04 Agosto 2015
"Dirceu não abre e nem gagueja na hora do depoimento. Entendo que Dirceu macula e lastima ex-combatentes da ditadura. O ex-Ministro forte de Lula está do lado errado do conflito social, opera com a mentalidade do antigo inimigo de classe, e atua de forma assemelhada a Rodolfo Galimberti brasileiro e vai se comportar do mesmo jeito de sempre; sem entregar ninguém e menos ainda ceder a pressões externas", opina Bruno Lima Rocha, professor de Relações Internacionais.
Eis o artigo.
Aqui cabe uma reflexão inicial abrindo o caminho para outras a seguir. José Dirceu foi novamente preso, desta vez na 17ª fase da Operação Lava-Jato, na manhã de 03 de agosto de 2015. Não precisa ser especialista em investigação policial para compreender que a meta é alguma delação premiada, ou privilegiada deste operador político, tendo como alvo de fundo a Luiz Inácio da Silva, Lula. Bateram na porta errada se a meta for essa. José Dirceu não abre nada, nunca abriu, assim como Dilma. Infelizmente, ambos estão - no ponto de vista deste analista - do lado errado da trincheira, ao menos, ao lado do pacto de classes que o andar de cima não vai cumprir. Vem daí também a análise do momento vivido.
Estamos diante de uma crise política porque uma parte relevante da Justiça com o auxílio dos grandes grupos de mídia está criminalizando a política profissional de forma seletiva. Isto de nenhuma maneira implica em afirmar que este que aqui escreve defenda o governo Dilma e menos ainda o terceiro turno e o decorrente estelionato pelo qual estamos vivendo, com o governo de ex-esquerda, capitaneado pelo terceiro homem na linha sucessória do Bradesco, e sob as rédeas dos financistas.
Voltando ao caso da Lava-Jato, para não tergiversar, entendo que sim estamos diante de evidências de consórcios econômico-empresariais e uma aliança entre oligarcas (PMDB, PP e outros grupos menores), somados aos neófitos arrivistas (PT, nova elite dirigente) a operar pelas entranhas das regras a favorecer o grande empresariado - operando com formas de agir instituídas no governo FHC, e com a anuência criminal dos atuais governantes. Nesta sanha político-midiática, depois de Dirceu, faltaria Lula e novamente Palocci.
Dirceu não abre e nem gagueja na hora do depoimento. Entendo que Dirceu macula e lastima ex-combatentes da ditadura. O ex-Ministro forte de Lula está do lado errado do conflito social, opera com a mentalidade do antigo inimigo de classe, e atua de forma assemelhada a Rodolfo Galimberti brasileiro (trata-se de um personagem histórico da Argentina contemporânea um ex-montonero que se tornara um operador-chave da concertação menemista de poder) e vai se comportar do mesmo jeito de sempre; sem entregar ninguém e menos ainda ceder a pressões externas.
Se há intento de derrubar a estrutura de poder louvada em festividades da década passada em luxuosos hotéis de Brasília, a oposição com o espírito da UDN precisa chegar em Luiz Inácio não vai consumar o golpe branco em andamento, apesar das evidências de criminalização inequívocas por parte do partido de governo e o conluio com o grande capital contratista do Estado. Neste item, o PT imitara seus aliados e os governos anteriores. A diferença é que na Era Tucana, os operadores não chegaram a irem presos e agora, são alvo de permanente vigilância e inquéritos em profusão. Reconheço o debate como delicado, mas vejo que o mesmo tem de seguir, não sendo possível evitá-lo.
Jornalismo econômico da depressão
Ao assistir uma matéria do Jornal da Globo, de 29 de julho de 2015, cujo lide era a depreciação da análise da economia brasileira pela agência Standar & Poor’s, comentada pelo âncora William Waack, também professor de RI, confesso que ainda me choquei. Para além das suposições, o fato é que o enunciado não teve a capacidade de explicar porque e como a taxa de juros em 14,25% é a mais alta do mundo, mas o governo não "consegue" diminuir nem a inflação e tampouco o volume da dívida pública. É o absurdo completo porque a inflação vem de preços administrados e o maior volume de gastos com a dívida vem da própria maldição da Selic. O enunciado é uma contradição em si. Se isto não for desinformação então é o que?
No dia seguinte, li a notícia bomba de que dentre as empresas rebaixadas na avaliação preditiva está a própria Globo, líder do setor de comunicação social no Brasil. É cruel esta ironia mas o pior é ver a cobertura televisiva em rede aberta dando a avaliação da S&P sem problematizar nada. Esta mesma S&P deu nota AAA (máxima) para o Bearn Sterns e o banco de investimento sediado em NYC e involucrado em operações criminosas decretara falência logo depois. Não tem como narrar esta chantagem internacional sem considerar a intencionalidade dos chantagistas. Tive o desprazer de assistir esta matéria com este lide no Jornal Nacional, quando a estimativa brasileira era vista como sem crescimento e também pude ver que não houve - como quase sempre - nenhum contraponto. Não deixa de ser interessante ver que o veneno da maldade atinge a corretagem do caos no banco de sangue.
Reflexão necessária ainda que tardia
Não há como negar que existe, de fato, uma disputa pelo modelo de desenvolvimento brasileiro e, talvez em sua versão maximalista, uma disputa por haver algum modelo (quase qualquer modelo) contra a proposta de incorporação neoliberal ao eixo do Pacífico ou ao pólo do Ocidente.
Desenvolvimento autônomo implica em ter o mínimo de soberania nacional sobre os recursos estratégicos, evitar a perigosa primarização da economia e um pacto de classes no sentido do pleno emprego e da melhoria das condições materiais de vida.
Cabe debater. Esta forma de sociedade capitalista latino-americana é melhor do que uma integração subordinada? Óbvio que sim. Esta proposta pode romper amarras de tipo pós-colonial? Até certa medida, sim. Tal proposta é garantia de criar um poder do povo, no sentido da existência de organismos de massa, com poder de veto e mobilização permanente? Óbvio que não. Além dos mandatos de Getúlio Vargas, JK, Jango, Lula e Dilma, os governos de Salvador Allende (Chile, 1970-1973), Velasco Alvarado (Peru, 1968-1975) e mesmo o primeiro período ampliado do governo de Juan Domingo Perón (Argentina, 1946-1955) comprovam o que afirmo.
Temos de ter a franqueza entre a esquerda ainda restante e a centro-esquerda para definir o que há de concordância entre os campos e o que há de discordância de fundo. Na esfera da discordância, está a identificação dos limites dos poderes de governo de turno e as garantias que estão para além dos limites constitucionais ou dos arranjos institucionais. Se Allende tivesse atendido às reivindicações de MIR e Lautaro não teria caído como caiu; se tivesse escutado ao G-2 cubano tampouco.
O limite da democracia liberal na América Latina é bastante evidente e romper com esta limitação necessita de uma força popular e não de um pacto de classes subordinado a um projeto produtivo capitalista de pleno emprego. Ao menos, esta é a reflexão e o bom debate - com respeito e pleno direito ao contraditório – que estou abertamente propondo.
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A crise política e os limites da democracia liberal como vetor de desenvolvimento soberano no Brasil e na América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU