15 Dezembro 2012
"O Concílio defendeu de forma aberta o pluralismo legítimo na igreja, além de explicitar uma concepção de ser humano que prima pela dignidade da pessoa humana, sua inserção social e comunitária e de sua atividade", afirma o teólogo alemão.
“Entre nós, o primaz, o papa, adquiriu uma forma inteiramente monárquico-absolutista. E isso aconteceu embora, até o século XVII/XVIII, o papa tenha governado com um consistório de cardeais”, disse o teólogo alemão Peter Hünermann na entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line.
Segundo ele, hoje há em Roma “uma forte tendência de minimizar a importância do Vaticano II. Isso se mostra tanto com referência à liturgia quanto com referência às negociações com a Irmandade de S. Pio X. Em publicações minhas, classifiquei a suspensão da excomunhão como um erro de Roma”. Questionado sobre o motivo pelo qual temas como a ordenação de mulheres e homossexuais e o fim do celibato continuam como “tabus” para a igreja, foi enfático: “Pergunte ao próprio Deus a respeito disso”.
Peter Hünermann (foto) é teólogo, professor emérito da cátedra de teologia dogmática na Universidade de Tübingen, na Alemanha. No outono de 1962, quando iniciou o Concílio Vaticano II, lecionou na Faculdade de Freiburg. De 1971 a 1982 foi professor na Universidade de Münster. De suas obras, destacamos Offenbarung Gottes in der Zeit. Prolegomena zur Christologie (Münster 1989) e juntamente com Bernd Jochen Hilberath publicou, em cinco volumes, Herders Theologischer Kommentar zum Zweiten Vatikanischen Konzil (Freiburg 2004/5).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Depois de 50 anos, qual é a atualidade do Concílio Vaticano II?
Peter Hünermann - Os grandes debates que estão ocorrendo na igreja em torno da orientação e da política eclesiásticas no presente mostram quão atuais são os resultados do Vaticano II. A grande discussão na Alemanha entre os cristãos delegados no processo de diálogo e os bispos mostra isso com toda a clareza. Em nível mundial existe uma enorme quantidade de publicações e posicionamentos, palestras e congressos sobre o Vaticano II.
IHU On-Line - Deveria haver um novo Concílio? Quais os temas que deveriam ser discutidos nos dias de hoje?
Peter Hünermann - Quando o cardeal Martini sugeriu, no marco dos eventos em torno do milênio, a realização de um Vaticano III, escrevi a ele dizendo que um sínodo geral da igreja latina me parecia mais urgente. Por quê? Muitos dos problemas que estão sendo discutidos atualmente estão solucionados nas igrejas orientais! As igrejas orientais têm um clero casado e um clero celibatário. Entre nós, a manutenção do clero meramente celibatário está causando problemas consideráveis. Nas igrejas orientais, os patriarcas estão inseridos num respectivo sínodo sagrado. Entre nós, o primaz, o papa, adquiriu uma forma inteiramente monárquico-absolutista. E isso aconteceu embora, até o século XVII/XVIII, o papa tenha governado com um consistório de cardeais. Algo semelhante se aplica, de modo atenuado, aos bispos locais. Muitas igrejas orientais – também igrejas orientais unidas – aceitam mulheres no clero. Muitas igrejas orientais conservaram o diaconato para mulheres. Nas igrejas orientais, a questão dos divorciados que voltaram a casar é tratada de maneira diferente da igreja latina. Neste caso há necessidade de pôr as coisas em ordem antes de convocar um novo concílio.
IHU On-Line - Em que medida o Concílio Vaticano II é uma tentativa de reconciliação da Igreja Católica com as culturas não europeias, com os judeus e outras igrejas cristãs?
Peter Hünermann - O Concílio defendeu explicitamente um pluralismo legítimo na igreja. No documento sobre as igrejas orientais (n. 2) se afirma o seguinte: “esta é a intenção da Igreja Católica: que permaneçam salvas e íntegras as tradições de cada igreja particular ou rito. E ela mesma quer igualmente adaptar a sua forma de vida às várias necessidades dos tempos e lugares.”
Essa pluralidade, que também se refere à liturgia, espiritualidade, ordens eclesiásticas diversas, usos e costumes, é designada expressamente como uma riqueza da igreja (cf. Unitatis Redintegratio, n. 15).
Na constituição eclesiástica Lumen Gentium e no decreto sobe a relação com as outras religiões, reafirma-se expressamente a eleição permanente do povo de Deus do Antigo Testamento, rejeita-se o antissemitismo e se confirma a unidade da igreja e de Israel. Em consonância com isso, muitos textos da liturgia, por exemplo da sexta-feira santa, foram alterados e reformulados. A relação com as igrejas da Reforma foi fundamentalmente aprofundada.
Constatou-se que os atuais cristãos protestantes “não podem ser acusados do pecado da separação”. “Pois que creem em Cristo e foram devidamente batizados, estão numa certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica” (Unitatis Redintegratio, n. 3). O Espírito Santo atua também nessas comunidades protestantes (ibidem).
IHU On-Line - Por que temas como a ordenação de mulheres e homossexuais e o fim do celibato continuam sendo temas tabu para a Igreja?
Peter Hünermann - Pergunte ao próprio Deus a respeito disso.
IHU On-Line - Em que medida um novo Concílio poderia trazer novos ares a essas problemáticas?
Peter Hünermann - Os novos ares já foram trazidos pelo Vaticano II.
IHU On-Line - Como o senhor interpreta as recentes decisões da cúria romana em retomar costumes litúrgicos anteriores ao Vaticano II, ou então reabilitar o movimento lefebvriano? Por que esse recuo da Igreja?
Peter Hünermann - Atualmente existe em Roma uma forte tendência de minimizar a importância do Vaticano II. Isso se mostra tanto com referência à liturgia quanto com referência às negociações com a Irmandade de S. Pio X. Em publicações minhas, classifiquei a suspensão da excomunhão como um erro de Roma.
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"O Vaticano II defendeu explicitamente o pluralismo legítimo na Igreja". Entrevista especial com Peter Hünermann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU