24 Fevereiro 2015
"O dilema é: Você vota num filme, ator ou escritor que acha que deveria ganhar ou você tenta adivinhar o que a Academia quer? Eis uma pergunta sem resposta", escreve Ir. Rose Pacatte, membro das Filhas de São Paulo e diretora do Pauline Center for Media Studies, em artigo publicado pelo National Catholic Reporter, 21-02-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
A maior celebração da indústria cinematográfica norte-americana em sua 87ª edição acontece com muitos filmes bons, e performances grandiosas, ilustres, prontas para o reconhecimento.
Em grande parte, as produções indicadas para a categoria de Melhor Filme não são sucessos de bilheteria, com a exceção para “Sniper Americano”. E enquanto todos lamentam o fato de que nenhum afro-americano foi indicado para as categorias de melhor ator e direção, todos os oito filmes são histórias centradas em homens – e, com exceção para “Selma”, eles falam sobre homens brancos. Enquanto eu advogo pelos melhores filmes e performances, a indústria cinematográfica americana tem um problema de visão nos filmes que escolhe fazer e premiar.
Desconheço os trabalhos internos da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, organização que concede o Oscar, mas duvido que grupos se reúnam e votem intencionalmente de uma forma ou de outra. O pior é se eles votam desta forma automaticamente, sem pensar – ou seja, que os votos deles vão para atores brancos sem se perguntarem sobre a questão da raça ou gênero.
Francamente, fico me perguntando quantos membros da Academia assistem, de fato, todos os filmes que lhes são apresentados a indicarem e, assim, ganhar as premiações. Será que eles votam por amizade ou baseados na simpatia?
Junte-se a mim numa caminhada através dos indicados ao Oscar deste ano em ordem alfabética.
“Sniper Americano” é um drama biográfico que conta a história de Chris Kyle, da Marinha americana, muito bem interpretado por Bradley Cooper. Kyle era conhecido por ter matado mais do que qualquer outro franco-atirador da história militar dos EUA. Kyle diz no filme poder se apresentar diante de Deus porque, ao matar, estava protegendo pessoas.
Mas se ele foi um herói, foi herói numa guerra falsa, fingida, construída que jamais deveria ter ocorrido. É esta a tragédia da história de Kyle e de qualquer outro ex-combatente que sofreu ou morreu na Guerra do Vietnã.
O filme se baseia no livro de Kyle, “American Sniper”. O diretor, Clint Eastwood, decidiu pular qualquer parte desta obra que pudesse diminuir a imagem de seu herói (como a parte onde Kyle disse ter dado socos na cara de Jesse Ventura, coisa que nunca aconteceu). Deve haver uma outra maneira de se sacrificar por “Deus, pelo país e pela família”, do que matar pessoas, independentemente se se tenha legitimidade ou não.
“Birdman” é classificado como comédia; trata-se de uma peça de teatro autoconsciente que se desenrola dentro de uma peça teatral (ou filme, que seja). É uma grande e singular piada sobre um ator (Michael Keaton) experiente que tenta um retorno a ativa, mas que está tomado pelo medo. Ocorre que esta representação da crise de meia idade acaba na Broadway sob uma perspectiva fantástica.
“Boyhood” é a odisseia do cineasta Richard Linklater que segue o crescimento de um garoto, Mason (Ellar Coltrane), junto de sua irmã Samantha (Lorelei Linklater) e de sua mãe, Olivia (Patricia Arquette), no Texas durante literalmente 12 anos. O pai das crianças, Mason (Ethan Hawke), aparece e acaba se arrependendo de nunca ter se casado com Olivia. A vida se complica quando Olivia se casa (por duas vezes) e então muda de lugar.
Eis algo a se observar nos filmes de Linklater: eles são todos muito verbais. As pessoas estão dizendo que é difícil entender o mundo interior dos personagens. Quando Hawke aparece na narrativa, todo e qualquer momento de silêncio que se pode esperar vai-se embora. Como experimento, o filme deu certo, mas será uma grande obra? Não para mim.
Falando em experimento, o filme “O Grande Hotel Budapeste” é, por um lado, um teste bizarro do que um cineasta pode fazer com uma comédia e, por outro, um humor alcaparra de uma era muito distante. Wes Anderson é o diretor da história de um jovem recepcionista, Zero (Tony Revolori), em treinamento num importante hotel na República Zubrowka. M. Gustave (Ralph Fiennes) é quem dá o treinamento a Zero, um alguém discreto, respeitoso e educado com os hóspedes num mundo entre duas guerras mundiais; é também um ladrão maluco e mentiroso. Ninguém poderá acusar este filme singular de não ser original. Eu o assistiria novamente? Não.
O meu filme favorito número 1 é “The Imitation Game” (O Jogo da Imitação), que fala sobre Alan Turing (Benedict Cumberbatch), matemático, criptólogo e engenheiro computacional gay que, com sua equipe, desvenda os códigos de guerra da Alemanha nazista. O filme interlaça a história inicial de Turing com o presente. O que acontece a ele depois das realizações prodigiosas de sua equipe, que, segundo o filme, salvou 18 milhões de vidas e encurtou a guerra em dois anos, ajuda a compreendermos o que significa ser humano, independentemente de raça, gênero, religião, política e orientação sexual. Cumberbatch é brilhante. Sim, eu assistiria este filme de novo.
“Selma” é o único filme na categoria Melhor Filme dirigido por uma mulher, a afro-americana Ava DuVernay. Apesar das críticas a algumas das escolhas criativas de DuVernay sobre a relação do presidente Lyndon B. Johnson com a marcha pelo direito ao voto, liderada por Martin Luther King Jr. (interpretado brilhantemente por David Oyelowo), o filme mostra os sacrifícios que muitas pessoas fizeram para que todos os cidadãos dos EUA possam votar sem serem perseguidos. Eis um outro filme a que eu assistiria novamente.
“The Theory of Everything” (A Teoria de Tudo) é a história de amor do cientista inglês Stephen Hawking (Eddie Redmayne) e de sua esposa Jane (Felicity Jones). Redmayne se sobressai como alguém que desafia as probabilidades de se viver durante décadas com uma doença motora degenerativa, continuando a trabalhar em sua “elegante teoria de tudo”. Se eu observasse apenas para a performance de Redmayne, ele receberia notas altíssimas. Mas a história não se acaba e, no final, fiquei um pouco triste. Esta produção não se encontra na minha lista de filmes que veria novamente.
“Whiplash” (“Whiplash – Em busca da perfeição”) me surpreendeu. Fui vê-lo sabendo apenas que era sobre música e que J.K. Simmons estava no elenco. Andrew Neiman (Miles Teller) é um talentoso baterista e é aceito por Terence Fletcher (Simmons) para participar num grupo especial de jazz.
Andrew fica tão ambicioso e ansioso em satisfazer as expectativas de Fletcher que acaba tocando bateria até seus dedos sangrarem. Fletcher é cruel, exigindo uma enorme dedicação física e perfeição musical do grupo, mas é em Andrew que recaem os maiores abusos emocionais que devastariam qualquer um. O final surpreende o espectador e traz elementos para se falar sobre os relacionamentos entre nós, seres humanos imperfeitos. Performances incríveis, porém mais admirável do que agradável.
No geral, assisti a 22 dos 26 filmes indicados. Por motivos de espaço aqui eu não posso detalhar as demais produções. Quero fazer menção especial a Steve Carrell e Mark Ruffalo em “Foxcatcher” (Foxcatcher – Uma História que Chocou o Mundo), filme baseado numa história real. Fala de um estudo sobre as consequências devastadoras que acontecem quando transtornos mentais não detectados e a ambição pessoal entram em conflito.
“Gone Girl” (Garota Exemplar) é o “Fatal Attraction” do século XXI; se você já viu “Atração Fatal” (1987), saberá o que quero dizer. Um dos principais personagens é insano e o outro é louco em fazer escolhas erradas – e nenhum dos dois é simpático.
Gostei mais da ideia de “Wild” (Livre) do que do filme: aventurar-se numa trilha de milhares de quilômetros para encontrar a si mesmo e recuperar os valores que sua mais ensinou. Reese Witherspoon tem bom desempenho, mas o texto não conseguiu me fazer acompanhar a sua situação difícil; ele não me tocou. Laura Dern, no papel de sua mãe mostrada em flashbacks, está excelente como sempre.
Por fim, quero mencionar a performance de Robert Duvall em “The Judge” (O Juíz). Robert Downey Jr. é sempre Robert Downey Jr. e altamente “assistível” em qualquer papel, mas aqui Duvall desempenha o papel de um juiz convencido de um incidente envolvendo uma batida de carro seguido de fuga, onde um homem a quem ele anteriormente havia mostrado misericórdia é morto. Downey é o advogado de seu filho. Há uma cena onde Duvall se faz tão vulnerável que, baseado somente nesta cena, ele já mereceria um Oscar.
Aos filmes “O Jogo da Imitação”, “Selma” e “O Juiz” eu daria o prêmio de dignidade humana por contar histórias sobre pessoas, reais ou imaginárias, que nos fazem pensar sobre o que significa sermos membros da família humana e caminharmos no sentido de uma mudança social.
Enquanto isso, está sendo organizada uma festa para celebrar estes filmes na noite de premiações. Os votos serão revelados e os primeiros, segundos e terceiros vencedores receberão um prêmio cada em conformidade com o espírito da narrativa cinematográfica. O dilema é: Você vota num filme, ator ou escritor que acha que deveria ganhar ou você tenta adivinhar o que a Academia quer? Eis uma pergunta sem resposta.
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Indicados ao Oscar 2015 são, por padrão, homens (em sua maioria brancos) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU