Por: Jonas | 23 Fevereiro 2015
Como não inquirir sobre o mistério da vida ao se deparar com a obra de João Guimarães Rosa? Este autor que encontra nas histórias e estórias de gente comum os verdadeiros enigmas que acompanham a existência humana, deixa para seus leitores uma grande possibilidade de adentrarem nas grandes questões humanas. Questões estas que foram meditadas e rezadas em um dia de encontro com a obra de Guimarães Rosa, no último sábado, dia 21 de fevereiro, na Casa do Trabalhador, em mais uma etapa do Projeto Rezar com os Místicos, organizado pela CJCIAS/CEPAT.
O relato é de Jonas Jorge da Silva, da equipe do CJCIAS/CEPAT.
Para o padre jesuíta Rogério Mosimann da Silva (foto), que assessorou o encontro, é no antropológico que teologia e literatura se encontram na obra de Guimarães Rosa, que também foi médico e diplomata. O autor mineiro, nascido na interiorana cidade de Codisburgo, possui uma grande capacidade de fazer ver, ouvir e sentir os dramas humanos, com uma incrível facilidade de tocar em questões que são fundamentais para a existência humana. Desse modo, em sua obra é possível se deparar com a questão do bem e do mal, do sofrimento, da liberdade, da violência, da sobrevivência e da morte. É isso que o torna um grande escritor. Como bem frisou o assessor, na obra de Guimarães Rosa há referências diretas e explícitas a Deus, ao transcendente e à religião, no entanto, a possibilidade de abertura para a dimensão transcendente não se resume a tais referências, mas, sim, ao grande valor simbólico de tudo o que escreveu.
Nesse sentido, em Guimarães Rosa, o sertão é mais do que um espaço geográfico e cultural, nele está presente a dimensão do simbólico. O sertão é o mundo no qual obrigatoriamente todos se deparam com a condição de ser humano e com tudo o que implica tal qualidade. A partir dele, é possível se abrir ao mistério, ao místico e ao poético.
A obra de Guimarães Rosa envolve inteiramente os que se atrevem a lê-lo. O autor joga luzes sobre as sombras da alma humana, revelando as contradições presentes na feitura humana, não com o espanto de quem não conhece nem a si próprio, mas, sim, como um verdadeiro médico que conhece as dores mais profundas, tanto as suas como as daqueles que se fossem vistos com um olhar descuidado passariam por sadios, normais e comuns.
“A luz é para todos. As escuridões é que são apartadas e diversas”, escreve Guimarães Rosa, em “A benfazeja” (Rosa, João Guimarães. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, 14ª ed, p. 113-122), texto que foi lido e debatido pelos participantes. De fato, cada pessoa carrega consigo um penar, que exige um golpe de clemência divina. Como bem suplicou um dos que vivenciaram este encontro com Guimarães Rosa, é preciso “encontrar forças para atravessar o sertão da vida”. Não há quem se salve dessa extraordinária comum existência. Como bem dizia o poeta, “quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo”.
Rezar com Guimarães Rosa foi uma pretensão deliciosa, não adocicada, uma vez que os sabores são diversos. Percebeu-se que entre os participantes houve um verdadeiro encontro de fé, de desejo do outro, de ver a Deus mesmo correndo o risco da blasfêmia. Na obra de Guimarães Rosa, ver a Deus só é possível pela mediação antropológica. Não se trata de uma mística qualquer, destas que saciam a fome com qualquer comida, mas, sim, de uma mística marcada pela sempre misteriosa dádiva da vida vivida.
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“A luz é para todos. As escuridões é que são apartadas e diversas”. Um dia com Guimarães Rosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU