15 Mai 2015
"Segundo o novo guia alimentar para a população brasileira, esses alimentos (bebidas à base de soja) devem ser evitados pois não devem fazer parte de uma alimentação adequada e saudável”, alerta a nutricionista.
Foto: bemtododia.com.br |
Pessoas que optam por uma alimentação mais saudável, ao invés de comprarem automaticamente produtos light ou diet, devem "comparar a tabela nutricional e a lista de ingredientes do alimento light ou zero e a sua versão tradicional e prestar atenção se no lugar de menos açúcar, se está consumindo mais sódio, por exemplo", orienta a nutricionista.
Entre possíveis medidas para não confundir os consumidores, a nutricionista sugere “não permitir o uso das alegações diet, light, zero” nos rótulos. Segundo ela, atualmente a Anvisa discute a possibilidade de “melhorar e destacar a informação sobre a composição dos alimentos na lista de ingredientes, para ajudar os consumidores a fazer escolhas mais saudáveis”.
Recentemente, o Idec publicou uma pesquisa analisando o rótulo de 53 bebidas que utilizam edulcorantes (adoçantes) e outros aditivos com o objetivo de verificar se os produtos informam corretamente a quantidade de edulcorantes presentes na fórmula e se a quantidade por porção está adequada segundo o limite estabelecido pela Anvisa. De acordo com a nutricionista do Idec, “apesar de as empresas no geral cumprirem a legislação, muitos produtos possuem quantidade de adoçante muito próxima do limite máximo de consumo, principalmente para crianças”. Mas as rotulagens dos produtos, acrescenta, “nem sempre informam da maneira mais clara possível, ferindo o direito básico do consumidor à informação previsto no Artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor”. Ana Paula explica que “uma das marcas informa apenas o código do adoçante, e não o nome” e “nenhuma das bebidas à base de soja informa a quantidade de adoçante dos produtos, pois se aproveitam de uma brecha nos regulamentos”.
Ana Paula Bortoletto é graduada em Nutrição pela Universidade de São Paulo - USP, mestre e doutora em Nutrição em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Atualmente é pesquisadora em alimentos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - Idec e pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde - NUPENS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Recentemente o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec divulgou pesquisa sobre o rótulo de produtos que utilizam edulcorantes, os adoçantes, em sua fórmula. Quais foram os principais resultados deste estudo?
Foto: sare.com.br
Ana Paula Bortoletto Martins - O Idec realizou um estudo de avaliação de rótulos de diversas categorias de bebidas light, diet ou zero, ou seja, que possuem edulcorantes (adoçantes) em sua composição. Os principais resultados do estudo foram que, apesar de as empresas no geral cumprirem a legislação, muitos produtos possuem quantidade de adoçante muito próxima do limite máximo de consumo, principalmente para crianças. Por exemplo: uma criança de 30 kg pode consumir no máximo dois copos de 200 ml de refrigerante para atingir o limite máximo de consumo do dia de ciclamato de sódio.
Ainda, os rótulos nem sempre informam o consumidor da maneira mais clara possível, ferindo o direito básico do consumidor à informação previsto no Artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, e alguns utilizam personagens infantis, que são uma forma de publicidade dirigida a crianças, considerada abusiva e proibida pelo Código. Exemplos: uma das marcas informa apenas o código do adoçante, e não o nome; nenhuma das bebidas à base de soja informa a quantidade de adoçante dos produtos, pois se aproveitam de uma brecha nos regulamentos.
IHU On-Line - Quais são as principais confusões feitas pelos consumidores em relação aos produtos que têm as indicações de diet, light e zero nos rótulos? Que pessoas devem consumir cada um desses alimentos?
Ana Paula Bortoletto Martins - Essas alegações geram confusão porque da forma como são apresentadas nos rótulos, dão a impressão que os produtos light, diet ou zero sempre são mais saudáveis, porém, cada uma delas têm um significado diferente. As alegações são usadas apenas como estratégia de marketing, o consumidor nunca pode se esquecer disso, para não ser enganado. Além disso, o fato de ter o teor reduzido ou não ter açúcar não quer dizer que o alimento como um todo é saudável.
Light é o alimento que tem 25% a menos de algum nutriente, no caso das bebidas a base de soja, é o açúcar, que é substituído em parte por adoçante. Pessoas que precisam evitar o consumo de açúcar, podem optar por esses produtos, porém, esses produtos que têm menos açúcar podem ter mais calorias ou mais sódio do que a versão tradicional. Essa é a grande questão, ser light não quer dizer que o alimento como um todo é mais saudável, mas sim que ele tem alguma alteração em algum nutriente específico.
Zero ou diet é o alimento que não contem algum nutriente, que no caso das bebidas, o açúcar é substituído totalmente por adoçante. Pessoas que precisam restringir seu consumo de açúcar ou de calorias podem optar por esses produtos como pessoas com diabetes ou obesidade. Novamente a confusão é a mesma, um produto zero açúcar pode ter calorias de outras fontes, ou ter mais sódio que a versão tradicional.
IHU On-Line - Pessoas sem restrições alimentares, podem consumir produtos light e diet?
Ana Paula Bortoletto Martins - Podem, mas não precisam. Esses alimentos não são recomendados para pessoas saudáveis, sem restrições alimentares e não devem se expor ao consumo de substâncias.
IHU On-Line - Que características (percentual de proteinas, de gordura, de açúcar) são importantes de serem observadas quando vai se comprar produtos light, diet e zero?
Ana Paula Bortoletto Martins - É difícil dizer o que deve-se olhar porque isso varia de acordo com a categoria do alimento. Uma sugestão é comparar a tabela nutricional e a lista de ingredientes do alimento light ou zero e a sua versão tradicional e prestar atenção se no lugar de menos açúcar, se está consumindo mais sódio, por exemplo. Nem sempre as trocas compensam, ainda mais para quem não precisa consumir esses produtos. Pode ser também que a lista de ingredientes aumente bastante no caso da versão light, que geralmente tem mais aditivos alimentares como aromatizantes e emulsificantes, para deixar o produto com a mesma aparência e cor do original.
IHU On-Line - Poucas pesquisas são realizadas sobre os edulcorantes e outros aditivos. Dessa forma, como são estabelecidos pela legislação limites seguros para o uso dessas substâncias nos alimentos?
Ana Paula Bortoletto Martins - Os limites são estabelecidos a partir de dados de outros países, que são analisados por um comitê especialista em aditivos alimentares da Organização Mundial de Saúde, chamado de Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives - JECFA. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, o órgão responsável em regular o uso de adoçantes no Brasil, adota os limites estabelecidos por esse comitê.
IHU On-Line - Apesar do potencial risco que podem causar à saúde, no Brasil é permitido o uso de substâncias como o ciclamato de sódio. Mesmo tendo sido banido em outros países, como os Estados Unidos, esse aditivo está presente com frequência nos alimentos brasileiros. A que se atribui esse tipo de conduta da legislação e das indústrias de produtos alimentícios do Brasil?
Ana Paula Bortoletto Martins - A ausência de estudos realizados no Brasil é um grande problema, que faz com que a Anvisa dependa de estudos realizados em países com características muito diferentes da população brasileira. Além disso, os estudos científicos utilizados na tomada da decisão nem sempre são isentos de conflitos de interesse, pois podem ser financiados pelas próprias indústrias que querem usar a substância.
A elaboração e revisão dos regulamentos na área de alimentos é realizada por diferentes órgãos que incluem a Anvisa, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, o Ministério da Justiça, etc. Esses órgãos nem sempre atuam de maneira conjunta, o que gera a falta de harmonização entre as normas publicadas por diferentes Ministérios, que abrem brechas para a indústria e geram informações enganosas para os consumidores, como é o caso das bebidas à base de soja.
Uma outra dificuldade é a questão de aumentar a transparência e a participação social nesses espaços. Os representantes das indústrias estão sempre em todos esses espaços, pressionando para que seus interesses sejam garantidos; porém nem sempre estão presentes representantes de outros setores da sociedade para defender os interesses da saúde pública e dos consumidores.
IHU On-Line - Quais os principais problemas em relação às bebidas feitas à base de soja, ou à rotulagem dessas bebidas?
Ana Paula Bortoletto Martins - O maior problema é o marketing que é feito em relação a essas bebidas, que são vendidas como produtos mais saudáveis e com apelo para crianças. Quando na verdade elas também são bebidas açucaradas, que até podem ter um pouco menos açúcar (por causa da brecha na norma), mas que continuam sendo alimentos ultraprocessados. Segundo o novo guia alimentar para a população brasileira, esses alimentos devem ser evitados, pois não devem fazer parte de uma alimentação adequada e saudável, conforme recomenda o Ministério da Saúde. Mais informações sobre as bebidas açucaradas podem ser vistas aqui.
IHU On-Line - Como o Idec atua na defesa dos direitos do consumidor nesse campo que ao mesmo tempo envolve questões de saúde pública, de formulação de regras e de interesses econômicos das indústrias?
Ana Paula Bortoletto Martins - O Idec acompanha e participa de diversos fóruns em que o assunto da regulação de alimentos é discutido em diferentes esferas e busca ampliar a participação da sociedade civil nesses espaços, pois eles são dominados principalmente por representantes das indústrias. Existem formas de participação social em diferentes níveis, que vão desde consultas públicas em que qualquer cidadão pode dar sua opinião sobre os temas (via internet), audiências públicas, conselhos de participação social e reuniões técnicas organizadas pelos órgãos competentes.
Na Anvisa, por exemplo, o Idec é membro do Conselho Consultivo, da Câmara Setorial de Alimentos e ainda participa das discussões técnicas em grupos de trabalho sobre rotulagem de alimentos. O Idec também é membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea, que é um espaço de controle social ligado diretamente à Presidência da República e que conta atualmente com um grupo de trabalho que discute o tema da regulação de alimentos. Como o Idec é uma organização não governamental independente, que sobrevive apenas com contribuições de pessoas físicas, nem sempre consegue financiamento para estar em todos os espaços, mas buscamos selecionar os que são mais estratégicos e estamos sempre em busca de mais apoiadores para ampliar a nossa atuação na defesa dos direitos dos consumidores.
IHU On-Line - De que forma a rotulagem dos alimentos poderia oferecer um serviço mais eficaz para o consumidor, além de simplesmente indicar quais são as substâncias utilizadas nas fórmulas dos produtos, informação que não tem uma utilidade prática para quem consome?
Ana Paula Bortoletto Martins - Uma opção seria não permitir o uso das alegações diet, light, zero, etc., que são utilizadas apenas como uma ferramenta de marketing para estimular o consumo desses produtos, que ficam com uma imagem de serem mais saudáveis, quando na verdade eles deveriam ser consumidos apenas por pessoas com restrições alimentares. Porém, precisaremos de muito esforço e pressão para mudar essa norma que já existe.
Outra opção que está em discussão na Anvisa é melhorar e destacar a informação sobre a composição dos alimentos na lista de ingredientes, para ajudar os consumidores a fazer escolhas mais saudáveis.
IHU On-Line - Como o consumidor pode ser protegido dos subterfúgios utilizados pelas indústrias para se enquadrarem em legislações mais brandas, uma vez que o rigor das regras não é padronizado? Por exemplo, no caso das diferenças nas definições de alimento e bebida, que para o consumidor, na prática, são a mesma coisa, mas são regidos por regras diferentes e, por esse motivo, fabricados de maneiras diversas. Os alimentos são regidos pela legislação fixada pela Anvisa, mais branda que a do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que fiscaliza as bebidas. Essa conduta não seria uma forma de lesar o consumidor?
Ana Paula Bortoletto Martins - Sim, esse é um exemplo em que o consumidor é levado ao erro ou engano por conta da falta de padronização da legislação. Os órgãos de defesa do consumidor deveriam atuar para punir as empresas que, apesar de estarem seguindo a regulamentação específica de rotulagem, estão descumprindo o Código de Defesa do Consumidor. O Idec encaminhou os resultados da pesquisa para esses órgãos e espera que atuem nesse sentido.
IHU On-Line - Os produtos light, zero e diet, muitas vezes são anunciados para os consumidores como mais saudáveis, apesar de conterem substâncias nocivas para a saúde se consumidos em determinada quantidade, a qual não é informada. Muitas vezes são utilizados personagens infantis para ilustração dos rótulos desses produtos, incentivando o consumo também por crianças, potencializando o problema. Como o Idec atua para proteger o consumidor?
Ana Paula Bortoletto Martins - O Idec entende que toda publicidade dirigida para crianças é abusiva, pois se aproveita da deficiência de julgamento das crianças e, portanto, é ilegal segundo o Código de Defesa do Consumidor. A resolução 163 de 2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda reforça o que diz o CDC, pois especifica quais são os casos de comunicação mercadológica dirigida a crianças, incluindo o uso de personagens infantis em rótulos de alimentos.
Nesse sentido, o Idec provoca e envia denúncias de publicidades abusivas para os órgãos competentes de defesa do consumidor como a Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon e os Procons para que façam cumprir a lei. Como os poderes econômicos envolvidos são muito fortes, nem sempre esses órgãos conseguem agir; por isso, a atuação do Idec também inclui a mobilização da sociedade a apoiar e cobrar o cumprimento da lei para proteção dos direitos dos consumidores e das crianças, que são ainda mais vulneráveis.
Por Patricia Fachin e Leslie Chaves
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Rótulos confundem o consumidor e pouco informam sobre quantidade de adoçante nos alimentos. Entrevista especial com Ana Paula Bortoletto Martins - Instituto Humanitas Unisinos - IHU