22 Julho 2011
Avaliar o estatuto da imagem impactada pelo software e as mídias móveis, e refletir sobre a produção audiovisual contemporânea afetada diariamente pelas novas mídias, pela mobilidade, pelo trânsito de usos, suportes, estéticas. Essa é a proposta da 9ª Semana da Comunicação, organizada pelo grupo de pesquisa Audiovisualidades e Tecnocultura: comunicação, memória e design (TCAv), que dedica-se à pesquisa e análise audiovisuais em contextos midiáticos e não midiáticos.
Segundo a jornalista e coordenadora executiva do evento, Cybeli Moraes, a intervenção dos usuários nas novas mídias digitais revela "a necessidade de pensarmos a comunicação por imagens: elas nos parecem tão "naturais’ que nos tornamos cegos por situação". Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ela enfatiza que as novas tecnologias móveis e as mídias em expansão na internet possivelmente nos farão "repensar nossas geografias, ecologias, antropologias, nossos contratos sociais; ou seja, aquela velha pergunta de onde viemos, para onde vamos, por que estamos aqui".
A 9ª Semana da Comunicação acontece de 15 a 18 de agosto no câmpus da Unisinos, em dois turnos sequenciais: de segunda a quinta, das 20h às 22h30; e nos dias 16 e 18, terça e quinta, das 14h às 17h. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas no endereço: www.semanadaimagem.portal3.com.br.
Cybeli Moraes é graduada em Jornalismo e mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos. É doutoranda na linha de Mídias e Processos Audiovisuais na mesma instituição, onde também leciona nos cursos de Jornalismo e Comunicação Digital. Participa do grupo de pesquisa TCAv – Audiovisualidades e Tecnocultura (PPGCC-Unisinos).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é objetivo da 9ª Semana da Imagem na Comunicação? Que temas serão abordados no evento?
Cybeli Moraes – Além de discutir, difundir e articular pesquisas recentes sobre os reflexos da convergência digital na produção audiovisual, acredito que o objetivo nobre da Semana seja a busca de articulação entre o ensino de graduação e a pesquisa de pós-graduação, entre os quais, muitas vezes, há um abismo. Se, no final dos anos 1990, os professores do Grupo de Estudos da Imagem na Comunicação, criadores deste evento, já percebiam a imagem como tema provocador na academia e no mercado, entre alunos e profissionais, o panorama atual me parece ainda mais revelador da necessidade de propormos esforços e metodologias de análise para as percepções que derivam de todo nosso contato com a imagem, tão onipresente na vida atual.
A imagem da qual falamos hoje deixou de ser fotografia, ou vídeo, ou cinema, ou pintura: ela aponta para o estreitamento entre mídia, arte, comunicação e tecnologia; e entre produção e recepção. Por isso, demanda perspectivas interdisciplinares: a filosofia, a antropologia, as tecnologias da informação e da comunicação, as artes. Todos estes campos nos ajudam a pensar os fenômenos imagéticos audiovisuais contemporâneos. Então, os objetivos conceituais desta Semana, propostos pelo grupo de pesquisa Audiovisualidades e Tecnocultura – que retoma agora a organização do evento –, visam avaliar o estatuto da imagem impactada pelo software e as mídias móveis, bem como as estratégias de enfrentamento que esse aparelho audiovisual vem apresentando em pesquisas e experimentos.
IHU On-Line – Como avalia, hoje, a produção audiovisual contemporânea a partir de diferentes mídias e da intervenção de usuários? Que tipo de comunicação está surgindo?
Cybeli Moraes – Essa potencialidade das mídias, de serem afetadas pelas intervenções dos usuários e das próprias mídias não "surge" agora, mas, sim, está se tornando mais perceptível à medida que os trânsitos entre vídeo, cinema, foto, texturas, sons, colagens, falas e redes se tornam, para nós, naturalizados, sobretudo, via as chamadas "novas mídias". O que revela novamente a necessidade de pensarmos nossa comunicação por imagens: elas nos parecem tão "naturais" que nos tornamos cegos por situação. Muitas vezes tentamos "ler" uma imagem via um código que não é seu. Vemos atualizações de uma mesma potência, que identificamos como diferença ou inovação, somente em função dos suportes ou das tecnologias empregadas. No entanto, a mixagem – essa sim, que cresce a olhos vistos – é tamanha e tão rica em possibilidades que nos obriga a avançar em nossos conceitos, não abandonando antigas concepções, mas revendo-as. E avalio esse movimento como urgente tanto na pesquisa quanto na produção mercadológica audiovisual.
IHU On-Line – Quais são as peculiaridades da produção audiovisual brasileira?
Cybeli Moraes – Se levarmos em conta a produção experimental – não necessariamente aquela restrita aos círculos artísticos, mas também a que por vezes aparece na televisão, como as produções do Núcleo Guel Arraes, por exemplo – diria que uma peculiaridade, tornada legítima por nossa arte moderna, talvez seja suficiente para explicitar isso: a antropofagia. Tomamo-la como guia de nossos trânsitos e mixes audiovisuais.
Apropriamo-nos, deglutimos e regurgitamos para além da mistura de suportes e tecnologias. Assim, de maneira rápida, parece-me que a produção audiovisual nacional vem buscando cada vez mais produzir um diálogo intranquilo entre culturas, políticas, desejos, ideologias e fronteiras – não necessariamente, brasileiras.
IHU On-Line – Canevacci fala na criação de uma subjetividade a partir da comunicação, na qual o sujeito quer ser ator da política comunicacional contemporânea. O que muda na comunicação a partir desse processo de interação e participação? Como vê a atuação de leitores enquanto sujeitos da própria comunicação?
Cybeli Moraes – Na verdade, essa apropriação do meio por parte do sujeito individual ou grupal fica mais visível com a web e os novos meios, mas não é inventada por eles. Não há nenhum empecilho na TV, por exemplo, para ela deixar de ser aquele meio de mão única que conhecemos. Foi determinado por alguns grupos que o sistema assim fosse – o que ocorre há anos e ainda permanece –, estabelecendo os lugares dos produtores e dos receptores de maneira sólida como algo "natural" do meio. Mas a TV, assim como outros meios, tem a potencialidade de ser apropriada e reinventada com diversos usos e formas. Precisamos sair desses lugares e experimentar outros modos de apropriação tecnológica. Aí a universidade e a pesquisa têm papel fundamental junto à sociedade.
IHU On-Line – De que maneira as novas mídias – tecnologias móveis, redes sociais e outros produtos da comunicação digital – influenciam ou transformam as formas de fazer comunicação num mundo, ao mesmo tempo, global e local?
Cybeli Moraes – Primeiro, elas colocam uma lente de aumento em lugares e tempos para os quais ainda não tínhamos atentado. Segundo, elas complexificam e servem a uma organização social que, hoje, é eminentemente mediada por softwares e aparelhos, por programas de programas. Diz-se, das novas mídias, que elas "encurtam distâncias" ao mesmo tempo em que "minam a sociabilidade". Ao contrário, talvez elas nos façam repensar nossas geografias, ecologias, antropologias, nossos contratos sociais; ou seja, aquela velha pergunta "de onde viemos, para onde vamos, por que estamos aqui". Não acho muito adequadas as palavras influência ou transformação para tentar compreender o que acontece entre as novas e as tradicionais mídias. Entretanto, a simultaneidade, esse "ao mesmo tempo global e local" da sua pergunta, pode sim ser um caminho produtivo.
IHU On-Line – Qual a atualidade de McLuhan para a comunicação?
Cybeli Moraes – McLuhan é muito atual, assim como vários outros autores que superaram a dicotomia entre forma e conteúdo, e anteviram formatos de comunicação e culturas que surgem dos novos meios para mudar a própria sociedade que os criou. Mestre em criar aforismos que muitas vezes foram criticados como slogans, no sentido pejorativo do termo – "o meio é a mensagem", "os meios são como as extensões do homem", "os meios se dividem em quentes e frios" –, para além de tudo isso, McLuhan está sendo a cada dia "redescoberto", ainda que resguardadas algumas dificuldades, nos círculos mais recentes da pesquisa em comunicação, inclusive em função de seu método, que Irene Machado cita como "especulativo", ou seja, recheado de metáforas e formas gráficas num esforço de criar termos novos para novos desafios.
Se fizermos uma rápida leitura do que nos expõe McLuhan, podemos pensar que é sobre os suportes que o autor se debruça, em função de sua constante preocupação com o "meio". No entanto, é nos efeitos que está o interesse do pensador – até por isso ele concebeu algumas de suas obras em conjunto com designers, ilustradores, artistas, que encheram a superfície sacramentada do livro teórico com colagens, desenhos, quadrinhos, experimentação com fontes e com o planejamento gráfico. Sua noção de ambiente – invisível, inconsciente e golpeado a todo o momento por todos os lados – também é produtiva para pensar a comunicação que estamos produzindo hoje. Duas das últimas páginas de Os meios são as massa-gens [sic] de certa forma esclarecem sobre a atualidade do pensamento do autor (e é preciso atentar para toda a montagem destas páginas).
Programação do evento:
Dia 15-08-2011, 20h:
"Paisagens fotográficas: o espaço, a imagem e a proveniência dos lugares", com Maurício Lissovsky (UFRJ)
"Paisagens midiáticas: As Redes Sociais de Imagens e as linguagens audiovisuais emergentes no campo da comunicação online", com Giselle Beiguelman (USP)
Dia 16-08-2011, 14h:
"Impacto das novas mídias no estatuto da imagem: McLuhan 2.0", com os debatedores Celso Cândido (UNISINOS), Gustavo Daudt Fischer (UNISINOS), Sonia Estela Montaño la Cruz (UNISINOS)
Dia 16-08-2011, 20h:
"O Peixe vermelho e os filmes de David Lynch", com Bruno Polidoro, Gabriela Bervian e Miriam Rossini (UFRGS) como debatedora
Dia 17-08, 20h:
"Software cultural e a estética do banco de dados", com Cícero Inácio da Silva (UFJF)
"Mídias locativas: um novo paradigma comunicacional", com Brett Stalbaum (Universidade da Califórnia em San Diego)
Dia 18-08-2011, 14h:
"Tecnocultura Audiovisual", com os debatedores Maria Regina de Paula Mota (UFMG), Massimo Canevacci (Universidade de Roma/UFSC), Gustavo Daudt Fischer (UNISINOS) e Suzana Kilpp (UNISINOS)
Dia 18-08-2011, 20h:
"Carpe codex", com Massimo Canevacci (Universidade de Roma/UFSC)
"Jogando com aparelhos", com Maria Regina de Paula Mota (UFMG)
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Fenômenos imagéticos audiovisuais contemporâneos. Entrevista especial com Cybeli Moraes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU