07 Dezembro 2011
"Dependendo do enfoque, os temas propostos na Rio+20 podem ser mais uma cortina de fumaça nas soluções dos problemas de fundo, ocasionados pela crise ambiental planetária", aponta o integrante da Coordenação da Rede Brasileira de Integração dos Povos – Rebrip.
Confira a entrevista.
"Os temas colocados pela ONU para essa Conferência demonstram um processo de recuo no enfrentamento dos problemas globais da crise ambiental planetária", diz Pedro Ivo de Souza Batista, ao avaliar a agenda de discussões da Rio+20, que acontecerá no próximo ano. Crítico ao tema principal do encontro, ele diz que a discussão central deveria questionar "o modelo de desenvolvimento e nele pensar a economia, as questões sociais, as questões ambientais de forma integrada". "Em lugar disso, o centro do debate será a economia verde no contexto da erradicação da pobreza e governança mundial, proporcionando um enfoque bastante limitado e com grande risco do debate concentrar-se em saídas para o grande capital", reitera.
Na avaliação de Batista, a discussão sobre o crescimento econômico não pode ser linear porque cada país deve levar em consideração a sua realidade conjuntural. "Em muitas partes do globo precisamos enfrentar desafios relacionados à pobreza e ao baixo consumo, mas, em outras partes, o desafio é diminuir o consumismo e um estilo de vida insustentável. Por isso o Brasil não pode copiar os modelos de desenvolvimento depredador hegemônico e o mundo não pode copiar o modelo de desenvolvimento dos EUA, do Japão e de certos países da Europa, já que não haveria planeta suficiente para comportar esses modelos", propõe, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
Pedro Ivo de Souza Batista também comenta as alterações do novo texto do Código Florestal e enfatiza: "Se a presidente não vetar os principais artigos incluídos pelo Congresso Nacional, os quais prejudicam o país e as nossas florestas, a posição brasileira ficará extremamente fragilizada no debate internacional e a Conferência da ONU se transformará, no mínimo, em Rio "menos’ 20".
Pedro Ivo de Souza Batista é membro da Associação Alternativa Terrazul, integrante da equipe de coordenação da Rede Brasileira de Integração dos Povos – Rebrip e do Grupo Articulador do Comitê Facilitador da Sociedade Civil para a Rio+20.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quem integra o Comitê Facilitador da Sociedade Civil – CFSC Rio+20 e a Cúpula dos Povos na Rio+20? Quais são os objetivos desses grupos?
Pedro Ivo de Souza Batista – O Comitê Facilitador da Sociedade Civil – CFSC é um espaço plural de participação dos movimentos sociais e organizações brasileiras. Ele está aberto à adesão de entidades que desejam participar do processo da Conferência Rio+20 e seu objetivo é facilitar, mobilizar e animar a cidadania, construindo posições que tenham a justiça social e ambiental como centro político. O processo da Conferência Rio+20 envolve principalmente dois momentos importantes: a própria Conferência Oficial da ONU e a Conferência da Sociedade Civil denominada Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental.
A Cúpula se realizará entres os dias 15 e 23 de junho, no Rio de Janeiro, e está sendo convocada pelo Comitê Facilitador e por várias organizações internacionais. Ela será um espaço exclusivo da sociedade civil e dos cidadãos e cidadãs que desejam contribuir para que a Rio+20 tenha posições mais próximas dos anseios populares.
O Comitê Facilitador tem um Grupo de Articulação composto por aproximadamente 20 movimentos e redes nacionais que aglutina organizações ambientalistas, indígenas, feministas, ecumênicas, sindicais, de integração regional, de negros, de jovens, de direitos humanos, de economia solidária, entre outros. (Detalhes no site www.cupuladospovos.org.br.)
IHU On-Line – Que avaliação faz da agenda de discussões que está sendo proposta para a Rio+20? Temas de interesse dos povos serão tratados na conferência?
Pedro Ivo de Souza Batista – Infelizmente, os temas colocados pela ONU para essa conferência demonstram um processo de recuo no enfrentamento dos problemas globais da crise ambiental planetária. A sensação que tenho é que de conferência em conferência, vai-se diminuindo o alcance da pauta para que as posições sejam cada vez mais distantes dos interesses populares. Seria muito importante discutirmos nessa oportunidade o modelo de produção e consumo e o que se pode fazer para mudar a tendência destrutiva do atual desenvolvimento. Seria fundamental discutir os impasses do último período de negociações dos chamados ciclos sociais e ambientais das conferências da ONU. Seria de igual importância que ONU patrocinasse uma discussão de alto nível para enfrentar a crise climática, a perda de biodiversidade, a falta de justiça socioambiental e direitos humanos, principalmente para as populações mais pobres e vulneráveis.
Em lugar disso, o centro do debate será a economia verde no contexto da erradicação da pobreza e governança mundial, proporcionando um enfoque bastante limitado e com grande risco do debate concentrar-se em saídas para o grande capital. Mesmo com essas limitações, a sociedade civil fará o bom combate e tentará influenciar para que os acordos sejam progressistas. Por isso que a Cúpula dos Povos terá como centro a justiça social e ambiental; afinal, para a maioria das populações do mundo a crise ambiental planetária implica em tirar-lhes direitos e territórios, destruindo ainda mais a natureza. Essa realidade não pode ser omitida em função de uma genérica discussão sobre economia verde.
IHU On-Line – Em que consiste uma reintegração dos povos?
Pedro Ivo de Souza Batista – Na proposta de globalização que os donos do mundo vêm impondo à sociedade, percebe-se que se trata de uma globalização dos mercados com forte tendência à exclusão social. Nesse sentido, organizações e movimentos sociais de todo o mundo se opuseram a esse processo. No bojo desse processo surgiram várias redes e alianças dos movimentos sociais e organizações civis para propor outra forma de globalização que integrasse os povos numa perspectiva mais ampla, buscando não somente a relação econômica, mas também a integração social, cultural, trabalhista, etc.
No Brasil, a Rede Brasileira de Integração dos Povos – Rebrip formou-se com esse objetivo e, em perceria com outras redes semelhantes nas Américas, constitui a Aliança Social Continental. Essas novas organizações foram fundamentais para se contrapor aos modelos globalizantes neoliberais, como a Aliança do Livre Comércio das Américas – Alca, alternativas inclusivas e sob a lógica da sociedade civil. No decorrer do processo, essas redes foram incorporando à defesa por justiça ambiental como um dos elementos dessa luta internacional e estão, cada vez mais, presentes nas lutas socioambientais.
IHU On-Line – Entre os temas centrais da Rio+20, está o debate sobre o desenvolvimento da economia verde como alternativa à pobreza. Quais são hoje os limites de se discutir a economia verde, considerando todos os mecanismos financeiros em relação às questões ambientais? É possível tratar de uma economia verde e desenvolvimento sustentável?
Pedro Ivo de Souza Batista – Como acentuei antes, vejo problemas na discussão de economia verde para erradicação da pobreza. Penso que deveríamos discutir o modelo de desenvolvimento e nele pensar a economia, as questões sociais, as questões ambientais de forma integrada. Da forma como isso está sendo discutido, podemos ter soluções altamente falaciosas. Parte do agronegócio afirma que plantar soja é economia verde. Outros imaginam que plantação de monocultura de eucaliptos é também economia verde; muitos querem discutir mecanismos financeiros dissociados dos direitos das populações e, assim, conquistar mais financiamento para as grandes empresas, excluindo as comunidades que já fazem produção sustentável, gerando, por fim, mais desigualdade e pobreza.
Também o debate da pobreza não é simples, porque ele não pode ser dissociado do modelo de desenvolvimento. A hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, é uma das grandes obras que o governo brasileiro impulsiona, utilizando como justificativa a necessidade de o país crescer e erradicar a pobreza. Mas o fato é que devemos erradicar a pobreza e manter nossas florestas em pé. Por isso que deveríamos estar discutindo o modelo global de desenvolvimento, discutindo que o "crescimento" não pode ser linear, pois em muitas partes do globo precisamos enfrentar desafios relacionados à pobreza e ao baixo consumo, mas, em outras partes, o desafio é diminuir o consumismo e um estilo de vida insustentável. Por isso o Brasil não pode copiar os modelos de desenvolvimento depredador hegemônico e o mundo não pode copiar o modelo de desenvolvimento dos EUA, do Japão e de certos países da Europa, já que não haveria planeta suficiente para comportar esses modelos. A discussão é muito mais complexa e precisa de muito mais compromisso e responsabilidade global para reverter a gravidade da situação. O caso do aquecimento global, por exemplo, muitos estão tratando como uma nova oportunidade de ganhar dinheiro. O fato é que a emissão de gases não só não diminuiu, mas também teve crescimento recorde em 2011.
IHU On-Line – Qual a necessidade de aproximar a temática ambiental das discussões
socioeconômicas?
Pedro Ivo de Souza Batista – Não se trata de aproximar, mas sim de integrar esses temas: ecologia e economia. Eles jamais deveriam ser separados. O pensamento dominante assim o fez para melhor reproduzir o sistema e, em certa medida, por desconhecimento das inter-relações entre as duas áreas. Hoje, com os avanços da ciência moderna, não podemos mais ignorar que as soluções para os graves problemas incluem uma nova forma de pensar, um novo paradigma, uma visão sustentável que integre as diversas dimensões, tais como a econômica, social, política, ambiental, cultural, ética e estética.
IHU On-Line – Entre os temas a serem discutidos na Rio+20, qual agenda é mais urgente?
Pedro Ivo de Souza Batista – Dependendo do enfoque, os temas propostos na Rio+20 podem ser mais uma cortina de fumaça nas soluções dos problemas de fundo, ocasionados pela crise ambiental planetária. Mesmo assim, deveríamos nos concentrar em avanços concretos em relação às mudanças climáticas – pela urgência e gravidade do problema – e pensar a discussão da arquitetura global como uma oportunidade. Desse modo, defendo que a Conferência possa aprovar a criação de um órgão mundial para o desenvolvimento, com peso político e recursos necessários para ajudar no enfrentamento dos problemas ambientais globais. Algo que tenha peso na área da sustentabilidade, como a Organização Mundial do Comércio – OMC tem em sua área. Fortalecer o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA não é suficiente, apesar de todas as contribuições desse órgão. A luta para enfrentar a crise ambiental planetária deve ganhar um órgão com força e poder político para dar à agenda da sustentabilidade a centralidade que ela merece.
IHU On-Line – Como vê a posição do Brasil em expandir as hidrelétricas e desconsiderar a consulta prévia aos povos indígenas no caso de Belo Monte, por exemplo?
Pedro Ivo de Souza Batista – O Brasil tem tido, até agora uma posição progressista no debate mundial. O fato de ter conseguido diminuir o desmatamento, ter assumido metas para a diminuição do aquecimento e ter avançado na demarcação das terras indígenas e em unidades de conservação, coloca nosso país na vanguarda da discussão sobre desenvolvimento sustentável. Todavia, nesse último período, vemos uma tentativa enorme de retrocesso na política ambiental brasileira, como fortes indícios do aprofundamento do modelo desenvolvimentista insustentável. Belo Monte se enquadra nessa lógica e, como modelo de hidrelétrica, ela já demonstra ser equivocada; o fato de fazer isso, sem consulta prévia aos povos indígenas, só agrava o problema. Infelizmente o retrocesso não para por aí: estamos vendo a simplificação do licenciamento ambiental para grandes obras, tentativas de barrar novas demarcações em terra indígena e uma diminuuição na criação de Unidades de Conservação.
IHU On-Line – Quais são, em sua avaliação, os principais impasses do novo texto do
Código Florestal?
Pedro Ivo de Souza Batista – Sou de opinião que não era necessário termos um novo Código Florestal. Tenho forte convicção que uma atualização e uma modernização do Código vigente poderiam ser feito no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, ou por iniciativa do Executivo. Na verdade, as mudanças que estão sendo introduzidas foram provocadas não pela ineficiência do Código, mas porque a partir de 2003 ele vem sendo aplicado de forma mais efetiva, tanto que tivemos queda no desmatamento, prisão de infratores e milhões em multas, com desarticulação de quadrilhas que viviam do comércio ilegal de madeira na Amazônia.
Assim, essas mudanças que estão sendo feitas no Congresso Nacional são para beneficiar os infratores e "legalizar" o delito. Elas não vão melhorar a aplicação do Código e não são frutos de um consenso que beneficiará o povo brasileiro e protegerá as florestas, tal como insistem seus relatores, os senadores Jorge Viana e Luís Henrique. As alterações do Código beneficiarão principalmente o seguimento mais atrasado dos produtores brasileiros, que é o agronegócio. Em função disso, serão sacrificados o interesse nacional, as populações que vivem nas e das florestas e a nossa rica biodiversidade, sem falar nas graves consequências para o nosso clima e para o meio ambiente brasileiro.
Apesar de algumas melhorias pontuais incluídas no Senado em relação à Câmara dos Deputados, o Código continua favorecendo os desmatadores, promovendo a anistia, diminuindo áreas de reserva legal e Áreas de Proteção Permanente – APPs, favorecendo novos desmatamentos, além de instituir a farra do camarão em cativeiro, quando transforma a aquicultura em atividade de utilidade pública, entre mais de 39 pontos críticos observados pelo Comitê em Defesa das Florestas (http://www.comiteflorestas.org.br).
Se esse código for sancionado pela presidente Dilma Rousseff na forma como está, teremos um retrocesso histórico e de difícil reversão. Se a presidente não vetar os principais artigos incluídos pelo Congresso Nacional, os quais prejudicam o país e as nossas florestas, a posição brasileira ficará extremamente fragilizada no debate internacional e a Conferência da ONU se transformará, no mínimo, em Rio "menos" 20, em lugar de Rio "mais" 20.
IHU On-Line – Qual sua expectativa em relação à COP-17, que está acontecendo em Durban? É possível esperar um acordo em relação às mudanças climáticas? Os ambientalistas estão bastante desanimados, especialmente em relação à renovação do Protocolo de Kyoto. O que, em sua opinião, tem dificultado acordos concretos em relação a temática ambiental?
Pedro Ivo de Souza Batista – Não sou otimista em relação à COP-17. A tendência é não termos grandes decisões de lá. Mesmo assim, o movimento ambientalista e altermundialista estarão presentes lutando para que possamos ter algo consistente em Durban. O problema maior é a postura de alguns países, principalmente os que são grandes emissores de gases que afetam o clima, que sempre buscam, com raras exceções, bloquear avanços substanciais no processo; por exemplo a adoção de metas. De qualquer forma, os governantes sabem e a ONU também que a Rio+20 será outro "round" para buscar enfrentar, de forma consequente, os problemas socioambientais do planeta. Eles não vão fazer desistir; estaremos presentes dizendo que outro mundo sustentável é possível.
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''Devemos erradicar a pobreza e manter nossas florestas em pé’’. Entrevista especial com Pedro Ivo de Souza Batista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU