03 Julho 2015
Ao voltar com os discípulos à região de Nazaré, Jesus admirou-se ao constatar que não o escutavam e que não podia fazer milagre algum. Como compreender este evangelho de hoje?
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 14º Domingo do Tempo de Comum, do Ciclo B. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara eJosé J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: «São um bando de rebeldes! Ficarão sabendo que houve entre eles um profeta!» (Ezequiel 2,2-5)
Salmo: 122(123) - R/ Os nossos olhos estão fitos no Senhor; tende piedade, ó Senhor, tende piedade!
2ª leitura: «Eu me gloriarei das minhas fraquezas, para que a força de Cristo habite em mim» (2 Co 12,7-10)
Evangelho: «Um profeta só não é estimado em sua pátria» (Marcos 6,1-6)
A inquietante proximidade de Deus
Os estrangeiros, junto a quem Jesus acabara de libertar um homem de uma legião de maus espíritos, rogaram-lhe «que se afastasse do seu território». Voltando à sua terra, foi rejeitado também por seu próprio povo. Isto era um anúncio do que viria a acontecer mais tarde, quando os pagãos, representados por Pilatos, e os judeus, pelo Sinédrio, põem-se de acordo para eliminá-lo. Não vamos tomar isto como um fato passado apenas: reações de rejeição semelhantes a esta continuam acontecendo atualmente. Até mesmo na Igreja: somos sempre tentados a mumificar a mensagem evangélica, revestindo-a com um invólucro de teologia. Para resumir, Jesus provoca sempre uma reação de defesa, nascida de uma forma sutil de medo: medo de sermos levados a nos questionar, a ter de sair de nós mesmos para segui-lo de verdade. Os seus concidadãos ficaram «admirados» e «escandalizados». Por quê? Sem dúvida, porque aceitavam de bom grado que Deus se mantivesse lá em cima, bem longe, inacessível. Agora, ao parecer levantar-se da sua própria terra, tendo nascido de uma das suas famílias e sendo de todos muito bem conhecido, isto não só surpreende como inquieta. Todos nós temos de abrir-nos à evidência da proximidade de Deus. Uma proximidade ativa, que se dirige a cada um de nós pessoalmente, sob a forma de um chamado, o chamado da necessidade de amor dos nossos pais, mães, irmãs, irmãos e de todos com quem nos encontramos. Cremos conhecê-los bem, mas, na realidade, temos de nos abrir ao seu mistério. E então encontraremos neles a presença de Deus.
Pôs-se a ensinar
Tudo o que o Cristo faz nos ajuda a responder a uma questão capital: como é Deus? Capital porque, para nós, existir consiste em ser semelhante a Ele. Aqui, vemos Jesus mover-se em direção aos outros (de uma e de outra margem) e falar com eles. O texto diz: «ensinar». Imitá-lo nisto pode nos parecer muito pretensioso. Digamos que, aqui, ensinar significa revelar-nos a nós mesmos, fazer com que todos com quem nos encontramos saibam o que somos e o que cremos, qual a nossa verdade. Ficamos sabendo que Deus é Movimento em direção a nós e Comunicação de Si próprio. Por isso é que Jesus, em João 14,6, poderá dizer ser ele a Verdade. A Verdade de Deus que assim se revela como a revelação de Si próprio: Palavra, portanto. Por isso mesmo é que, no princípio de tudo, era o Verbo. Palavra que é fecundidade, que faz existir o que diz. A partir daí, podemos compreender melhor o sentido das curas realizadas por Jesus: elas nos dizem que Deus é inimigo de tudo o que nos faz mal, de tudo o que nos fere. A sua Palavra faz não apenas existir, mas também re-existir o que foi destruído: a Ressurreição é simbolicamente antecipada pelos relatos destas curas «milagrosas». Comunicando-se a Si mesmo, é a própria vida que Deus nos comunica. Temos aí, pois, «como Deus é». Mas não fiquemos imaginando que nada mais há que se acrescentar: Deus é inesgotável e não O vemos ainda «tal como Ele é», nem Deus nem o Cristo (1 João 3,1-2).
A impotência de Deus
Os compatriotas de Jesus ficaram escandalizados por verem neste homem vindo do meio deles, da mesma aldeia que eles, a manifestação do poder divino e do amor que nos funda e que nos cura. Jesus também fica admirado por constatar a falta de fé dos seus compatriotas. Mas como? Como pode ficar surpreso? Ele já não sabe de tudo, por antecipação? Pois bem, não. Tanto que o vemos aprender, admirar-se, ser tomado pela emoção. Mas pode Deus aprender alguma coisa com o homem? Certamente, nem que fosse apenas este mal e esta recusa da qual Ele não tem experiência alguma. Perante Ele, somos parceiros verdadeiramente: a noção de Aliança já nos diz isso. Tanto é assim que, aqui, vemos Jesus, a visibilidade do Deus invisível, ser reduzido à impotência: «não podia fazer milagre algum.» Devemos compreender que não somos autores de nada válido: tudo o que é bom em nós vem de Deus. E não podemos nos apropriar disto senão por meio da fé, quer dizer, do acolhimento confiante dos dons que nos são feitos e, através destes, do próprio doador. No entanto, depois de ter dito que Jesus não podia fazer ali nenhum milagre, Marcos acrescenta que «apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos». A partir disto, podemos suspeitar que a gratuidade do dom de Deus excede até mesmo o nosso acolhimento na fé. Não ser reconhecido como «Filho de Deus» não impede Jesus de curar os homens, mesmo se é então considerado como um simples terapeuta. Saindo fora, ele «percorria os povoados das redondezas, ensinando». «Ensinar», este é o foco do nosso relato (versículos 2 e 6). Para isso, exatamente, foi que Ele veio.
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«Um profeta só não é estimado em sua pátria» - Instituto Humanitas Unisinos - IHU