria e vacinas: no debate político sobre o conhecimento”. Você assinala na introdução do seu trabalho o seguinte: “[...] contra o modelo biomédico vigente na medicina ocidental e oficial, a saúde e a doença são muito mais complexas do que uma mera técnica médica”. Duas perguntas: a primeira, como concebe a saúde?
A saúde “é tudo”. Podemos partir da definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) (obtida da definição de Stampar), que considerava a saúde como “o completo estado de bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença”. Posteriormente, foi preciso modificá-la ao reconhecer que era muito utópica (tornava-se inalcançável), estática e subjetiva. Em suma, era abstrata e metafísica, máxime se posteriormente a mesma organização proclamou como meta alcançar a “saúde para todos em 2000”. Agora, nos tempos dramáticos que vivemos, e se vivia, constata-se o profundo erro deste objetivo, o que não dá para analisar no contexto desta entrevista. Por isso, se modificou esta primeira definição para: “O estado de bem-estar físico, mental e social com capacidade de funcionamento” e se acrescentou também uma acepção dinâmica com gradientes mutáveis.
Pode-se, portanto, considerar a saúde como o estado de bem-estar físico, mental e, sobretudo, social e a capacidade de funcionamento que deve ser concretizada, funcionamento para quem e para quê. Para participar ativamente da melhoria da nossa situação individual e grupal, para melhorar e ser melhorados, para nos emancipar das opressões, etc. E uma saúde com graus, níveis e mudanças que se produzem em nosso organismo individual e social com o ambiente mais ou menos próximo ao indivíduo ou às coletividades. Para não alargar a resposta, espero continuar respondendo ao longo dos comentários das seguintes respostas, porque, como dizia no começo, a saúde “é tudo”.
A segunda pergunta: por que você fala de medicina ocidental e oficial? Devemos entender esta forma de dizer de maneira crítica?
Devemos tentar ser críticos com tudo. Algumas vezes a crítica é positiva e outras vezes negativa. Muitas vezes, em qualquer campo da ciência, costumamos falar a partir do nosso âmbito chamado ocidental, como se fosse “a verdade” ou a ciência mundial. Mas, este âmbito é apenas uma parte do mundo, embora efetivamente seja a que domina em todos os sentidos da palavra (dominação econômica, militar, ideológica...), mas o conhecimento da humanidade, dos povos, é muito maior que o conhecimento que se propõe como único, concretamente a partir dos países capitalistas ocidentais.
E com a medicina acontece a mesma coisa. Existem culturas milenares, como a chinesa e a hindu, ou os conhecimentos de povos indígenas, que nem sempre são incorporadas a esta medicina ocidental e oficial (embora outras vezes, sim. Medicamentos ou ervas foram patenteados por multinacionais farmacêuticas quando, na realidade, foram experimentados, utilizados, durante milênios por povos com tradições muito antigas). Quando uso a palavra “oficial” é uma forma de remarcar que é, além disso, a que domina e predomina. Ao longo do artigo ao qual nos referimos concretizo os aspectos positivos, certamente, das ciências da saúde – que são muitos – e os aspectos que devem ser incorporados e que são difíceis de alcançar em um sistema capitalista, mercantilizado, como o nosso.
Novamente faço uma citação: “Somos uma entidade físico-mental que também está intimamente relacionada com múltiplas influências positivas ou negativas em diferentes níveis externos e internos”. Há quem nega, ou seja, contraria esta concepção?
O modelo biomédico que ainda predomina nas ciências da saúde, nega-o na prática, com as práticas médicas, com as pesquisas que se priorizam, com as análises que se fazem nos meios profissionais. Em alguns casos se diz sim, mas não se pratica. As palavras, as declarações de intenções devem ser corroboradas com os fatos. E esse predomínio biomédico também está nas nossas “cabeças” e é preciso fazer um esforço contínuo para não esquecer que somos seres biológicos em contínua interação com as influências, positivas e negativas, do meio natural e social. Por isso, o conhecimento e a ação, neste caso relacionados à saúde, devem incorporá-las.
As depressões, as ansiedades, os catarros, só para dar alguns poucos exemplos frequentes, têm muito a ver com a situação pessoal e afetiva: não é a mesma coisa viver sozinho ou acompanhado por seres que lhe querem bem; com a situação profissional: não é a mesma coisa ter um trabalho pouco estressante e bem remunerado, que dê para viver dignamente, ou estar desempregado ou com um trabalho precário e extenuante; com a situação social: não é a mesma coisa compartilhar grupos de ócio, militância ou culturais do seu bairro, associação ou organização, ou não poder compartilhá-los. Não é a mesma coisa viver em um município cercado por indústrias poluidoras e moradias de baixa qualidade ou viver em municípios limpos e com um cuidado ambiental. Nos sistemas capitalistas, sobretudo, “a competitividade” não se dá apenas entre as empresas, mas também entre as pessoas. Até o amor é protegido mediante o casamento indissolúvel como exclusivo e proprietário! Nessas condições de individualismo, sentido da propriedade privada para tudo, de desemprego e trabalho precário, está claro que não existem as condições, nem analisando de forma real e concreta o que afirmava no artigo, e por isso se está negando nos fatos.
Os incêndios de casas do inverno passado, onde morreram mulheres e crianças andaluzes não são acidentais. Os meios de comunicação, muita gente, fala de “má sorte”, de “azar”. As mortes por incêndios têm um claro componente social que é preciso analisar como tal, denunciar e intervir. Reivindicando moradias seguras e de qualidade. Reivindicando tempo livre e intervenções sociossanitárias para cuidar dos nossos idosos e dos pequenos. E assim poderíamos falar de muitas outras doenças e problemas de saúde, para não falar das mulheres e da violência machista, que seria tema para outra entrevista.
Tem razão. Você afirma que é a partir dos setores críticos e anticapitalistas que surgem vozes que questionam muitas das verdades alcançadas no campo das ciências da saúde. Por que é assim? Por ignorância, por precipitação política, por desvalorização de todo o conhecimento que tenha financiamento privado ou corporativo?
Por muitas causas em diferentes níveis, inclusive essas que você cita, que são individuais, mas também sociais e políticas. Dizíamos antes que existe um predomínio do modelo biomédico, excessivamente mecanicista e que faz com que tudo se resolva (refiro-me às doenças) com comprimidos e tecnologia médica. O abuso destas intervenções, o que se denomina de medicalização, por seu uso excessivo e por uma visão da medicina reacionária e patriarcal: o “bom pai” que resolve os problemas, inclusive em alguns casos o bom e curador deus, Esculápio. Esta visão, que calou fundo nas pessoas, que têm uma posição passiva diante da doença e dos problemas de saúde, é fruto de muitos séculos de dominação patriarcal, que se recrudesceu no começo do capitalismo (neste sentido recomendo a obra O Caliban e a bruxa, de Silvia Federici, que explica muito bem como as parteiras e mulheres que conheciam as propriedades das ervas foram substituídas por homens médicos e obstetras em plena caça às bruxas).
A esta mentalidade reacionária, porque nos torna passivos e dependentes de “quem tudo sabe”, que é difícil erradicar e modificar de forma construtiva e coerente, se deve acrescentar a medicina como negócio, a mercantilização da saúde. Diante desta situação, existem correntes, pessoas, que lutam contra ela por meios alternativos, alguns corretos, tratando de complementar as lacunas da medicina oficial e evitando cair no abuso passivo e dócil com a participação e a compreensão daquilo que nos prescrevem e receitam. Existem também profissionais que compartilham e fazem entender suas propostas, respeitando as diferentes sensibilidades e variabilidades das pessoas que comparecem aos seus consultórios.
Mas também há pessoas que se excedem, passam para o outro extremo, explicando que as causas das doenças são um todo emaranhado e complexo que deve ser analisado por procedimentos mistéricos ou que o corpo não pode ser “intoxicado” com substâncias “estranhas” e que pode ser depurado sozinho. Enfrentam um modelo simples excessivamente “técnico” e mecanicista com outro oposto, místico, idealista e acientífico. Rechaçar “o técnico”, que efetivamente em muitos casos é errôneo, nos faz passar para medidas que não resistem ao mínimo rigor científico.
Neste sentido, é preciso reivindicar a dialética, que relaciona o físico, o mental e o social que parta de um organismo humano composto de matéria: de átomos, moléculas, reações químicas e físicas, células, neurônios cerebrais que transmitem sensações e sentimentos em uma interação com o ambiente. Entender a nossa história como humanos, mulheres e homens, que criaram consciência de si e transformaram a natureza. Se nos esquecemos que somos matéria e surgimos da matéria, caímos no idealismo e no misticismo; e por criticar o determinismo biológico e o mecanicismo do modelo vigente e a mercantilização do sistema capitalista, acabamos no absurdo de rechaçar as contribuições da ciência e da experimentação humana.
A contradição, é uma afirmação sua, “não está em ter a ciência e a saúde, mas em ter o capitalismo e a saúde”. O capitalismo é contrário à saúde? A Espanha, por exemplo, é uma sociedade capitalista e a expectativa de vida, inclusive as condições de vida de amplos setores da população, nunca foi melhor que nestes últimos anos. De fato, quando você assinala que “as fraudes, falácias e abusos com os quais o sistema capitalista procurou contaminar a verdade e o conhecimento em geral, e as ciências da saúde em particular, só deve mover para denunciá-los de forma construtiva para progredir em seu avanço epistemológico”, teria que se acrescentar, talvez, que essas fraudes também foram denunciadas por outros membros das comunidades científicas.
Quando digo que a contradição se dá entre o capitalismo e a saúde refiro-me a tudo aquilo que você comentava antes. A saúde “é todo” um estado de bem-estar físico, mental e social, com capacidade de funcionar autônoma e criticamente, individualmente e em grupos onde não existe a exploração no trabalho para benefício dos grandes empresários, onde não existe a opressão patriarcal e da família, o matrimônio indissolúvel que nos reprime sexual e moralmente (apoio deste sistema), onde não existem as análises superficiais e monocausais. E também onde se persegue a verdade, que nunca pode ser absoluta, porque vai mudando em nós mesmos e no mundo exterior. Essa saúde choca-se frontalmente com um sistema capitalista que por mais adornos que se lhe queira colocar nele necessita do negócio e da opressão – inclusive a patriarcal – para poder sobreviver. O que não nega o fato de que as lutas pessoais, profissionais e políticas permitiram avanços que conquistamos e que nos fazem melhorar, inclusive dentro deste sistema.
As melhorias econômicas e sociais dos países ocidentais, em detrimento de outros povos, ou classes sociais, mais pobres, foi uma realidade nas últimas décadas. E estas melhorias provocaram uma melhoria da saúde em geral. No Estado espanhol, além disso, conseguimos um sistema público de saúde que foi conquistado com muito esforço e talento, apesar das privatizações de maior ou menor intensidade segundo as zonas. Ainda conservamos muito de positivo do nosso sistema de saúde e, efetivamente, os nossos indicadores de saúde são muito bons, mas insuficientes para mostrar o estado de saúde da população. Por exemplo, as taxas de desemprego (que não são apenas um indicador social e econômico) ou a expectativa de vida sem deficiências ou em boa saúde. A queda da mortalidade infantil e seu consequente aumento da expectativa de vida ao nascer é um dos indicadores que melhoram facilmente, por mais que tenhamos condições materiais mínimas de vida, indicadores que por isso melhoraram em muitos países do mundo, especialmente na América Latina.
Muitas fraudes, grandes ou pequenas mentiras, da história da ciência recente foram produzidas para perpetuar a dominação da classe burguesa (quando falo de burguesia refiro-me aos grandes proprietários, latifundiários, grandes banqueiros ou multinacionais) que se sustenta no individualismo e na luta para “ser o melhor” e no benefício econômico, no negócio. O primeiro aspecto é, no meu ponto de vista, mais perigoso. Refiro-me a tudo o que está relacionado aos aspectos mentais, emocionais ou subjetivos, que penetram pouco a pouco em nossas cabeças. Por exemplo, através dos grandes meios de comunicação audiovisual, oral e escrito que nos bombardeiam com análises superficiais, tendenciosas e também falsas, para permitir que as pessoas não saibam o que realmente está acontecendo nas guerras e invasões imperialistas no Afeganistão, Iraque, Líbia, e agora na Síria ou na Ucrânia. Certamente, a União Europeia e o FMI perdoaram parte da dívida do governo neonazista imposto pelo Ocidente e aumentaram os prazos da parte restante, coisa que não fizeram com a Grécia (sic).
As fraudes e meias verdades também ocorrem na ciência. Podemos começar pelo que representaram os testes de inteligência racista, que surgiram de forma nada natural no começo do século XX nos Estados Unidos e que foram denunciados por pesquisadores marxistas e da esquerda, como Richard Levins e Lewontin (The Dialectical Biologist) e Stephen Jay Gould (A falsa medida do homem). Este último livro representa, do meu ponto de vista, um excelente argumento para verificar as falácias e fraudes que se produziram na história do capitalismo ocidental até o ano em que foi escrito.
E, claro, elas foram denunciadas por pessoas honestas e corajosas, por profissionais de comunidades científicas ou não pertencentes a elas. Mas, sobretudo, por pessoas do povo que se viram afetadas, ajudadas por militantes revolucionários e de esquerda. O caso do amianto – que faz muitas décadas se sabia que produzia câncer e doenças pulmonares crônicas – foi possível vir à tona graças à luta dos trabalhadores e trabalhadoras atingidos e suas famílias. E por profissionais ou sindicalistas, fundamentalmente de esquerda, porque o amianto é um negócio de poderosas empresas do setor. A ocultação dos efeitos prejudiciais de alguns transgênicos revelados por pesquisadores/as honestos, que não eram militantes, mas que sofreram pessoalmente o poder das grandes transnacionais, neste caso da Monsanto. Dois exemplos relacionados à saúde que ainda são atuais, embora a lista seja muito maior.
Você usa termos como materialismo, idealismo, dialética... Poderia dar-nos uma definição sucinta destes conceitos? Ser uma cidadã de esquerda implica ser, inexoravelmente, materialista e dialética?
Sim, muito sucintamente, o materialismo, ou ser materialista, é considerar que a matéria (sem poder entrar nos conceitos atuais da matéria e antimatéria e suas correspondentes energias), em sua acepção mais ampla, é originária no curso da história. As ideias, os pensamentos, os deuses, nascem nas nossas cabeças, e, claro, existem, em nossa imaginação, na nossa memória. Mas surgem de células cerebrais, de axônios e dendritos de suas ramificações e conexões, de suas vias metabólicas... de matéria e energia, em suma.
Outra coisa é a relação entre essas ideias e pensamentos e as confirmações práticas; algumas podem ser demonstradas, outras não. Por exemplo, a existência de um deus criador não pode ser demonstrada, é um ato de fé, que é preciso crer ou não crer, e, mesmo sendo respeitáveis, não são demonstráveis. Mas uma coisa é respeitar as ideias religiosas das pessoas e outra muito necessária é denunciar e lutar contra as imposições da Igreja no terreno econômico: quando se alia com os latifundiários e as oligarquias de todos os tempos, os fascismos inclusive; no terreno social e ideológico: quando pretende impor suas ideias no âmbito da educação ou das liberdades pessoais, inclusive as sexuais, ou quando potencializa a passividade e trunca o potencial emancipador das pessoas.
Para aqueles que se consideram materialistas (explicitamente) dizemos que o materialismo parte, e deve partir, da matéria, ao passo que o idealismo parte das ideias, dos pensamentos, dos deuses; consideram que são o primeiro. Do sopro divino foram criados o céu e a terra. Meus pensamentos criam o nosso contexto: isso significa ser idealista. Da matéria inorgânica surgiu a matéria orgânica e a vida, os seres vivos e os seres humanos que foram desenvolvendo consciência, criação experimental, transformação e pensamentos: isso é ser materialista.
A dialética, dito com uma metáfora, são os canais, os amplos métodos que nos ajudam a compreender e analisar o mundo. Seja de qual ciência for, foi habitual usá-la para as ciências sociais, mas Friedrich Engels mostrou de maneira magistral como surge a dialética, inclusive pode explicar com certa antecipação as leis das ciências naturais. Oferece-nos pistas para não nos desviarmos do caminho. Acabamos de falar da matéria e da antimatéria, os pólos opostos que configuram uma unidade, é uma das leis da dialética.
A biologia e as ciências da saúde transpiram dialética conforme se realizam novas e fascinantes descobertas. Por exemplo, os conhecimentos que se tem sobre as causas do câncer, das células cancerígenas e outras patologias. Antes se falava de genes ou ambiente como estando na origem das doenças; agora cada vez mais se constata que há uma contínua inter-relação entre as influências do meio e as mutações genéticas. A epigenética mostra os nexos, os caminhos com certo detalhe, entre estas agressões do ambiente e as alterações genéticas.
A dialética nos ajuda a unir o que separamos para poder estudar melhor (análise), mas esses “pedaços” separados, na realidade, estão unidos (síntese). Por isso, devemos recordar que espedaçamos para poder compreender melhor o objeto ou a doença particular, mas depois devemos unificá-lo. Também nos ajuda a não cair nos holismos, que consideram os fenômenos complexos como um todo emaranhado que não pode ser compreendido e que acaba perigosamente no idealismo, como dizia antes. E, efetivamente, existem muitas lacunas no conhecimento que devem ser desvendadas com paciência a partir do materialismo nas diferentes disciplinas, em diferentes contextos, porque cada contexto requer uma análise própria. Neste sentido, cada vez se vê como mais necessária a importância de confluir as diferentes disciplinas para descobrir e ampliar os nossos conhecimentos de todo tipo.
A dialética também nos ajuda no campo pessoal, a fim de poder entender as nossas próprias contradições, “as contradições internas são as principais”. Tanto no âmbito pessoal como na origem de uma doença, é no interior do nosso organismo onde se produz uma contínua luta de contrários, entre o crescimento e o freio das células, entre micróbios e anticorpos. E também entre o que realmente queremos fazer e decidir sobre as nossas vidas. Porque as pessoas, inclusive algumas muito lutadoras e revolucionárias, podem ser muito reacionárias em sua vida pessoal e familiar.
Suas influências externas, suas circunstâncias de todo tipo influem em seu comportamento, mas o essencial é que essas contradições internas, que podem ter causas muito diversas, ser consciência delas e ajudar as pessoas que as rodeiam, sejam analisadas. Assim como acontece no nosso organismo em nível celular ou imunológico, o fundamental é o processo interno de contrários que também pode ser ajudado, positiva ou negativamente, pelas intervenções externas até que se produza uma mudança, a doença ou a cura. Essa mudança qualitativa, após um processo quantitativo de mudanças, é outra lei fundamental da dialética. Após a “luta” de contrários que acontece em uma pessoa ou célula saudável ou doentia ou em uma pessoa que resolve ou não resolve sua situação pessoal e afetiva, como no exemplo anterior. Há uma frase de Henri Lefebvre em seu livro, Lógica formal. Lógica dialética que sintetiza muito bem o que acabo de dizer: “Se o real é móvel, então que o nosso pensamento também seja móvel. Se o real é contradição, então que o nosso pensamento seja pensamento consciente da contradição”. Ao que eu acrescentaria: consciente também para agir, arriscar e modificar a realidade ou os nossos comportamentos.
O machismo que segue imperando em nossa sociedade também aparece em pessoas que se dizem progressistas, e a análise a partir da ótica da dialética é a mesma. Isto dito muito sinteticamente, mas insistindo em que os aspectos subjetivos e psicológicos dos comportamentos das pessoas e das classes sociais ou do machismo são essenciais e os mais difíceis de modificar. Nestas questões é muito recomendável, apesar de terem sido escritos em outros momentos da história, a leitura de clássicos como Wilhelm Reich ou Alejandra Kollontai, para poder entender essas contradições pessoais que todos nós temos.
E a dialética também nos ajuda a analisar a realidade social e política próxima e distante e como agir, na medida de nossas possibilidades, em consequência. Ser uma pessoa “de esquerda”, progressista, radical – que vai à raiz dos problemas –, geralmente corresponde a ser materialista e dialética, inclusive sem estar consciente disso. Mas nem sempre (o absoluto não existe). E, ao contrário, existem, por exemplo, profissionais que se definem de direita e são sumamente dialéticos em suas pesquisas, embora também não estejam conscientes disso.
Você nos brindou uma pequena defesa da dialética! Obrigado por isso! Deixa-me formular uma dúvida na nossa próxima conversa.
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“Somos seres biológicos em contínua interação com as influências, positivas e negativas, do meio natural e social”. Entrevista com Concepción Cruz Rojo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU