Por: André | 10 Abril 2015
É tão baixinho que mal pode ser visto no palco, mas quando toma a palavra, se agiganta e converte-se em um ícone. Gustavo Gutiérrez participou, na quarta-feira 08 de abril, da apresentação do livro A Igreja pobre e para os pobres, do cardeal Müller, com prólogo do Papa e uma colaboração especial do ‘pai da Teologia da Libertação’. Com linguagem simples, ao alcance de todos, recordou, entre outras coisas, que a Teologia da Libertação é “uma carta de amor a Deus, à Igreja e ao povo” e, talvez por isso, está mais viva do que nunca.
A reportagem é de José Manuel Vidal e publicado por Religión Digital, 08-04-2015. A tradução é de André Langer.
No grande salão de eventos do Colégio Nossa Senhora de Belém, em Lima, não cabia mais sequer um alfinete. Calculo que havia em torno de 1.000 pessoas. Toda a Lima da Igreja das periferias. Algo que também aqui [em Lima, no Peru] não é muito habitual. “Fazia tempo que não via tanta gente em torno de Gustavo. Tiveste muita sorte”, dizia, ao meu lado, o Pe. Gastón Garatea, outro líder desta sensibilidade eclesial.
Entre as personagens presentes, além de Garatea, estava o bispo jesuíta Luis Bambarén, emérito, ou o ex-ministro da Justiça Fernández Sesaredo. Entre o público, gente de idade, mas também de mediana idade e inclusive muitos jovens. Nota-se no ambiente que após anos de sofrimento e até de “martírio”, o pontificado de Francisco voltou a lhes dar asas.
Foi o que disse claramente o missionário espanhol do IEME, Andrés Gallegos: “O sonho de Francisco de uma Igreja pobre e para os pobres é realizado por todos os que estão aqui e faz parte de uma longa história de alegria e de sofrimentos”.
Na sua opinião, neste processo, pode-se falar inclusive de “experiências de martírio”. Desde a de dom Romero, às de “outros mártires que deram a sua vida no dia a dia, gota a gota e pouco a pouco”. Porque também na Igreja de Lima, assim como na da Espanha, a opção por este modelo eclesial de Igreja aberta à misericórdia e aos pobres provocou muitas perseguições.
Aqui, de fato, comparam a situação que viveram (e, em certo sentido, ainda vivem) com o cardeal Cipriani, com a do cardeal Rouco em Madri. E falam de “duas almas cardinalícias gêmeas, que trataram de impor por meio do controle o velho modelo da Igreja do poder. Com a diferença de que vocês já se livraram dele e nós continuamos sofrendo”.
Antes de Andrés Gallegos, interveio na apresentação, o jesuíta Alberto Simons e, depois, a irmã Glafira Jiménez. O professor jesuíta defendeu a opção pelos pobres e assinalou que “um dos maiores sinais de credibilidade do Deus de Jesus é optar pelos pobres” e, portanto, “a Igreja só será fiel ao Deus de Jesus se for pela opção preferencial pelos pobres”.
No mesmo sentido, a irmã Glafira, que estudou teologia na Universidade de Comillas de Madri, destacou que “Deus é inimigo da morte e de tudo aquilo que a provoca ou a antecipa”, e que “Jesus nos chama para tornar os pobres visíveis, porque a opção preferencial pelos pobres é uma maneira de fazer teologia e de seguir Jesus”.
Para finalizar o ato, a intervenção esperada de Gustavo Gutiérrez, que começou recordando a sintonia do cardeal Müller, seu amigo, com a essência da Teologia da Libertação, que é o coração mesmo da mensagem cristã: “Que venha a nós o vosso Reino”, ou seja, que “venha o seu Reino à história humana, porque a mensagem cristã é chamada a transformar a História com justiça, liberdade, verdade, amor e igualdade”.
Porque, segundo Gutiérrez, a Teologia da Libertação nasce da convergência de três processos: a situação da América Latina nos anos 1960; a realização do Concílio e sua continuação na Conferência de Medellín. Nos anos 60 aconteceu “a irrupção dos pobres na América Latina”. João XXIII e o Concílio “falam da Igreja dos pobres”. E Medellín “faz parte, para mim, do acontecimento conciliar”. “Nessa confluência de fatores situa-se a Teologia da Libertação e, nesse processo, alimentam-se mutuamente”, explicou.
Gutiérrez quis deixar claro que, na sua opinião, o Vaticano II não é um Concílio pastoral, como alguns tratam de repetir à saciedade numa tentativa de anulá-lo. “O Vaticano II é o Concílio mais teológico de todos da história da Igreja”.
Desde essa confluência com o Concílio, “a Teologia da Libertação não descobriu os pobres, embora alguns creiam nisso, nem propõe um tema novo; a única coisa que faz é propor o tema dos pobres de uma maneira nova”. E o novo da Teologia da Libertação é “sua linguagem e a tomada de maior consciência das causas e da complexidade da pobreza”.
A Teologia da Libertação é, pois, uma teologia pastoral, na qual insiste muito o Papa Francisco, porque “a Teologia é feita para ajudar as pessoas a viverem plenamente o Evangelho”. Por isso, está cada vez mais na moda. Por isso, não pode morrer ou “ao menos, não me convidaram para o enterro”.
Mais viva do que nunca na esteira de Francisco. Por isso, o pai desta corrente teológica termina a sua intervenção convidando os presentes para “acompanharem o Papa, como irmãos e companheiros de caminhada, como ele mesmo disse no prólogo do livro”.
Ovação cerrada para o pequeno-grande gênio teológico, do qual as pessoas se aproximam para abraçá-lo, fazer selfies com ele, parabenizá-lo ou simplesmente agradecer-lhe por seu martírio incruento ao longo de todos estes anos de marginalização e de tentativas de linchamento. A ‘gárgula’, como aqui chamam ao cardeal Cipriani, “quis eliminá-lo da presença pública eclesial, mas não conseguiu, porque a força dos pobres, que é a força de Deus, está com ele”. E, agora, Francisco e até o conservador presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, o reabilitaram.
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“A Teologia da Libertação é uma carta de amor a Deus, à Igreja e ao povo”, afirma Gustavo Gutiérrez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU