22 Janeiro 2015
Nos dias em que o fundamentalismo islâmico lançava o desafio ao coração do Ocidente, com os homicídios da redação do Charlie Hebdo e do supermercado kosher em Paris, e em que o mundo "democrático" preparava as condolências midiáticas globais com pompa magna, em um pequeno pedacinho de terra africana, se consumava um dos mais brutais massacres dos últimos anos da história do continente negro.
A reportagem é de Giampaolo Petrucci, publicada na revista Adista Notizie, n. 3, 24-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De acordo com informações não oficiais, mas bem credenciadas, como a Anistia Internacional e a BBC, teriam sido mais de duas mil as vítimas da ofensiva lançada a partir do dia 3 de janeiro passado pelo Boko Haram na região de Baga, onde o grupo fundamentalista ocupou uma importante base militar, posto avançado de uma força tarefa multinacional africana na região.
O recrudescimento da atividade terrorista chega a um mês das eleições presidenciais do dia 14 de fevereiro, nas quais o atual presidente cristão Goodluck Jonathan, no poder desde 2010, vai se recandidatar, mesmo sendo considerado politicamente incapaz de adotar estratégias críveis de combate ao terrorismo – também por causa de um Exército desorganizado, mal pago, corrupto e mal equipado – e de controlar o território para evitar os conclamados conluios entre governos locais e terroristas.
O Boko Haram – locução hausa que significa "a educação ocidental é pecado" – começou os ataques no Estado de Borno (nordeste da Nigéria) em 2009, mas, com as recentes intensificações do conflito, ele aspira, confiando também na filiação ao Estado Islâmico, à desestabilização de um dos países mais ricos de petróleo do mundo, além da constituição de um grande califado para além das fronteiras com os Camarões, Chade e Níger, capaz de se expandir para toda a África ocidental muçulmana, já amplamente abalada pelo avanço dos movimentos jihadistas na região do Sahel.
Só em 2014, o Boko Haram massacrou mais de 10 mil civis e provocou a fuga de mais de 1,7 milhão de pessoas. Depois das medidas de segurança adotadas pelas forças de segurança nigerianas nos mercados e nas praças do norte, os fundamentalistas mudaram a estratégia de ataque, forçando meninas e moças pouco mais do que adolescentes a se fazerem explodir em lugares particularmente lotadas de civis.
Precisamente o indizível horror provocado pelos últimos atentados realizados em Maiduguri e em Potiskum com esse modus operandi finalmente chamou a atenção da sonolenta indignação da mídia e das instituições internacionais sobre o drama nigeriano.
Vítimas de segunda categoria
"Penso na grande manifestação de Paris e desejo também aqui uma grande marcha de unidade nacional que supere as divisões políticas, étnicas e religiosas. Devemos dizer 'não' à violência e encontrar uma solução para os problemas que afligem a Nigéria", disse à agência Fides Dom Ignatius Ayau Kaigama (arcebispo nigeriano de Jos), que em várias ocasiões criticou a comunidade internacional pela falta de atenção dada à questão nigeriana, definindo, de fato, como "vítimas de primeira categoria – as europeias – e vítimas de segunda categoria" as africanas.
A mesma opinião é do arcebispo de Agrigento – que será criado cardeal no próximo consistório de fevereiro –, Francesco Montenegro, que falou às margens da apresentação do Dia Internacional dos Migrantes, do dia 18 de janeiro. "Todo morto deveria nos fazer pensar", declarou o arcebispo. "É estranho que só Paris se tornou o centro do mundo. No dia seguinte, ao contrário, todos devíamos ir para a África, porque duas mil pessoas sofreram a mesma violência de Paris, mas, mais uma vez, dividimos o mundo no sofrimento: nós, os da primeira categoria, postos todos juntos a dizer que não é justo, enquanto não vimos os dois mil mortos da Nigéria, são mortos de segunda categoria".
"Não a chame de religião..."
Em uma "Declaração sobre os ataques na Nigéria", do dia 12 de janeiro, o Conselho Ecumênico das Igrejas (WCC) apontou o absurdo de uma cobertura religiosa de certas atrocidades: "Uma mentalidade que concebe as crianças como bombas e que massacra indiscriminadamente mulheres, crianças e idosos está além da indignação e se desqualifica para qualquer possível pretensão de justificação religiosa".
O WCC também expressou "profunda decepção com a discriminatória falta de cobertura midiática internacional" que a crise nigeriana exige e pediu, por um lado, a intervenção decisiva do governo local e, por outro, uma adequada contribuição de solidariedade por parte da comunidade internacional.
A Rede Nowar sublinhou, em um comunicado do dia 12 de janeiro, às margens da visita da vice-embaixadora nigeriana na Itália, Martina Gereng-Sen, que o terrorismo "não tem nada a ver com o Islã", como demonstra o fato de que a grande maioria das vítimas do terror "pertencem aos povos não ocidentais" e são principalmente muçulmanos.
"Nos mesmos dias do massacre em Paris, foram cometidos massacres por parte de milícias terroristas na Nigéria, Líbia, Iraque, Iêmen, Síria." No comunicado, da Rede Nowar pede que "a mídia e a opinião pública reserve a eles a mesma dor e respeito que todos demonstram às vítimas de Paris", denunciando, enfim, que vários "países da Otan (incluindo a Itália) e monarquias do Golfo, mesmo nos últimos anos, equiparam, formaram, financiaram o crescimento de diversos grupos terroristas".
O fato de que o Boko Haram busca uma cobertura religiosa de finalidade não manifesta também é a opinião do diretor da revista dos combonianos, Nigrizia, padre Efrem Tresoldi, em uma entrevista à Rádio Vaticano, no dia 12 de janeiro. "Esse terrorismo chamado islâmico está colocando na mira não só os cristãos, mas ainda mais as próprias comunidades muçulmanas do norte do país. É uma campanha que vai contra, eu diria, os próprios princípios da humanidade e, portanto, não tem nada a ver com a religião: são criminosos, mas que têm apoio, como se sabe, também dentro do Estado" e "financiamentos também do exterior".
Em uma profunda análise publicada no dia 9 de janeiro pela agência Sir, o padre Giulio Albanese (comboniano, fundador da agência missionária Misna e colaborador de várias publicações) denunciou os silêncios ocidentais, definindo as vítimas de Baga como "filhas de um deus menor".
Depois, ele falou do Boko Haram como de um movimento que "instrumentaliza" a religião para fins políticos: a situação, salienta, degenerou depois da vitória eleitoral de Goodluck Jonathan, em 2010, "nada apreciada pelas oligarquias do norte do país, de fé islâmica, que viram redimensionado, por assim dizer, o seu peso político. Jonathan, de fato, pertence à etnia Ijaw, minoria de nível nacional e de tradição cristã, mas que representa a maioria da população na região do Delta do Níger, riquíssima em petróleo e sob o controle das multinacionais estrangeiras. Nesse contexto, o fator religioso se sobrepõe a uma competição pelo poder que, a esse ritmo, corre o risco de dividir a Nigéria em duas".
"As razões do aumento da atividade terrorista – escreveu Albanese – devem ser buscadas, pelo menos em parte, nas relações que o Boko Haram manteve, ao longo dos últimos anos, com políticos locais e membros das forças de segurança originárias do norte, interessadas na radicalização do conflito, a fim de tornar a Nigéria ingovernável".
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A fé, os interesses e os silêncios: chaves de leitura do Boko Haram - Instituto Humanitas Unisinos - IHU