29 Abril 2017
Em uma conferência de paz realizada no mais antigo centro muçulmano de aprendizagem do mundo, na sexta-feira, o papa Francisco pediu aos líderes religiosos globais que condenem o extremismo violento e "desmascarem a violência maquiada como suposta santidade".
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 28-04-2017. A tradução é de Luisa Flores Somavilla.
Em seu primeiro discurso durante a visita cuidadosamente programada de dois dias à capital egípcia, onde há apenas três semanas extremistas muçulmanos mataram dezenas de pessoas em um bombardeio a duas igrejas cristãs, o Papa disse aos líderes religiosos que era seu dever "condenar [essas]... caricaturas de adoradores de Deus".
Lembrando que Moisés recebeu os Dez Mandamentos no Monte Sinai, que fica do outro lado do Golfo de Suez, do Cairo, o Papa lembrou um dos mandamentos aos participantes da conferência no país de maioria muçulmana: "Não matarás".
"Juntos... digamos, mais uma vez, um firme e claro 'Não!' a todas as formas de violência, vingança e ódio em nome da religião ou em nome de Deus", disse Francisco. "Juntos vamos afirmar a incompatibilidade da violência e da fé, da crença e do ódio."
O Papa discursou, no dia 28 de abril, na Al-Azhar, universidade e mesquita fundada no século X, considerada a mais alta instituição teológica no Islã sunita.
Foram as primeiras observações do que se espera que seja uma série de discursos diretos de Francisco durante sua visita de 27 horas ao Egito, em que o papa está conciliando o encontro inter-religioso e questões geopolíticas delicadas.
As últimas questões ficaram explícitas tanto na fala em Al-Azhar quanto no discurso de Francisco de sexta-feira à tarde aos líderes políticos do Egito.
Ao final de suas observações em Al-Azhar, o papa falou sobre a ascensão de movimentos populistas, dizendo que era "perturbador ver a ascensão das formas demagógicas de populismo".
"Elas certamente não ajudam a consolidar a paz e a estabilidade", disse Francisco. "Nenhuma incitação à violência garantirá a paz, e toda ação unilateral que não promova processos construtivos e compartilhados acaba sendo um presente para os defensores do radicalismo e da violência."
Em seu discurso aos líderes políticos egípcios, Francisco disse ao presidente egípcio Abdel Fattah el-Sisi que o país desempenha um "papel único" no Oriente Médio na "busca por soluções para problemas complexos e urgentes que precisam ser enfrentados agora para evitar a propagação de uma violência ainda pior".
Referindo-se à natureza do Antigo Testamento de José, que salvou o Egito da fome armazenando comida durante o período de abundância, o papa disse que o Egito hoje deve "salvar esta terra amada da fome de amor e fraternidade".
Referindo-se indiretamente aos ataques de 9 de abril que mataram 45 pessoas, o papa disse ao presidente: "Nenhuma sociedade civilizada pode ser construída sem o repúdio a toda ideologia do mal, da violência e do extremismo que reprima os outros e aniquile a diversidade".
"É nosso dever desmascarar os vendedores de ilusões da vida após a morte, aqueles que pregam o ódio para roubar o simples da vida no presente e o direito à vida digna", disse Francisco. "É nosso dever desarticular ideias mortais e ideologias extremistas e sustentar que fé e violência, Deus e assassinatos são incompatíveis".
Francisco desembarcou no Cairo em 28 de abril, no que parecia ser um dos mais fortes sistemas de segurança dentre as visitas papais.
Tropas militares rodearam o avião do papa em sua descida ao asfalto. Várias camionetas carregavam metralhadoras perto da multidão. Funcionários da segurança também caminhavam dentro e fora da área vasculhando embaixo dos carros com espelhos.
Conforme a comitiva papal encaminhava-se à conferência de Al-Azhar, carros HMMWV blindados ficavam ao seu lado de tempos em tempos. O serviço de celular foi desativado no evento, em uma aparente tentativa de evitar o uso de explosivos radioativados.
Para manter desconhecida a localização do papa, por motivos de segurança, o Vaticano pediu aos jornalistas para não divulgar os locais dos eventos de 28 de abril enquanto eles não tivessem ocorrido.
A escolha do local para a reunião do papa com os líderes políticos também chamou a atenção.
Na maioria dos países, o papa se reúne com líderes em um palácio presidencial ou edifício parlamentar. Nesta visita, ele encontrou-se com os líderes em um hotel, aparentemente escolhido por ficar a menos de uma milha de distância do edifício onde a conferência de paz seria realizada em Al-Azhar e por reduzir o tempo que Francisco ficaria na rua no Cairo.
A programação da visita do papa previamente distribuída aos egípcios também não mencionava que o papa visitaria a sede da Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria, cujas igrejas foram atacadas em 9 de abril. A igreja fica a cerca de 16km do hotel onde Francisco se reuniu com líderes políticos.
Francisco falou, em Al-Azhar, durante uma conferência conduzida pelo líder da instituição, Grand Imam Ahmed el-Tayeb. Em suas longas palavras de boas-vindas ao pontífice, el-Tayeb disse que os líderes religiosos têm de trabalhar para "libertar as religiões de conceitos equivocados".
"O Islã não é uma religião terrorista porque um grupo de seguidores manipula os textos islâmicos com insensatez e os interpreta com ignorância", disse o imã. "Se acolhermos acusações como foi contra o Islã, nenhuma religião, regime, civilização ou história ficará impune à violência e ao terrorismo."
Depois do discurso de El-Tayeb, Francisco e o imã abraçaram-se carinhosamente durante um bom tempo.
Francisco começou sua fala dizendo aos participantes da conferência que ele queria apenas fazer "uma reflexão, recorrendo à gloriosa história desta terra". Ele se concentrou na história do Egito como uma terra de civilizações e uma terra de alianças.
O Papa disse que o país tem se esforçado para buscar conhecimento desde a antiguidade, quando foi pioneiro em descobertas matemáticas e astronômicas.
"A busca pelo conhecimento e o valor atribuído à educação foram consequência de decisões conscientes dos antigos habitantes desta terra", disse o Papa. "Precisamos de decisões semelhantes para o nosso futuro, decisões de paz e pela paz, pois não haverá paz sem uma educação adequada para as próximas gerações."
Francisco também trouxe uma longa reflexão sobre o significado de ter sabedoria.
"A sabedoria procura o outro, superando as tentações de se enrijecer e se fechar, está sempre aberta e em movimento", disse ele.
"A sabedoria não se cansa, mesmo no presente, de procurar oportunidades de encontro e partilha... percebe que o mal só gera mais mal e a violência gera mais violência, numa espiral que acaba aprisionando a todos", continuou.
O papa identificou três coisas que podem ajudar nas tentativas de diálogo inter-religioso: respeitar a diversidade de identidades, aceitar as diferenças e ter intenções sinceras.
"O diferente... não deve ser visto ou tratado como inimigo, mas sim acolhido como companheiro de viagem acreditando verdadeiramente que o bem de cada um é o bem de todos", disse Francisco. "O diálogo... não é uma estratégia para alcançar objetivos específicos, mas sim um caminho à verdade, que merece ser trilhado pacientemente para transformar competição em cooperação".
O papa também disse aos participantes que os religiosos são chamados a "construir civilidade".
"A única alternativa à civilidade do encontro é a não civilidade do conflito", disse ele. "Para combater a barbárie de quem fomenta o ódio e a violência de maneira eficaz, precisamos acompanhar os jovens... ensinando-os a responder à lógica incendiária do mal, trabalhando com paciência em prol da bondade".
A viagem de Francisco continua no dia 28 de abril, com uma visita à Catedral de São Marcos, da Igreja Copta Ortodoxa, onde ele se reunirá e conversará com seu líder, o Papa Tawadros II.
A Igreja Copta Ortodoxa de Alexandria é minoria no Egito, onde aproximadamente 90% da população de cerca de 92 milhões de pessoas se identifica como muçulmano.
A igreja atribui sua fundação ao apóstolo Marcos e é uma das seis igrejas que formam a Ortodoxia Oriental. Essas Igrejas, que juntas têm cerca de 84 milhões de membros, reconhecem apenas os três primeiros concílios ecumênicos, pois romperam com as outras Igrejas cristãs no século V.
A visita de Francisco ao Egito terminará em 29 de abril com uma missa para a pequena população católica do país e um encontro com sacerdotes, seminaristas e membros de ordens religiosas. O papa deve voltar a Roma na mesma noite.
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No Egito, Francisco pede que as religiões condenem "a violência disfarçada de santidade" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU