21 Agosto 2015
"Como irmão e companheiro de caminhada, Francisco reconhece: 'vocês vivem, cada dia, imersos na crueza da tormenta humana. Falaram-me das suas causas, partilharam comigo as suas lutas. E agradeço-vos. Queridos irmãos, muitas vezes trabalharam no insignificante, no que aparece ao seu alcance, na realidade injusta que vos foi imposta e a que não vos resignais, opondo uma resistência ativa ao sistema idólatra que exclui, degrada e mata”. Reparem as palavras do Papa: “sistema idólatra que exclui, degrada e mata'. Meditemos!", escreve Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia (UFG), 20-08-2015.
Eis o artigo.
Neste 3º artigo sobre o 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares destaco o segundo ponto marcante do Discurso do Papa Francisco: vocês são semeadores de mudança.
Com simplicidade e ternura de irmão, Francisco diz: “aqui, na Bolívia, ouvi uma frase de que gosto muito: ‘processo de mudança’. A mudança concebida não como algo que um dia chegará porque se impôs esta ou aquela opção política ou porque se estabeleceu esta ou aquela estrutura social. Sabemos, amargamente, que uma mudança de estruturas que não seja acompanhada por uma conversão sincera das atitudes e do coração, acaba a longo ou curto prazo por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir”.
Por isso - continua o Papa - “gosto tanto da imagem do processo, onde a paixão por semear, por regar serenamente o que outros verão florescer, substitui a ansiedade de ocupar todos os espaços de poder disponíveis e de ver resultados imediatos. Cada um de nós é apenas uma parte de um todo complexo e diversificado interagindo no tempo: povos que lutam por uma afirmação, por um destino, por viver com dignidade, por ‘viver bem’”. É a sociedade do bem viver e do bem conviver.
Confiando nos Movimentos Populares, Francisco declara: “vocês, a partir dos Movimentos Populares, assumiram as tarefas comuns motivados pelo amor fraterno, que se rebela contra a injustiça social. Quando olhamos o rosto dos que sofrem, o rosto do camponês ameaçado, do trabalhador excluído, do indígena oprimido, da família sem teto, do imigrante perseguido, do jovem desempregado, da criança explorada, da mãe que perdeu o seu filho num tiroteio porque o bairro foi tomado pelo narcotráfico, do pai que perdeu a sua filha porque foi sujeita à escravidão; quando recordamos estes ‘rostos e nomes’, estremecem-nos as entranhas diante de tanto sofrimento e comovemo-nos…”.
Com sentimentos de compaixão, ou seja, de partilha da dor dos irmãos e irmãs, o Papa lembra as razões dessa comoção e afirma: “porque ‘vimos e ouvimos’ não a fria estatística, mas as feridas da humanidade dolorida, as nossas feridas, a nossa carne. Isto é muito diferente da teorização abstrata ou da indignação elegante. Isto comove-nos, move-nos e procuramos o outro para nos movermos juntos. Esta emoção feita ação comunitária é incompreensível apenas com a razão: tem um algo mais de sentido que só os povos entendem e que confere a sua mística particular aos verdadeiros Movimentos Populares”.
Como irmão e companheiro de caminhada, Francisco reconhece: “vocês vivem, cada dia, imersos na crueza da tormenta humana. Falaram-me das suas causas, partilharam comigo as suas lutas. E agradeço-vos. Queridos irmãos, muitas vezes trabalharam no insignificante, no que aparece ao seu alcance, na realidade injusta que vos foi imposta e a que não vos resignais, opondo uma resistência ativa ao sistema idólatra que exclui, degrada e mata”. Reparem as palavras do Papa: “sistema idólatra que exclui, degrada e mata”. Meditemos!
Com muito realismo, o Papa diz: “vi vocês trabalharem incansavelmente pela terra e a agricultura camponesa, pelos vossos territórios e comunidades, pela dignificação da economia popular, pela integração urbana das vossas favelas e agrupamentos, pela autoconstrução de moradias e o desenvolvimento das infraestruturas do bairro e em muitas atividades comunitárias que tendem à reafirmação de algo tão elementar e inegavelmente necessário como o direito aos ‘3 T’: terra, teto e trabalho”.
E acrescenta: “este apego ao bairro, à terra, ao território, à profissão, à corporação, este reconhecer-se no rosto do outro, esta proximidade no dia-a-dia, com as suas misérias e os seus heroísmos quotidianos, é o que permite realizar o mandamento do amor, não a partir de ideias ou conceitos, mas a partir do genuíno encontro entre pessoas, porque não se amam os conceitos nem as ideias; amam-se as pessoas. A entrega, a verdadeira entrega nasce do amor pelos homens e mulheres, crianças e idosos, vilarejos e comunidades... Rostos e nomes que enchem o coração”. Diz ainda Francisco: “a partir destas sementes de esperança, semeadas pacientemente nas periferias esquecidas do planeta, destes rebentos de ternura que lutam por subsistir na escuridão da exclusão, crescerão grandes árvores, surgirão bosques densos de esperança para oxigenar este mundo”.
E constata: “vejo, com alegria, que vocês trabalham no que aparece ao vosso alcance, cuidando dos rebentos; mas, ao mesmo tempo, com uma perspectiva mais ampla, protegendo o arvoredo. Trabalham numa perspectiva que não só aborda a realidade setorial, que cada um de vocês representa e na qual felizmente está enraizado, mas procuram também resolver, na sua raiz, os problemas gerais de pobreza, desigualdade e exclusão”.
Parabeniza, pois, os participantes dos Movimentos Populares, mostrando a confiança que tem em suas lutas: “felicito-vos por isso. É imprescindível que, a par da reivindicação dos seus legítimos direitos, os povos e as suas organizações sociais construam uma alternativa humana à globalização da exclusão”. Com profunda convicção, ele reconhece: “vocês são semeadores de mudança”.
Por fim, o Papa faz uma oração: “que Deus vos dê coragem, alegria, perseverança e paixão para continuarem a semear. Podem ter a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, vamos ver os frutos”. Dirigindo-se, pois, às lideranças, ele pede: “sejam criativos e nunca percam o apego às coisas próximas, porque o pai da mentira sabe usurpar palavras nobres, promover modas intelectuais e adotar posições ideológicas, mas se vocês construírem sobre bases sólidas, sobre as necessidades reais e a experiência viva dos seus irmãos, dos camponeses e indígenas, dos trabalhadores excluídos e famílias marginalizadas, com certeza não se equivocarão”.
Francisco conclui dizendo: “a Igreja não pode nem deve ser alheia a este processo no anúncio do Evangelho. Muitos sacerdotes e agentes pastorais realizam uma tarefa imensa acompanhando e promovendo os excluídos em todo o mundo, ao lado de cooperativas, dando impulso a empreendimentos, construindo casas, trabalhando abnegadamente nas áreas da saúde, esporte e educação. Estou convencido de que a cooperação amistosa com os Movimentos Populares pode robustecer estes esforços e fortalecer os processos de mudança”. Será que nós, cristãos e cristãs, estamos convencidos e convencidas disso?
E faz mais um pedido: “no coração, tenhamos sempre a Virgem Maria, uma jovem humilde duma pequena aldeia perdida na periferia dum grande império, uma mãe sem teto, que soube transformar um curral de animais na casa de Jesus com uns pobres paninhos e uma montanha de ternura. Maria é sinal de esperança para os povos que sofrem dores de parto até que brote a justiça. Rezo à Virgem do Carmo, padroeira da Bolívia, para fazer com que este nosso Encontro (reparem: este “nosso” Encontro) seja fermento de mudança”. É o que todos e todas nós desejamos!
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Discurso de Francisco aos participantes do 2º EMMP - Vocês são semeadores de mudança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU