17 Janeiro 2009
O jurista Dalmo Dallari é enfático ao analisar o tratamento dado aos direitos humanos no Brasil: “Exatamente pela existência do contexto político, econômico e social de desigualdade, é fundamental que se proclame com todo o vigor, sem reticências ou concessões, a universalidade dos direitos humanos”. Aqui nesta entrevista, Dallari analisa a 11ª Conferência dos Direitos Humanos do país e também atenta para alguns fatos que marcaram os debates acerca deste tema no Brasil. Gentil, como sempre, Dalmo Dallari concedeu à IHU On-Line a entrevista em meio a uma viagem pela França através de e-mail.
Embora 2008 tenha sido o ano em que se comemorou os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 20 anos da Constituição brasileira, para o jurista ainda existe “um amplo caminho a ser percorrido para a efetiva garantia da igualdade de direitos a todos”.
Dalmo Dallari aposentou-se como professor de Direito da Universidade de São Paul, onde, em 1996, tornou-se o professor catédrático da Unesco na cadeira de Educação para a Paz, Direitos Humanos e Democracia e Tolerância. Entre suas principais obras, destaca-se Elementos de Teoria Geral do Estado (São Paulo: Saraiva, 2002).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O último ano foi marcado pela comemoração de diversos documentos que tratam dos direitos humanos. Quais são as prioridades brasileiras no âmbito dos direitos humanos hoje?
Dalmo Dallari – No ano de 2008, foram comemorados os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 20 anos da Constituição brasileira de 1988, que acolheu os direitos proclamados na Declaração e criou instrumentos jurídicos eficazes para sua obtenção de sua proteção e para a busca de sua efetivação. A partir da vigência dessa nova Constituição, e com base nela, ocorreram no Brasil muitos avanços altamente significativos em termos de correção de injustiças tradicionais e de garantia do acesso aos direitos fundamentais a pessoas e segmentos sociais tradicionalmente marginalizados.
Ainda existe, entretanto, um amplo caminho a ser percorrido para a efetiva garantia da igualdade de direitos a todos. Não cabe destacar um ou alguns direitos fundamentais como sendo prioridades, pois, como tem sido assinalado por eminentes teóricos e ativistas dos direitos humanos, existe uma solidariedade necessária entre todos os direitos os direitos fundamentais e todos são, reciprocamente, interdependentes. O que se pode apontar como prioridade é a concepção de todos os direitos humanos, de todas as pessoas, como exigências éticas e jurídicas, que os governos são constitucionalmente obrigados a proteger, sendo também obrigados a estabelecer programas e definir políticas públicas, visando à efetivação deles, destinando recursos financeiros até o máximo das possibilidades, como verdadeiras prioridades orçamentárias.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a 11ª Conferência dos Direitos Humanos no Brasil que ocorreu no final de 2008?
Dalmo Dallari - A 11ª Conferência de Direitos Humanos no Brasil foi uma boa oportunidade para avaliação de avanços já obtidos, como também para ampliar a aprofundar o conhecimento dos direitos humanos e a consciência e de que se trata de verdadeiros direitos, judicialmente exigíveis por quem for prejudicado pelo seu desrespeito. Foi também uma oportunidade propicia para a discussão de propostas, visando assegurar efetivamente os direitos humanos a todos, chamando-se a atenção para a existência de bloqueios e resistências, tanto no âmbito publico quanto no privado, que impedem ou dificultam o pleno gozo dos direitos humanos por todos. Além do registro dos avanços, a identificação dos obstáculos também foi um ponto positivo da 11ª Conferência, pois forneceu elementos válidos para sua superação.
IHU On-Line – É possível pensarmos numa universalização dos direitos humanos num contexto político, econômico e social tão desigual?
Dalmo Dallari – Exatamente pela existência do contexto político, econômico e social de desigualdade, é fundamental que se proclame com todo o vigor, sem reticências ou concessões, a universalidade dos direitos humanos. Isso porque a consciência da universalidade acentua ainda mais a injustiça das desigualdades e coloca a exigência de atitudes positivas buscando sua eliminação. A par da necessidade de insistir na proclamação da universalidade, exigindo que ela seja reconhecida e respeitada por todos, é importante assinalar que a humanidade caminha precisamente no sentido da ampliação do reconhecimento da universalidade, ficando cada vez mais difícil manter situações de discriminação e marginalização tradicionais. Isso vem acontecendo, por exemplo, em vários países dominados por islamitas radicais, nos quais as mulheres, tradicionalmente marginalizadas, vêm-se impondo ultimamente como titulares de direitos iguais.
IHU On-Line – Como o senhor acha que deveria se organizar um sistema de educação e cultura para os direitos humanos? Em que status estamos hoje em relação a essa questão?
Dalmo Dallari – Já cresceu muito no Brasil a consciência da necessidade de educação para os direitos humanos. Assim, ao lado de movimentos comunitários que foram pioneiros nesse trabalho de educação, temos hoje a disciplina Direitos Humanos em currículos universitários, sendo também muito intensa sua divulgação por meio de cursos de extensão de diversos níveis. O que se deve fazer é ampliar esse trabalho, introduzindo formalmente a educação para os direitos humanos nos currículos escolares, desde o nível fundamental. Já existe hoje no Brasil um ambiente propício a essa ampliação, estando bastante enfraquecida a resistência dos grupos sociais privilegiados que se opõem aos direitos humanos por medo da perda de seus privilégios.
IHU On-Line – Inúmeras questões que envolvem os direitos humanos estão em debate hoje no país, como o problema e Raposa Serra do Sol e os direitos dos índios no Brasil, a discussão em torno da Lei da Anistia, entre outros. A partir das discussões em torno da revisão da PNDH, como o senhor avalia esses debates e suas resoluções?
Dalmo Dallari – Os debates que vêm ocorrendo ultimamente no Brasil, colocando na primeira linha das discussões a questão dos direitos humanos, têm sido muito positivos. Assim, por exemplo, no caso da terra indígena Raposa Serra do Sol a resistência ao reconhecimento dos índios como seres humanos e titulares de direitos acabou despertando a consciência de muitos brasileiros, que perceberam a grande injustiça da invasão das terras indígenas por aventureiros ambiciosos apoiados por políticos sem escrúpulos, sob pretexto de promover o desenvolvimento econômico do Brasil ou de alguma região. Assim, também, outras discussões tendo como fulcro o respeito aos direitos humanos em face de agressões passadas ou atuais vêm tendo um efeito conscientizador. E isso tem propiciado o aumento das exigências de eliminação das discriminações e marginalizações de todas as espécies, colocando a sociedade brasileira no rumo da efetiva universalização dos direitos humanos.
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Direitos humanos no Brasil: muitos avanços, mas um longo caminho ainda a percorrer. Entrevista especial com Dalmo Dallari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU