09 Junho 2015
O momento decisivo não é entrar em contato com um Deus inacessível mediante a Palavra da revelação transmitida pela Igreja, mas é uma operação sobre a nossa interioridade, para que ela se desperte para a presença divina.
Publicamos uma síntese da conferência do teólogo italiano Vito Mancuso, professor da Universidade de Pádua, no evento "Repubblica delle Idee" (RepIdee), organizado pelo jornal italiano La Repubblica no início deste mês.
O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 07-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O título da nossa manifestação é "repensar o mundo", mas eu acredito que não se pode fazer isso sem, ao mesmo tempo, repensar Deus e, consequentemente, o homem. Deus, homem, mundo são ideias estreitamente conectadas; constituem ao mesmo tempo uma espécie de triângulo filosófico ideal que, ao longo dos séculos, manteve unidos os homens, estruturando-os como sociedade.
Toda filosofia orgânica de vida como fundamento do viver social, de fato, nasce da capacidade de harmonizar Deus, homem e mundo: Deus, ou seja, o sentido do ser; o homem, ou seja, o escopo e os modos da vida; o mundo, ou seja, a natureza.
A especificidade da crise da nossa civilização é dada pelo fato de que a credibilidade dessas três ideias se consumiu, especialmente a ideia de Deus. Consciente disso, com esta palestra, pretendo lançar algumas inspirações para repensar a Deus e, a partir daí, o homem e o mundo.
Ao dizer "Pai nosso que estais na terra" pretendo contrastar a ideia tradicional segundo a qual nós estamos de um lado, e Deus, de outro, como parece ser a partir das primeiras palavras da oração ensinada por Jesus: "Pai nosso que estais no céu".
Acima de tudo, é preciso definir o que está em jogo ao se pensar Deus, e a minha tese é de que isso consiste no valor do homem. Feuerbach tinha razão nisto: "O segredo da teologia é a antropologia", só que, a partir disso, não brota em nada a falsidade da teologia. Crer em Deus, de fato, equivale a entrever algo a mais que o ser humano contém, algo a mais não redutível ao que chamamos de mundo e sem o qual o humano perderia a sua peculiaridade.
Eu acho que, se os humanos chegaram à ideia do divino, isso foi por causa do algo a mais de ser que, em relação ao mundo, eles veem na vida, dimensão tradicionalmente chamada de mistério.
Pôr Deus, portanto, significa pensar o mundo como não completo em si mesmo, mas dotado de transcendência, entendendo por transcendência a capacidade do mundo de gerar liberdade em relação a si mesmo. De fato, nós somos um pedaço de mundo que pode se tornar livre em relação ao mundo, e esse é o fenômeno que o termo transcendência traz ao pensamento, a autossuperação do mundo.
Muitas vezes, trata-se apenas de instantes e, como tais, podem parecer ilusões, mas, a propósito do valor do instante, Jaspers escreveu: "O instante é a única realidade, a realidade em geral da vida psíquica; o instante vivido é o fato supremo, calor do sangue, imediaticidade, vida, presente que é corpo, totalidade do real, a única coisa concreta verdadeira... o homem encontra a existência e o absoluto no instante... passado e futuro são abismos escuros e informes, tempo indefinido, lá onde o instante pode ser a abolição do tempo, presença do eterno".
Segundo a perspectiva religiosa tradicional, esses instantes em que se supera o peso do mundo são o sinal de uma dimensão fora de nós, à qual nós não podemos chegar por causa do pecado que corrompe a nossa natureza, mas que nos é dada pela revelação divina transmitida pela Igreja.
Eu, ao contrário, penso que eles são o sinal da nossa verdadeira natureza, a natureza da nossa natureza, o mais refinado trabalho do mundo que, assim, supera a si mesmo e remete ao além. Para mim, portanto, o momento decisivo não é entrar em contato com um Deus inacessível mediante a Palavra da revelação transmitida pela Igreja, mas é uma operação sobre a nossa interioridade, para que ela se desperte para essa presença. Agostinho escreveu: "Não sai fora de ti, entra de novo em ti mesmo. A verdade habita nas profundezas do homem".
Deus habita nas profundezas do homem, assim como nas profundezas de cada ser, e por isso é pensável também como uma esfera que nos envolve e dentro da qual vivemos, como a atmosfera, a esfera do Atman, termo sânscrito para "alma" e que coincide com a essência divina chamada de Brahman.
Interioridade e exterioridade, assim, são superadas, e, nessa superação da separação, despertamo-nos para a presença divina em todas as coisas. Jesus também pensava a presença divina como não limitada aos espaços cósmicos? Acho que sim, não só porque, de outra forma, ele não teria dito "o reino de Deus está dentro de vocês", mas também porque, provavelmente, ele também não disse "que estais no céu" referindo-se ao Pai, já que esse é um acréscimo de Mateus, como fica claro pelo fato de que, em Lucas, a oração de Jesus diz simplesmente: "Pai, seja santificado o teu nome".
Segue-se daí que, para captar verdadeiramente o que está em jogo na essência divina, é preciso mentalmente colocar ao lado do tradicional "que estais nos céus" a fórmula "que estais na terra". Talvez, assim, começaremos a compreender o que Jung afirmava, ao dizer que "o mysterium magnum está enraizado principalmente na alma humana".
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O verdadeiro humanismo religioso é trazer Deus para a terra. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU