06 Agosto 2015
Sete décadas depois de ser alvo de um ataque atômico, os moradores de Hiroshima continuam sob tratamento em razão da radioatividade e do impacto da bomba que devastou a cidade em um dos últimos episódios da 2.ª Guerra.
Um estudo que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha divulga hoje mostra que, em 2014, mais de 10 mil pessoas que sobreviveram aos ataques de 1945 foram tratadas nos hospitais de Hiroshima e Nagasaki por diferentes cânceres. Ainda hoje, centenas de pessoas morrem a cada ano como consequência das doenças causadas pelas bombas.
A reportagem é de Jamil Chade, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 06-08-2015.
Às 8h15 de 6 de agosto de 1945, a primeira bomba lançada pelos EUA explodiu sobre Hiroshima. O ataque matou mais de 120 mil pessoas e destruiu 90% da cidade.
Setenta anos depois, o local é o exemplo da reconstrução, com uma cidade de 1,9 milhão de habitantes, prédios imponentes e uma sociedade freneticamente ativa. Nestas sete décadas, o Japão passou a ser um aliado incondicional da Casa Branca e atravessou uma revolução tecnológica.
Como a cidade, o relato histórico do ataque também foi reconstruído. Hoje, dezenas de líderes políticos americanos justificam que as duas primeiras e únicas bombas atômicas utilizadas em combate anteciparam o fim da 2.ª Guerra, sugerindo que – em razão das explosões – vidas foram salvas.
Mas o que estudos revelam é que o impacto da bomba para a saúde da população persiste, enquanto críticos insistem que o ataque indiscriminado foi um crime de guerra.
“Os ecos da bomba ainda são sentidos”, alerta o relatório da Cruz Vermelha. “Setenta anos depois, os hospitais das duas cidades ainda estão tratando milhares de sobreviventes dos efeitos de longo prazo em seus estados de saúde”, indica o documento.
O que o estudo revela é que, mais do que em outros locais, grande parte da população das duas cidades continuam morrendo em razão de diferentes tipos de cânceres.
“Mesmo depois de tantas décadas, continuamos a ver o impacto catastrófico na saúde das pessoas que vivem em lugares que sofreram um ataque de uma arma nuclear”, declarou o presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Peter Maurer.
As autoridades japonesas estimam que, hoje, 200 mil pessoas que sobreviveram às bombas ainda vivam nas duas cidades. Mas, se o atual padrão de doenças for mantido, a previsão é de que milhares deles precisarão de tratamentos sofisticados nos próximos anos.
Apenas durante 2014, os dois hospitais mantidos pela Cruz Vermelha em Hiroshima e Nagasaki dedicados aos sobreviventes do ataque atenderam 10,6 mil pessoas. Desde os anos 50, esses dois hospitais receberam mais de 2,5 milhões de visitas de pacientes vítimas das bombas.
Entre os mortos a cada ano, o que chama a atenção dos especialistas é o elevado número de vítimas de câncer. O mais comum deles é o de pulmão, com 20% dos óbitos, depois há 18% com câncer no estômago e 14% no fígado.
Numa outra publicação também marcando os 70 anos da bomba, um estudo realizado pelo professor Kenji Kamiya, vice-presidente da Universidade de Hiroshima, concluiu que os riscos de sobreviventes de acidentes e ataques atômicos desenvolver câncer é multiplicado, em comparação a uma população sem essa exposição.
Seu estudo coletou dados do “Japanese Life Span Study”, que, desde 1950, acompanhou a vida de 94 mil sobreviventes. Quem mais desenvolveu as doenças foram as pessoas que, na época, tinham menos de 10 anos idade.
Para o estudo, saber o que ocorreu com a população de Hiroshima “não é apenas importante para entender os efeitos para a saúde da questão nuclear, mas para desenvolver limites de proteção e padrões para profissionais que estejam expostos a esses desastres, como médicos”.
Segundo a Cruz Vermelha, outro aspecto negligenciado tem sido o impacto psicológico, que “continua a assombrar cada um dos sobreviventes”. De acordo com um estudo publicado pela revista The Lancet, os efeitos psicológicos chegam a ser superiores ao impacto em termos de saúde após um desastre nuclear.
“Essa recordação dos 70 anos é um alerta sobre as consequências indiscriminadas das armas nucleares”, indicou Tadateru Konoé, presidente da Federação Internacional da Cruz Vermelha. “É um alerta que essas consequências viajam pelo tempo e, uma vez realizadas, não podem ser contidas”, completou o dirigente.
O aniversário dos 70 anos das explosões atômicas ocorre meses depois do fracasso da Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. O encontro diplomático não resultou em um acordo para estabelecer um plano para a eliminação dessas armas.
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Após 70 anos, bomba ainda mata no Japão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU