21 Mai 2015
"O presidente da Câmara de Comércio Brasil-China, Charles Tang, nem disfarça. (...) Ui, é de doer… Ainda mais doído é o modo distorcido de exaltar a presença chinesa no Brasil. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, espera que nosso país possa se tornar uma plataforma de produção local de bens industriais chineses", escreve Beatriz Carvalho Diniz, consultora de Comunicação e Sustentabilidade, em artigo publicado por EcoDebate, 20-05-2015.
Eis o artigo.
A China quer construir uma estrada de ferro através da floresta amazônica. O percurso proposto é de 5.300 quilômetros no Brasil e Peru, começando perto do Porto do Açu, no estado do Rio de Janeiro, passando por Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre. A ferrovia cortaria florestas de maior biodiversidade no mundo, ligando a costa atlântica brasileira com a costa peruana do Pacífico, para reduzir custos de transporte de petróleo, minério de ferro, soja e outras commodities que a China importa. É de chorar de joelhos só de pensar no insustentável modo chinês de obrar seus megaempreendimentos para viabilizar o estúpido crescimento econômico custe o que custar.
Os prováveis impactos sobre o meio ambiente, populações tradicionais e indígenas são fortemente preocupantes. Não podemos ser pegos de surpresa já com a decisão tomada pelas ôtoridades, em nome de todos os brasileiros, de fechar esse negócio da China. A natureza não tem fronteiras, um grande estrago feito aqui tem consequências mundo afora, e estamos no momento mais grave que a humanidade já enfrentou exatamente porque extrapolamos limites. Todos precisamos de florestas em pé, para captura de carbono, para manter fontes de água doce, para regular o clima globalmente.
A informação que o ministério das Relações Exteriores divulgou é que a China fará no Brasil investimentos de aproximadamente 50 bilhões de dólares. Parece ótimo, né? Só que não necessariamente. Tanto pelos problemas ambientais e sociais que a construção e a operação da ferrovia devem gerar, quanto pela governança frouxa que marca as construções gigantescas por aqui [licenciamentos contestados, condicionantes não cumpridas], causa insegurança jurídica [suspensão de licenças, paralisação de obras] e faz de obras atrasadas oportunidade de “tirar vantagem”[aditamentos de contratos, aumento de preços].
Precisamos saber mais. O primeiro ministro chinês Li Keqiang, em turnê por países da América Latina, incluindo Brasil [18 e 19/05], traz para a região um plano com vários projetos pesados de infraestrutura. Um canal na Nicarágua, uma estrada de ferro na Colômbia, essa monstruosa ligação Brasil/Peru. De acordo com o jornal inglês The Guardian, o investimento chinês na América Latina deve sair do Banco de Desenvolvimento da China. As obras seriam executadas por empresas locais e chinesas. E o interesse da China é também criar negócios para suas empresas siderúrgicas e de engenharia atingidas pela desaceleração da economia por lá.
Os chineses são colecionadores de degradações do meio ambiente, poluidores número 1 no planeta. Muito espertos, querem garantir o crescimento econômico lá às custas do meio ambiente e da qualidade de vida aqui. Os desafios logísticos dão a dimensão da grandeza dos impactos, como construir por entre florestas densas, pântanos, deserto, montanhas e áreas em que há conflitos, traficantes de drogas, madeireiros, mineradores. É a velha “estratégia” de europeus e norte-americanos lidarem com países “pobres” na versão BRICS.
O presidente da Câmara de Comércio Brasil-China, Charles Tang, nem disfarça: “O quintal dos Estados Unidos está se transformando no da China. E não só o Brasil, mas toda a América Latina”. Ui, é de doer… Ainda mais doído é o modo distorcido de exaltar a presença chinesa no Brasil. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, espera que nosso país possa se tornar uma plataforma de produção local de bens industriais chineses. Que futuro próspero, hein, produzir bugigangas e vender aqui mesmo para os chineses faturarem.
Grande demais para passar despercebido, o projeto de construção da estrada de ferro Brasil/Peru é avaliado como tremendamente controverso pela diretora da Iniciativa para o Investimento Sustentável América China-América Latina, Paulina Garzón. Ela alerta para os erros do passado, de desconsiderar estudos de impacto ambiental e consultas à população local, e sugere que seria inteligente estabelecer um processo robusto de diálogo com stakeholders desde o início, pois é possível que a ferrovia seja o centro das atenções das organizações da sociedade civil da América Latina.
O título da matéria do The Guardian diz tudo: China’s Amazonian railway ‘threatens uncontacted tribes’ and the rainforest ou em tradução livre Ferrovia amazônica da China ameaça tribos isoladas e a floresta tropical. Aliás, nela foram citadas as obras da Transamazônica, de Belo Monte e de Carajás como exemplos da pouca preocupação com os impactos sobre o meio ambiente e as pessoas em empreendimentos brasileiros de infraestrutura. E do jeitinho como é “vantajoso” obrar por aqui, capaz do BNDES financiar o aparentemente lindo investimento chinês com todo apoio dos governos federal e estaduais e do congresso. Vamos mesmo chancelar mais esse “negócio da China” no Brasil?
Veja o pouco que nos informa o Subsecretário-geral de Política do ministério das Relações Exteriores embaixador José Graça Lima, encarregado do Itamaraty sobre as relações com a Ásia e a Oceania, no G1.
Saiba mais sobre a “promessa” da China que o governo brasileiro acha que é milagrosa.
E, mais recente, leiam, ainda, a matéria Brasil e China vão construir ferrovia do Atlântico ao Pacífico.
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Negócio da China de ‘obrar’ aqui é um risco desgraçado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU