15 Dezembro 2015
O Vaticano reafirmou a vocação dos irmãos religiosos leigos na Igreja Católica dizendo que estes homens – e mulheres –, os quais não são ordenados como os sacerdotes, mesmo assim exercem um sacerdócio diário em suas obras no mundo devido ao batismo que tiveram.
Em um documento há muito esperado dedicado à votação dos homens que servem em ordens religiosas mas não como sacerdotes, o Vaticano diz que o primeiro título que Jesus assumiu para si mesmo e seus discípulos foi o de irmão.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 14-12-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“Jesus Cristo, antes de tudo, se tornou irmão, partilhou da nossa carne e sangue e foi solidário com os sofrimentos de seus irmãos e irmãs”, afirma o documento divulgado pela Congregação para os Religiosos nesta segunda-feira. “Este é o título que Jesus dá a seus discípulos após a Ressureição”.
“O Irmão Religioso, vivendo o seu laicato por meio de uma consagração especial, é testemunho do valor do sacerdócio comum recebido no Batismo e na Confirmação”, afirma o texto. “A sua consagração religiosa é, em si, um exercício na plenitude do sacerdócio de todos os batizados”.
“Enraizando a sua vida profundamente em Deus, o Irmão consagra toda a criação, reconhecendo a presença de Deus e a ação do Espírito na criação, nas culturas e nos eventos diários”, continua documento.
“Porque reconhece esta presença ativa, ele pode proclamá-la aos seus contemporâneos. Esta capacidade é o fruto de um processo em curso de abertura a Deus via consagração, isto é, através da experiência diária de seu sacerdócio batismal”.
Este novo documento vaticano – intitulado “Identidade e Missão do Irmão Religioso na Igreja" – enfatiza o papel que homens não ordenados desempenham nas várias ordens religiosas ao redor do mundo. Comumente referidos como irmãos, eles não recebem a ordenação sacerdotal, mas são em geral consagrados ou ungidos para levar uma vida de serviço em suas respectivas ordens ou institutos.
O Vaticano estima que tais homens compõem cerca de um quinto de todos os religiosos na Igreja. Os católicos americanos poderão estar familiarizados com os irmãos que compõem as grandes ordens dos jesuítas e dos franciscanos, ou com as ordens compostas somente por irmãos, como a dos Irmãos de La Salle (conhecido como Irmãos Lassalistas) ou os Irmãos Maristas.
Era sabido que o documento desta segunda-feira estava sendo desenvolvido pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica havia alguns anos, mas, segundo alguns rumores, a sua publicação atrasou várias vezes por causa de desentendimentos sobre como o papel dos irmãos seria explicado em relação ao papel dos sacerdotes.
O documento divulgado não aborda exatamente este assunto de maneira específica, mas afirma que os irmãos, embora não ordenados como sacerdotes, podem atuar em funções sacerdotais nos vários ministérios de serviço. Ele também afirma que as suas reflexões sobre os irmãos podem se aplicar igualmente às religiosas na Igreja, comumente conhecidas como irmãs [ou freiras], por causa das semelhanças em suas vocações e trabalho.
Com 54 páginas, o documento aborda a identidade do irmão religioso sob três formas: primeiro, como um mistério de um dom recebido; segundo, como uma comunhão de um dom compartilhado; e, terceiro, como uma missão de um dom a ser empregado na missão.
O documento aborda a ideia do sacerdócio batismal em cada uma destas três seções, falando das comunidades dos irmãos que desenvolvem aquele sacerdócio e rivalizam com o ministério de Jesus, “o Bom Pastor”.
A certa altura, o documento compara o sacerdócio exercido pelos irmãos religiosos com aquele exercido pelo “cristão leigo comprometido”.
“O Irmão desenvolve o seu sacerdócio batismal por meio da fraternidade”, afirma o documento.
“Através dele, o religioso se torna uma ponte entre Deus e os seus irmãos, ungido e enviado pelo Espírito para trazer a Boa Notícia do amor e misericórdia de Deus a todos e todas, especialmente ao menor de seus irmãos, os membros mais fracos da humanidade”.
“O Irmão Religioso e o cristão leigo comprometido na sociedade secular vivem o sacerdócio universal de diferentes maneiras”, continua o texto. “Ambos expressam a riqueza complexa do sacerdócio que implica a proximidade a Deus e a proximidade ao mundo, pertencendo à Igreja como servo do Senhor e à Igreja que se edifica no mundo, para Deus”.
O documento também chama as comunidades dos irmãos de uma “manifestação privilegiada do sacerdócio batismal”.
“A comunidade organiza a sua vida de forma a ser capaz de ver a ação de Deus presente em sua vida diária e a descobrir a história da salvação que se cumpre a cada dia”, afirma. “Na mesma contemplação, a comunidade descobre-se como uma mediadora na ação salvífica de Deus. Ela dá graças, celebra e oferta-se para continuar, como um instrumento útil, na história da salvação.
“A substância da oferta sacerdotal da comunidade é exatamente a mesma realidade dos Irmãos, com as limitações, pobreza e fraquezas de cada um”, lê-se no documento. “Os Irmãos constroem a comunidade através do dom alegre de si mesmos. É uma experiência eucarística pela qual se unem a Cristo em sua oferenda ao Pai, para continuar a sua obra redentora por meio de suas comunidades”.
Na seção sobre o mistério do com recebido pelos irmãos, o documento diz que a consagração deles como irmãos religiosos expressa que aquele “mistério de Cristo o Salvador está sendo cumprido aqui hoje, neste mundo e através da Igreja”.
“Portanto, as pessoas consagradas deveriam frequentemente se perguntar sobre como serem testemunhas do Senhor hoje”, recomenda o texto. “Que tipo de presença deveríamos ser para que o Senhor Jesus possa ser visto, experienciado, pelas pessoas hoje?”
O documento igualmente fala, de maneira comovente, da missão dos irmãos na Igreja, usando um imaginário evocativo tirado dos Evangelhos e do Antigo Testamento: a partilha do pão feita por Jesus, o seu uso da toalha para lavar os pés dos apóstolos, o Bom Pastor que procura a ovelha perdida, o Bom Samaritano que ajuda a pessoa necessitada e Moisés declarando a “aliança do povo”.
A missão dos irmãos, segundo se lê, “não é ‘o que ele faz’, mas sim a sua própria vida tornada comunhão com o menor [entre os homens]”.
“Mais do que nas obras exteriores, a missão consiste em tornar Cristo presente no mundo através do testemunho pessoal”, continua o documento, acrescentando que os ministérios “podem variar ou mesmo desaparecer por causa de enfermidade ou da idade avançada, mas a missão sempre permanece”.
Não se trata, portanto, de uma tarefa, mas de uma identidade. “O ministro é a pessoa toda do Irmão: consagrado, membro de uma comunidade, identificado com a missão. Todo ele assume o privilégio e a responsabilidade de representar a Igreja ao Bom Pastor que dá a sua vida pelas ovelhas”.
Chegando ao final de suas reflexões, o documento propõe cinco tipos diferentes de profecias que os irmãos religiosos podem praticar no mundo de hoje: a hospitalidade, o “significado da vida”, “a afirmação dos valores femininos”, o cuidado e proteção da vida, e o “uso sábio das novas tecnologias”.
No terceiro tipo, o documento sugere que os irmãos podem enfatizar o papel dos valores femininos na “história da humanidade”.
“A religiosas têm um papel principal de apresentar a visão feminina da vida, abrindo novos horizontes para a evangelização em geral”, afirma o documento. “Os Religiosos contribuem para o aprofundamento deste aspecto profético com o seu apoio fraterno e com sua apreciação da presença das mulheres, religiosas e leigas, na evangelização”.
O documento termina convocando a Igreja a valorizar a “nova vinha” representada pelos irmãos, produzindo novos odres para “assegurar que esta nova vinha não só não se perca, mas também que possa amadurecer em qualidade”.
“Os pastores e a hierarquia da Igreja estão encorajados a promover o conhecimento e a apreciação do Irmão Religioso nas Igrejas locais (...) certificando-se de que os Irmãos e as Irmãs participem ativamente nos órgãos consultivos, nas tomadas de decisões e na implementação delas dentro da Igreja local”, lê-se.
O novo documento foi divulgado pelo Vaticano nesta segunda-feira (14 de dezembro) em vários idiomas, mas ainda não está disponível online. Ele é assinado pelo prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, o Cardeal João Braz de Aviz, com a data de 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis.
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Vaticano reafirma os irmãos religiosos e diz que leigos e leigas exercem o sacerdócio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU