22 Mai 2009
A adolescência vivida hoje é muito mais complexa do que a que vivemos há alguns anos. Poucos anos, aliás, pois há dez anos esta etapa da vida, ainda que já fosse intensa e repleta de problemas, não sofria do bombardeio de informações sobre diversas coisas nocivas para quem ainda está formando sua personalidade. A médica psicanalista Maria Lucrécia Zavaschi, nesta entrevista, analisou os problemas que os adolescentes de hoje vivem e diagnosticou o perfil daqueles que têm maiores dificuldades em enfrentar tal fase e, muitas vezes, além de tentar suicídio, chegam ao ato final e tiram suas próprias vidas. “Então, muitas vezes, quando o adolescente está determinado a se matar, ele dá sinais de desespero, de angústia e cabe aos adultos, aos profissionais da saúde, assim como também aos profissionais do ensino, detectarem alguma alteração no seu comportamento, buscando uma aproximação. O que parece é que o adolescente, em muitas circunstâncias, está muito sozinho”, revelou ela, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.
Maria Lucrécia Zavaschi é médica graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com especialização em Child Psychiatry Research Fellow pelo Mount Sinai Hospital. Realizou o mestrado em psiquiatria na UFRGS, onde, desde 1978, é professora. É autora de Crianças e adolescentes vulneráveis: o atendimento interdisciplinar nos centros de atenção psicossocial (Porto Alegre: Artmed, 2009).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os principais motivos que levam o jovem adolescente de hoje a cometer suicídio?
Maria Lucrécia Zavaschi – Um adolescente que chega a tentar suicídio é portador de uma doença grave. A não ser que sejam aqueles suicídios altruístas, como os camicases e fundamentalistas (que não se enquadram no panorama geral). Há, portanto, uma patologia envolvida. Muitos adolescentes estão assomados de muita ansiedade, uma vez que, nessa etapa da vida, passam de uma fase de total dependência dos pais e da família para uma outra, na qual precisam alcançar a sua independência. A questão fundamental e universal nessa idade é que há uma transformação do corpo. O corpo de criança vai se metamorfoseando até um corpo de adulto, ocasião em que as mudanças hormonais são muito grandes. Essas provocam grande alteração na apresentação e nas funções do corpo. Então, o adolescente é um ser humano que está numa etapa da vida que requer muita energia e capacidade para uma nova adaptação.
Ele precisa passar de uma etapa em que estava num relativo conforto (infância) para uma nova etapa. Tal transição pode ser vivida com grande ansiedade, inquietude, desespero. Nesse caso, o jovem precisa ser muito ouvido, atendido, acompanhado. Ainda que apresente uma certa irritabilidade, dificuldade de relacionamento com os adultos, esses precisam manter a sua serenidade, sua maturidade e dialogar. A meu ver, o adolescente que chega ao extremo de tentar suicídio ou se encontra no auge do desespero, ou não está conseguindo lidar com as intensas mudanças na sua vida, ou é portador de uma grave patologia.
IHU On-Line – Por que é tão difícil ajudar esses adolescentes, mesmo quando existe vontade de reconhecer sua necessidade de ajuda?
Maria Lucrécia Zavaschi – Cada paciente representa um universo, pois existe toda uma tradição familiar e, portanto, é multigeracional, além de suas condições genéticas e de todas suas vivências infantis pelas quais foi envolvido ao longo de sua vida. Então, em geral, não é que ele começa com essas ideias e dificuldades na adolescência. Muitas vezes, o adolescente apresenta ideias de suicídio desde antes, o que não é incomum. Agora, o ato suicida é incomum, ao mesmo tempo em que é uma condição extremamente grave. Há uma construção lenta e gradativa da personalidade, desde os antepassados. Se essa construção do desenvolvimento apresentou lacunas, isso torna o adolescente mais frágil e de mais difícil acesso.
Então, muitas vezes, quando ele está determinado a se matar, acaba dando sinais de desespero, de angústia e cabe aos adultos, aos profissionais da saúde, assim como também aos profissionais do ensino, detectarem alguma alteração no seu comportamento, buscando uma aproximação. O que parece é que o adolescente, em muitas circunstâncias, está muito sozinho, sobretudo aquele que é mais doente e se isola com o próprio sofrimento, com suas ideias mórbidas de autoagressão. Acaba ficando solitário com seu computador, deixando a desejar as relações humanas. Do ponto de vista técnico e psicanalítico, é importante que o adolescente, nessa fase, conte com pares e adultos saudáveis.
O adolescente com antepassados saudáveis e vivências infantis construtivas tem menores riscos de cometer suicídio. No entanto, aquele que passou por patologias, por uma carga genética frágil e teve uma vivência infantil com traumas frequentes e crônicos, será mais vulnerável nesta etapa da vida em que precisa enfrentar ainda mais modificações. Quem convive com ele precisa perceber quando está mais isolado, irritável, rebelde. Ao mesmo tempo, precisa saber que esse adolescente deve ser visto por um profissional. Há casos em que, mesmo com um grande investimento, os profissionais acabam não tendo sucesso em salvá-lo deste ato desesperado. No entanto, muitas vezes é possível prevenir tratando a patologia subjacente da qual esse adolescente é vítima.
IHU On-Line – Como a senhora definiria a juventude contemporânea?
Maria Lucrécia Zavaschi – A juventude contemporânea tem tarefas excessivas: precisa crescer, se adaptar a uma nova vida, dar conta da sua independência financeira e da independência da família. No entanto, o adolescente encontra um mundo altamente competitivo, que não está adequadamente preparado para oferecer posições na sociedade. Além disso, há uma sociedade de alto consumo, que tende ao narcisismo, ao hedonismo, que dá muita importância à aparência, às relações mais descartáveis. Então, as relações genuínas são extremamente necessárias e, às vezes, o adolescente não encontra essas relações mais profundas, as quais ele busca. Parece que falta a ele uma causa, um ideal. Minha geração, dos anos 1960, teve oportunidade de participar de causas políticas, sociais, o que também favorecia o adolescente, pois ele imediatamente encontrava motivos para lutar. Hoje, ele se depara com essa sociedade de consumo desmedido, que superficializa as relações humanas. Então, considero que nosso adolescente não tem encontrado na sociedade de adultos um ambiente acolhedor, necessário. Isto é, ele tem necessidade ser ouvido, mas em muitos momentos isso não acontece.
IHU On-Line – O que é o breakdown e como ele tem se manifestado na juventude atual?
Maria Lucrécia Zavaschi – O breakdown é um colapso quando o adolescente não consegue mais cuidar de si, não se gerencia mais por sua própria consciência e passa a agir por seus impulsos e instintos. É um momento em que a patologia assume maior parte da sua vida, deixando sucumbir a capacidade do seu eu. Quando a patologia é muito grave e a sucessão de traumas é muito intensa, o adolescente já vê falidas suas condições de superar as adversidades; então, o breakdown corresponde a um momento de fracasso da saúde. O adolescente acaba passando por muitas situações traumáticas sucessivas e, como já precisa sair da sua infância e entrar no mundo adulto, requer muitos recursos para resolver essas questões.
IHU On-Line – Uma pesquisa recente revelou que, para o jovem da periferia, o gasto com aparência não é supérfluo. Como a senhora vê a questão do consumo hoje entre os jovens de diferentes classes econômicas?
Maria Lucrécia Zavaschi – A cultura do consumo desmedido é totalmente imprópria para todas as classes econômicas. O que ocorre é que o adolescente da periferia tem, muitas vezes, uma adolescência encurtada. A sua adolescência não vai até os 25 anos, como acontece com a classe média e classe alta. Muitas vezes, aos 14 anos já está trabalhando e aos 15, 16 já é pai – o que lhe dá certa respeitabilidade na comunidade – e, então, já precisa, além de se sustentar, ajudar seus filhos, a família. Além disso, não têm tempo para muita elaboração, intelectualização, à medida que precisam partir imediatamente para responsabilidades adultas. O consumo é infrutífero, pernicioso para qualquer cidadão.
IHU On-Line – É mais difícil ser adolescente hoje? Por quê?
Maria Lucrécia Zavaschi – Eu acho que sim. É mais difícil do que em décadas anteriores, quando não havia esse bombardeio de informações apelativas sobre sexo, consumo, relações superficiais e tanta violência. Algumas patologias, como as do vazio e do narcisismo, são gravíssimas e decorrentes desses problemas. Aquele adolescente que por fortuna teve uma ancestralidade boa, carga genética saudável, além de pais e professores, bons programas na TV e internet, terá mais facilidade de enfrentar a adolescência e será um adulto mais realizado e feliz. Quem não teve isso ainda pode encontrar chances de contrabalançar e se transformar num cidadão íntegro e feliz. Mas ainda há o grupo que terá mais dificuldades de atravessas essa etapa que, segundo alguns autores, é turbulenta. É uma etapa na qual o adolescente precisa lutar, estudar e trabalhar muito para obter sucesso, condições de bons relacionamentos. Mas, de fato, acredito que hoje ser adolescente é mais difícil do que em décadas anteriores por estas razões sociais e econômicas.
Eu queria apelar aos pais e professores – pessoas de referências para os adolescentes – que se coloquem atentos a ouvir o adolescente, para escutá-lo efetivamente e valorizar esse momento de grande transformação e ajudá-lo a superar essa etapa. Tendo uma vida estável e atenta, podemos contribuir para que o adolescente de hoje possa superar essa etapa de forma saudável. Eles irão nos suceder, daqui a pouco, na tarefa de criar as crianças, consolidar a cultura. Ou seja, precisamos estar muito atentos.
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Adolescência: suicídio, breakdown e superação. Entrevista especial com Maria Lucrécia Zavaschi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU