Por: Jonas | 28 Outubro 2015
O Acordo Trans-Pacífico de Cooperação Econômica (TPP, segundo sua sigla em inglês) é a última etapa no processo de globalização comercial e financeira para a desregulação de mercados e comporta um novo salto nas estruturas geopolíticas. O acordo assinado no último dia 5 de outubro entre Estados Unidos e outros onze países (Japão, Chile, Peru, México, Brunei, Nova Zelândia, Singapura, Austrália, Canadá, Malásia e Vietnã) de sua órbita, na área da Bacia do Pacífico, é uma extensão da onda de tratados de livre comércio (TLC) da década passada e um importante dique levantado pelos Estados Unidos para favorecer suas corporações e encurralar a China.
A reportagem é de Paul Walder, publicada por Rebelión, 27-10-2015. A tradução é do Cepat.
Sobre estes dois grandes objetivos descansa o TPP, organismo que se complementa de maneira planetária com a TTIP (Associação Transatlântica para o Comércio e o Investimento), que, neste momento, é negociado pelos Estados Unidos com os países europeus. Os dois tratados, denunciados por organizações da sociedade civil, estão vinculados por interesses muito semelhantes e apontam para a mercantilização, em níveis inéditos, de todas as atividades humanas comercializáveis. Entre os dois grupos, Estados Unidos conseguem ordenar sob sua órbita grande parte do PIB mundial.
Para o Chile, que assinou com deleite, nas décadas passadas, durante os governos da Concertación, mais de meia centena de diferentes tratados com países e regiões, é uma extensão natural de seu obsessivo processo de desregulação econômica e comercial. A iniciativa do TPP teve suas origens no contexto da APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), instância orientada à cooperação e facilitação do comércio, não necessariamente vinculante. É por isso que em meados da década passada, durante a Cúpula da APEC, em Santiago, no governo de Ricardo Lagos, Chile, Brunei, Nova Zelândia e Singapura criaram o P4, grupo de livre comércio que assentou as bases do atual TPP. Por interesse dos Estados Unidos, durante o governo de George W. Bush, após o recesso no processo de desregulação mercantil que a grande crise dos ‘subprimes’ supôs, o TPP reúne e amplia com intensidades não conhecidas a globalização em termos neoliberais.
Numerosos observadores e analistas veem no TPP o renascimento da Alca, o projeto estadunidense para criar uma área de livre comércio das Américas, que foi paralisado, em 2005, pelos então presidentes Hugo Chávez, Néstor Kirchner e Lula da Silva. Após o impasse, do mesmo modo como na Ásia se criava o P4, na América Latina nascia, alguns anos mais tarde, com a convocação do então presidente peruano Alan García, a Aliança do Pacífico, formada por México, Peru, Colômbia e Chile. De alguma maneira, Chile, com frentes nos dois acordos, foi peça fundamental e dobradiça na criação do TPP.
As negociações do TPP foram feitas em absoluto segredo, mesmo quando o WikiLeaks denunciou que centenas de representantes das corporações participaram das reuniões. O resultado deste processo foi um traje à medida das aspirações empresariais. São violados direitos básicos conquistados pela sociedade civil, como o acesso livre a Internet e a medicamentos de menor custo, entre outras matérias relevantes, que apesar do hermetismo oficial foram vazadas pelo portal WikiLeaks.
Perda de soberania e de direitos básicos
As matérias que vieram à luz revelam um alto risco para o acesso das pessoas às matérias citadas e para os próprios Estados, que ficam em uma situação de vulnerabilidade por uma perda de soberania sem precedentes, frente às grandes corporações.
Podemos citar alguns pontos centrais que vieram à luz. Entre eles, destaca-se a proibição de rótulo obrigatório para os produtos geneticamente modificados; mais e renovadas proteções de patentes e direitos autorais, favorecendo as transnacionais da indústria farmacêutica em detrimento aos medicamentos genéricos de menor preço ou também protegendo patentes de procedimentos médicos que encarecem terapias. Outro âmbito são pactos que discriminam a contratação pública em favor da área privada, e a redução da compra de produtos locais por parte dos Estados em favor dos importados. Também foram vazados acordos a respeito das regulações ambientais, nas quais foram acordados assuntos relacionados à energia nuclear, contaminação e sustentabilidade.
Há aspectos importantes relacionados a maiores desregulações financeiras e os já citados relativos às tecnologias da informação, que conferirão grandes poderes às companhias em detrimento aos usuários, que serão impedidos por meio de duras sanções de fazer uso livre de conteúdos patenteados, afirmam especialistas, após a leitura dos textos em WikiLeaks.
Contudo, um dos pontos de maior risco que acarretaria graves danos e efetiva perda de soberania aos Estados são os grandes poderes transferidos às corporações, a grande maioria estadunidense. Sob as normas de solução de controvérsias propostas pelo TPP, as grandes empresas podem processar os Estados, em um tribunal comercial internacional, pelo fato de introduzir novas leis – como as que protegem o consumidor, por exemplo – que prejudiquem seus investimentos e negócios.
Os TLC como graves antecedentes
O TPP é um tratado de livre comércio de última geração, como destacou o governo e as cúpulas empresariais. Se tomarmos o caso chileno, com o TLC com os Estados Unidos, vigente desde 2004, podemos observar que o acordo foi, em termos gerais, favorável aos Estados Unidos e pouco auspicioso para o Chile. De partida, consolidou este país como o primeiro investidor no Chile, com 26% do total, concentrando seus capitais no setor de serviços e na mineração. Após os processos de privatização e, posteriormente, de fusão e aquisição das décadas passadas, os investimentos norte-americanos no Chile foram destinados à aquisição de empresas de serviços já existentes, particularmente dos setores de eletricidade, telecomunicações, financeiro e comercial. São as denominados investimentos substitutivos, que não geram novos empregos e que, ao contrário, geralmente vêm acompanhados de reestruturações e demissões.
As exportações também não favorecem ao Chile. Ao se observar o intercâmbio comercial com Estados Unidos, a partir da assinatura do TLC, este é crescentemente deficitário para o Chile. É atualmente o terceiro destino das exportações chilenas, enquanto é o segundo parceiro, depois da China, como fonte de produtos importados. Antes do TLC, os Estados Unidos eram o primeiro destino das exportações chilenas.
O caso do Nafta, o TLC entre Estados Unidos, Canadá e México, é outro caso a ser levado em conta. O efeito sobre a economia mexicana foi desastroso, o que muito provavelmente se acentuará com o TPP. Uma recente análise, intitulada “Lições para o TPP”, escrito por Mark Weisbrot, no portal econômico ‘The Cipher’, afirma que os ganhos para as economias foram muito limitados. Desde que o México assinou o Nafta, sua economia foi de mal a pior, com perdas importantes em extensos setores de sua economia. Entre 1994, ano em que o Nafta entrou em vigência, e 2014, o país asteca cresceu uma média abaixo da metade que a da região. A pobreza, no entanto, manteve-se em 46%, quase a mesma que em 1994. Tudo isso sem mencionar a tremenda crise social na qual o país está afundado.
Como prévia, Weisbrot cita numerosos estudos que estimam os ganhos que os Estados Unidos terão pelo TPP em um escasso aumento do PIB de 0,4%, em dez anos. Pior ainda, diz que estes poucos lucros se concentrarão em algumas corporações, aumentando a desigualdade na distribuição da riqueza, razão pela qual a maioria das pessoas e os trabalhadores ficarão pior que antes do acordo. “Não é um exagero quando os detratores do TPP o acusam como uma tomada do poder realizada pelas corporações”, destaca. Diante desta realidade, até mesmo a ex-secretária de Estado e candidata presidencial democrata, Hillary Clinton, confessou que o TPP lhe parece um acordo ruim, que não beneficia o conjunto dos envolvidos.
Estados entregues às transnacionais
A outra grande ameaça que deriva do exemplo do Nafta surge dos julgamentos contra o Estado mexicano pelas companhias estadunidenses, sob o mecanismo de Arbitragem de Diferenças Investidor-Estado (ISDS, na sigla em inglês) , tanto no tribunal do Ciadi, do Banco Mundial, ou sob os auspícios dos tribunais arbitrais internacionais, como o Tribunal de Londres de Arbitragem Internacional ou a Câmara de Comércio Internacional, entre outros. A possibilidade permanente de recorrer a qualquer uma destas cortes internacionais se tornou uma ameaça real ao meio ambiente, à saúde de pessoas ou aos direitos trabalhistas. Qualquer regulação que seja estimulada por um Estado poder ser interpretada pelas companhias internacionais como uma mudança nas regras do jogo, ao ver afetada sua rentabilidade. O conhecido economista estadunidense Jeffrey Sachs afirmou que as corporações só começaram a usar a ISDS. Sachs explica que “em 1985 só algumas empresas usaram a ISDS, no entanto, em fins de 2014, havia mais de 600 casos nestes tribunais”.
O TPP, assim como os TLC das décadas passadas, são finalmente ferramentas ratificadas pelos Estados para favorecer o setor privado. Mais desregulações, menos impostos, desmantelamento dos aparelhos estatais, que são desejados de mãos amarradas para não legislar em favor de seus cidadãos ou da proteção do meio ambiente. Em suma, mais poder para as companhias e crescente vulnerabilidade dos consumidores e trabalhadores. Nesse processo, consolida-se o modelo de desregulação neoliberal, com o lucro a todo custo, em todos os setores, e o aumento da concentração extrema da riqueza. Se isso foi com os TLC, o TPP acentuará todas estas tendências.
Na América Latina, o TPP é um empreendimento geopolítico de grandes proporções, que só pode ter antecedentes na abortada Alca. É um acordo que prende e compromete três países da região na órbita estadunidense, cristalizando suas normativas internas em favor dos termos do convênio, que fazem enormes concessões às grandes corporações.
O TPP é também um muro levantado na região, que pode ser observado através da ambígua política exterior chilena. Este tratado, coerente sem dúvida com os anteriores, é um novo obstáculo arquitetado pelos Estados Unidos para evitar a integração soberana da região, processo que se expressou mediante o desprestígio e a fragilidade da OEA e pelo fortalecimento de organismos independentes do Norte, como a Alba, a Celac, Unasul e o Mercosul. O isolacionismo chileno, junto a suas políticas neoliberais como razão de Estado, está relacionado a estes tratados. Com o TPP, o Chile consolida, através dos governos da pós-ditadura, seu papel de último vagão e peça incondicional do império estadunidense.
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Acordo Trans-Pacífico de Cooperação Econômica: um míssil contra a soberania - Instituto Humanitas Unisinos - IHU