16 Junho 2015
Um fundo de investimentos brasileiro está levando a sério o fato de o Vaticano ter endossado o uso das ferramentas do capitalismo para ajudar a combater a desigualdade.
A administradora de investimentos First está prestes a criar o maior fundo de investimentos de impacto do país neste ano, um tipo de fundo que visa promover o bem-estar social, além de retornos financeiros lucrativos. E ela está sendo apoiada por alguns grandes nomes, como o JPMorgan Chase e o braço de investimento privado do Banco Mundial.
A First também está sendo apoiada por uma força ainda maior: um fundo estabelecido por uma ordem internacional da Igreja Católica criada há 199 anos.
A reportagem é de Vinod Shreeharsha, publicada pelo jornal The New York Times e reproduzida pelo Portal UOL, 15-06-2015.
O capital fornecido pelo Oblate Internacional Pastoral Investment Trust é o seu primeiro investimento em um fundo de impacto no Brasil. O montante, de cerca de US$ 7 milhões, pode parecer pequeno, mas reflete o crescente interesse no setor por parte de grupos católicos do mundo inteiro. E, para a Igreja Católica, o conceito parece se encaixar na prioridade do papa Francisco de encontrar formas de combater a desigualdade.
Garantir que os investimentos de origem religiosa sejam coerentes com os princípios católicos tem sido difícil. Mas cada vez mais pessoas veem os chamados investimentos de impacto – que medem tanto o retorno social quanto financeiro – como uma boa forma de fazer isso. Não só os lucros são importantes, mas o fundo também avalia se os seus investimentos estão proporcionando melhorias sociais, seja na educação, na saúde ou no meio ambiente. Esta classe de ativos está crescendo no Brasil, país que abriga a maior população católica do mundo.
A captação de recursos da First, se bem-sucedida, será um divisor de águas no Brasil, muito embora tenha levado vários anos para começar. Espera-se que ela logo passe dos R$ 300 milhões (US$ 98 milhões) e atinja sua meta de US$ 125 milhões neste ano, de acordo com uma pessoa a par das atividades do fundo. Os US$ 98 milhões seriam mais da metade dos US$ 177 milhões acumulados levantados por todos os fundos de impacto no Brasil de 2004 a 2013, de acordo com um relatório do ano passado feito pela Rede Aspen de Empreendedores de Desenvolvimento.
A firma chamou a atenção do fundo Oblate, que foi criado pela Missionários Oblatos de Maria Imaculada. O fundo administra os bens de mais de 230 congregações católicas em 53 países e detém cerca de US$ 400 milhões.
O diretor de investimentos religiosos coerentes do fundo é o frei Seamus Finn, um nativo da Irlanda de 65 anos que conduz as missas de fim de semana em uma paróquia em Washington, onde vive. Finn, que viaja para o Brasil cerca de uma vez por ano, disse que a participação do fundo é um reflexo do interesse crescente nos investimentos de impacto.
Ele investiu US $ 35,5 milhões em fundos como este no ano passado, mais do dobro do que os US$ 15,5 milhões que aplicou em 2013. A porcentagem quase dobrou também. Finn disse esperar que ambos os números continuem crescendo ao longo dos próximos dois anos.
"Sentimos que estamos muito mais próximos dos princípios do que se estivéssemos em uma multinacional global", disse ele.
O investimento de impacto está crescendo no mundo todo. O número de organizações que atendem aos investidores interessados aumentou 17% neste ano, durante o qual elas esperam investir US$ 12,2 bilhões, o que representaria um aumento de 16% desde o ano passado, de acordo com um relatório anual de 2015 sobre investimentos de impacto feito pelo JPMorgan e pelo Global Impact Investing Network. Bain Capital e Blackstone Group anunciaram novas iniciativas neste ano.
O Vaticano falava há muito tempo sobre a necessidade de os mercados reduzirem a desigualdade, desde o papa Leão XIII em sua encíclica "Rerum Novarum de 1891 sobre o Capital e o Trabalho" até o "Populorum Progressio" do papa Paulo VI, em 1967.
No entanto, Francisco, o primeiro pontífice da América Latina, fez disso uma prioridade. Ele disse, no ano passado: "É cada vez mais intolerável que os mercados financeiros moldem o destino das pessoas em vez de servir às suas necessidades".
Além disso, o papa discutiu especificamente o investimento de impacto, o que não é comum.
Ele fez um discurso privado em junho passado para um grupo que participava de uma conferência de dois dias em Roma, sobre investimento de impacto, co-organizada pelo Conselho Pontifício do Vaticano para a Justiça e Paz. Tesoureiros da Igreja, bem como pesos-pesados do mercado financeiro, entre eles executivos da Goldman Sachs e do Bank of America Merrill Lynch, estavam presentes. Em suas observações, Francisco elogiou o setor, dizendo: "Os investidores de impacto são aqueles que estão conscientes da existência de graves injustiças, de casos de profunda desigualdade social e condições inaceitáveis de pobreza que afetam as comunidades e povos inteiros".
O investimento baseado nos princípios da fé têm sido parte de muitas religiões. O financiamento islâmico data de séculos e cresceu nas últimas décadas. O Dow Jones Islamic Market Indexes, que busca investimentos que estejam de acordo com a lei islâmica sharia, começaram em 1999. A Igreja Metodista Unida tem US$ 21 bilhões em ativos e já investiu em 5.000 empresas.
A estratégia de investimento mudou recentemente, no entanto, deixando de ser a abordagem excludente que vinha sendo.
Por exemplo, o fundo Oblate – que em grande parte investe em ações públicas e renda fixa – usa o que chama de "avaliação negativa". Ela proíbe o investimento em empresas que desenvolvam armas e revólveres ou naquelas que estejam envolvidas em controvérsias sobre direitos trabalhistas. Mas essas regras não fornecem uma orientação sobre onde se deve investir. O investimento de impacto ajuda nesse sentido.
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Ordem católica busca retorno social com investimento de impacto no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU