22 Junho 2015
Voltando para a terra de seus ancestrais no norte da Itália em meio a uma crise econômica que afetou gravemente a vida das pessoas, o Papa Francisco exortou, nesse domingo, os trabalhadores a não culparem os imigrantes por suas dificuldades.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 21-06-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Depois de se deslocar cerca 700 km ao norte de Roma para uma visita de dois dias a Turim, cidade história que certa vez foi a capital italiana e centro industrial nas fronteiras francesas e suíças, o pontífice novamente se manifestou contra o sistema econômico mundial e aquilo ele chama de uma “idolatria do dinheiro”.
Encontrando-se primeiro com os trabalhadores e empresários da cidade, particularmente atingida pela crise econômica mundial, Francisco começou exortando-os a não maltratarem os imigrantes ou acusá-los de serem a causa das atuais perdas de oportunidades de trabalho na região.
“O espetáculo dos últimos dias, destes seres humanos tratados como mercadorias, nos faz chorar”, acrescentou o papa ao seu discurso preparado ao falar da crise contínua dos migrantes que entram na Itália vindos pelo norte da África e Oriente Médio.
“A imigração aumenta a concorrência, mas os migrantes não são cúmplices, pois são vítimas da iniquidade, desta economia que descarta e das guerras”, disse ele à multidão. Em seguida, o pontífice convidou os presentes a “dizer não” a quatro coisas: à economia do “descarte”, à idolatria do dinheiro, à corrupção e “à inequidade que gera violência”.
“Nesta situação, que é global e complexa, não temos apenas de esperar pela ‘retomada’” do mercado, disse Francisco. “O trabalho é fundamental (...) e é necessário que toda a sociedade, todos os seus componentes, colaborem para que possa haver trabalho digno de homens e mulheres para todos”.
“Isso exige um modelo econômico que não esteja organizado em vista do capital e da produção, mas sim para o bem comum”, disse o papa.
Estas palavras do pontífice sobre os imigrantes, proferidas na manhã desse domingo, fizeram parte de uma visita que viu líder religioso também oferecer uma mensagem de ânimo em tempos de crise econômica e de acolhida do papel tanto dos jovens quanto dos velhos em forjar um caminho para o futuro.
Francisco – nascido Jorge Mario Bergoglio, de um pai que imigrou de Piemonte e de uma mãe cujos pais eram também imigrantes italianos da mesma região – está visitando Turim no domingo e na segunda, ocasião em que pela primeira vez ele irá pernoitar na Itália fora de Roma como pontífice.
Piemonte é a região italiana que circunda Turim, abrangendo a parte noroeste da Itália e a segunda maior província do país.
No domingo, a viagem do pontífice foi marcada por toques pessoais que reforçaram o sentimento de muitos na cidade segundo o qual o papa estava, em certo sentido, voltando para casa. Um editorial em jornais católicos da cidade ecoou uma série de grandes sinais expostos em algumas igrejas da cidade, exclamando: “Bem-vindo de volta, Papa Francisco!”.
“Iniciamos assim as nossas boas-vindas a Jorge Mario Bergoglio, o Santo Padre que vem ‘do fim do mundo’”, mas que possui raízes fortes em Piemonte”, dizia o editorial conjunto dos jornais católicos locais.
“[Francisco] encontra uma cidade em transformação, uma Igreja a caminho, uma realidade que tem necessidade de palavras de esperança e de coragem para ressurgir de uma crise econômica aguda e prolongada”, dizia.
O próprio papa acenou para suas origens durante a homilia em uma missa com milhares de fiéis no domingo de manhã, onde leu um poema do século XIX escrito por Giovanni Costa, nativo de Piedmonte, que teria sido ensinado ao futuro pontífice por sua avó italiana.
Entre os presentes na primeira fila da missa estavam membros da família ampliada de Bergoglio, com quem Francisco deverá passar a tarde de segunda-feira em encontro privado.
O papa estava respondendo no domingo a três testemunhos de trabalhadores e empresários locais. Agradecendo a cada um deles por mencionarem o papel da família em suas vidas, o pontífice também pediu aos presentes para não esquecerem a parte tanto dos filhos quanto dos avós em se revigorar uma sociedade.
“Os filhos são a promessa, levam adiante este trabalho”, disse Francisco. “Os idosos são a riqueza da memória”.
“Uma crise não pode ser superada, não se pode sair dela, sem os jovens, as crianças, os filhos e os avós” que são, disse ele, a “força para o futuro, mas também a memória do passado que nos indica por onde devemos ir”.
Francisco também passou alguns minutos rezando diante do Sudário de Turim, a famosa mortalha que contém uma imagem do que parece ser um homem crucificado e que alguns acreditam ser a imagem de Jesus.
O papa se sentou no escuro e no silêncio diante do sudário por cerca de sete minutos, antes de se aproximar e tocá-lo rapidamente com a mão direita.
O sudário, que alguns afirmam ser algo forjado, está sendo exposto desde abril em comemoração do 200º aniversário do nascimento de São João Bosco, sacerdote nascido em Piedmont no século XIX que fundou os Salesianos de Dom Bosco e, principalmente, trabalhou com jovens desamparados.
Francisco mencionou o santo em seu discurso aos trabalhadores, dizendo que seus métodos que tentavam educar os jovens mostraram a importância de medidas preventivas para se evitar os conflitos sociais.
O papa referiu a sua visita ao sudário durante uma oração que fez ao meio-dia em Turim no domingo, dizendo que a imagem que o objeto contém pode representar também “o rosto de cada pessoa que sofre, que está sofrendo e sendo perseguida injustamente”.
Mais tarde, Francisco visitará uma igreja histórica em Turim devotada à Virgem Maria. A igreja, conhecida como o “Santuario della Consolata”, contém um ícone de Maria que atrai milhares de peregrinos todos os anos por seu suposto poder de cura.
A comunidade católica local comemora o aniversário do primeiro milagre de cura todo dia 20 de junho com uma procissão pelas ruas de Turim, parando o tráfego com uma longa fila de fiéis em deslocamento com o ícone.
O pontífice também se reúne no domingo à tarde com membros das comunidades salesianas e, mais tarde, terá encontros com pessoas doentes e jovens.
Francisco fará uma visita ecumênica ao Templo Valdense, de Turim, na segunda-feira, tornando-se o primeiro pontífice a visitar uma igreja dessa denominação cristã. Os valdenses, que remontam à década de 1170, foram durante muito tempo perseguidos pela Igreja Católica antes das reformas do Concílio Vaticano II.
Em sua homilia no domingo, Francisco explicou o amor de Deus para com a humanidade. Deus ama os seres humanos, disse o papa, com um amor fiel, um amor que a todos recria, um amor estável e seguro.
“Jesus permanece fiel, mesmo quando erramos e nos espera para nos perdoar: Ele é o rosto do Pai misericordioso”, disse o pontífice.
Toda vez que pensamos que não iremos conseguir, Jesus “está ao nosso lado, com a mão estendida e o coração aberto”, acrescentou.
“Há sempre o risco de nos esquecermos daquele grande amor que o Senhor nos mostrou”, disse.
“Também nós, cristãos, corremos o risco de nos deixar paralisar pelo medo do futuro, buscando a certeza em coisas que passam ou em modelos de uma sociedade obtusa, que tende mais a excluir, que incluir”.
Propondo uma nova forma de vida, Francisco concluiu: “Podemos viver a alegria do Evangelho, praticando a misericórdia: podemos partilhar as dificuldades de muitas pessoas, de famílias, especialmente as mais frágeis e marcadas pela crise econômica”.
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Francisco em Turim sobre a falta de empregos: Não culpem os imigrantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU