06 Julho 2015
Justamente enquanto, na Europa, todos os olhos estão sobre o referendo grego, o Papa Francisco começa nesse domingo a sua viagem à América Latina, a partir de um país que – apesar de estar do outro lado do mundo – tem algo de interessante a dizer sobre questões como calote, renegociação da dívida e socialismo do século XXI.
A reportagem é de Giorgio Bernardelli, publicada no sítio Mission Online, 05-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Bem antes da Grécia de Alexis Tsipras, o Equador de Rafael Correa, na América Latina, foi um dos países que, na última década, se inclinaram com mais decisão contra os ditames das instituições financeiras – especificamente, o Fundo Monetário Internacional (FMI). Propondo-se (ao lado da Venezuela de Hugo Chávez e da Bolívia de Evo Morales) como alternativa às políticas neoliberais.
Só que o Equador também é um país que, há semanas, vive um clima social muito tenso, com manifestações de rua focadas contra a reforma fiscal de Correa, nascida das sugestões de Thomas Piketty, o economista francês muito popular hoje, entre os admiradores de Tsipras.
O congelamento da medida não foi suficiente para que o presidente do Equador freasse os protestos, a tal ponto que, nas últimas horas, o governo de Quito chegou a gritar a tentativa de golpe de Estado.
Mas o fato é que – apesar dos resultados da revolución ciudadana, com passos importantes na luta contra a pobreza –, hoje, algo no Equador parece ter se bloqueado. E uma série de contradições estão vindo à tona.
Por isso, vale a pena repassar toda a parábola desse país, mantendo como pano de fundo o episódio de Atenas, mas também o que o Papa Francisco escreve na encíclica Laudato si'.
No ano 2000, o Equador era um país, de muitos modos, semelhantes à Grécia de hoje, com um sistema financeiro tão falido a ponto de tomar o caminho da dolarização: Quito abandonou o sucre, a sua moeda, para adotar o dólar norte-americano, no âmbito de um tratamento pesado imposto pelo FMI, que previa que grande parte das receitas do petróleo (que o Equador extrai na Amazônia) fossem para pagar a dívida.
E, em 2006, o economista Rafael Correa venceu as eleições presidenciais no Equador, justamente fazendo como Tsipras: contestando essa configuração.
Assim, uma vez eleito, a sua primeira medida foi a declaração da ilegitimidade dos três bilhões de dólares da dívida internacional do Equador, dizendo-se disposto a ir perante os tribunais internacionais para defender a decisão de não pagá-la.
De sua parte, desde o início, ele teve o apoio fundamental de uma potência petrolífera como a Venezuela de Chávez. E, graças a isso, no arco de dois anos, o Equador conseguiu encerrar a renegociação de 90% da sua dívida, liberando recursos que, assim, pôde investir na luta contra a pobreza e na educação. Tudo isso continuando a se distanciar de Washington, para, ao contrário, olhar para a China, em busca de novos parceiros para os seus abastecimentos.
Enquanto isso, Correa aprovava uma nova Constituição, em que se afirma o princípio da igual dignidade das populações indígenas e a prioridade da proteção do ambiente. E, justamente em nome desse compromisso, ele também lançava a iniciativa sobre as reservas naturais de Yasuní, uma floresta tropical amazônica considerada uma das maiores reservas mundiais de biodiversidade, que esconde no seu subsolo uma imensa jazida de petróleo.
"O Equador está disposto a deixar intacta a reserva de Yasuní – foi a promessa de Correa – se a comunidade internacional aceitar nos compensar com a metade das receitas que o país obteria a partir da exploração desse petróleo."
Na nova Constituição, porém, havia também maiores poderes para o presidente, que não deixou de usá-los, especialmente contra os meios de comunicação hostis (exatamente como na Venezuela), mas também contra os protestos das comunidades locais.
Porque, enquanto isso – em nome do desenvolvimento trazido pela revolución ciudadana –, na floresta amazônica, avançavam também as minas a céu aberto.
No fim, a iniciativa para a proteção da reserva natural de Yasuní também naufragou. Correa, assim, pôde acusar de "hipocrisia" os grandes líderes mundiais; exceto, depois, pelo fato de ter dado a sua luz verde para o projeto de extração, com as perfurações no oásis da biodiversidade que deveriam começar no próximo ano, apesar da oposição dos waorani, os índios que, nessa região da Amazônia, vivem desde sempre.
O ponto é que, hoje, Correa não pode abrir mão do petróleo de Yasuní. Porque, nos últimos anos, o crescimento econômico do Equador se baseou totalmente nas vendas de petróleo bruto, o que, por si só, contribui quase com a quase metade das receitas da balança comercial do país.
Com outro detalhe não pequeno: Correa construiu a sua fortuna política nos anos em que o petróleo era cotado ao redor dos 100 dólares por barril; agora – há vários meses – ele desceu estavelmente abaixo dos 60 dólares.
Portanto, agora, as contas novamente começam a rachar. Para ajustá-las, alguns meses atrás, Quito assinou novos contratos com Pequim, que antecipou o dinheiro para mais fornecimentos de petróleo. Só que esses contratos têm cláusulas que realmente cedem partes do subsolo da floresta para o novo financiador. E, em Quito, começam a se perguntar se a situação é realmente tão diferente de quando a dívida era contraída com o FMI.
Por isso, justamente aquelas comunidades indígenas, cujos direitos, em teoria, foram escritos claramente na nova Constituição, hoje estão aliadas no protesto contra Correa com as grandes oligarquias que ainda detêm as maiores riquezas do país e contestam a escalada dos impostos sobre as heranças e as rendas financeiras.
Em suma: os últimos 15 anos da história do país, que recebe o Papa Francisco, parecem o resumo das contradições trazidas à tona por Bergoglio na encíclica Laudato si', que aponta o dedo para as graves responsabilidades do mundo financeiro, certamente.. Mas também explica que não há desenvolvimento verdadeiro se a economia é fundamentada sobre bases insustentáveis a longo prazo.
Isso não significa que toda a parábola política de Correa deve ser jogada ao mar, obviamente. Mas a revolución ciudadana ensina que o "não" à grande finança, por si só, não basta. Ao mesmo tempo, é preciso construir alternativas sérias, baseadas em um novo modelo de desenvolvimento e não só em novas alianças políticas.
O Equador pode se tornar um laboratório interessante nesse sentido, ou se transformar no fim de uma ilusão. A esperança é de que justamente estes dias com o Papa Francisco ajudem esse país hoje em crise a escolher a primeira das duas alternativas.
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A parábola grega do Equador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU