02 Dezembro 2010
Fugir das leis ambientais rígidas dos países desenvolvidos e a possibilidade de adquirir terra produtiva e barata fazem do Brasil um dos países em que o mercado da celulose mais se expande. Um estudo recente apontou que, em menos de dez anos, o Brasil reservou 720 hectares por dia para plantações de eucalipto e a maior parte dessas terras pertence a empresas estrangeiras. “Além disso, o Brasil tem custo de mão de obra mais barato e a desregulação ambiental e social ou a possibilidade de violação das leis”, alerta a professora Dirce Suertegaray durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone.
Dirce Suertegaray é graduada em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria e realizou, na mesma área, o mestrado e o doutorado pela Universidade de São Paulo. Atualmente, leciona na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O Brasil ganhou, nos últimos anos, 720 hectares por dia de plantações de eucalipto e parte das novas áreas pertence a empresas estrangeiras. O que isso significa?
Dirce Suertegaray – Há um projeto, no campo das empresas internacionais, ambicioso da produção de eucalipto para celulose e direcionado aos chamados “países da periferia do sistema capitalista”. Alguns países são selecionados a partir de suas características naturais e sociais. Isso é um projeto do mundo globalizado para ampliar a produção de celulose em função da alta demanda mundial por papel, e, consequentemente, por celulose.
Os países são escolhidos por conta do menor controle ambiental, menor regulação social e por demanda de terras com preço reduzido. Isso do ponto de vista econômico. Mas gera também grandes problemas sociais. Diferente do que apresentam as empresas de celulose, o trabalho é muito restrito à monocultura do eucalipto, ele é temporário, é de baixa renda e é produtor de miséria nas cidades que acolhem esta população que vai plantar o eucalipto porque todo o processo, inclusive de corte, tem sido mais mecanizado.
IHU On-Line – Essas empresas se instalam no Brasil para fugir de leis ambientais mais rígidas dos países desenvolvidos. Quais são as principais diferenças entre a legislação do Brasil e dos países de origem dessas empresas?
Dirce Suertegaray – De um lado, essas empresas vêm para fugir das leis ambientais mais rígidas. O Brasil tem leis ambientais importantes, mas os interesses econômicos rompem com facilidade o campo da política, o que não ocorre nos países centrais. Por isso, nos tornamos alvos fáceis no que diz respeito à violação de uma lei ou uma regulação federal ou estadual ambiental. A demanda da monocultura do eucalipto também está associada ao preço da terra mais barato no país. Além disso, o Brasil tem custo de mão de obra mais barato e a desregulação ambiental e social ou a possibilidade de violação das leis.
Uma das razões que também estimula o plantio de eucalipto no Brasil, entre outros países da América Latina, é a espécie que é desenvolvida e a rapidez de crescimento. Nos países centrais, as plantas de produção de celulose têm algumas exigências do ponto de vista tecnológico, o que encarece muito a produção.
IHU On-Line – No país, quais são os principais estados “escolhidos” por estas empresas e por que elas escolhem estas regiões?
Dirce Suertegaray – A grande expansão da silvicultura no Brasil começa no Espírito Santo, que é um estado cuja discussão no país é marcante. Isso acontece desde os anos 1970 e foi um projeto do período da Ditadura Militar. Além do ES, a silvicultura tem se expandido pelo sul da Bahia e norte de Minas Gerais. Nós temos também problemas de silvicultura ou áreas com ocupação de eucalipto, inclusive com conflitos sérios, em São Paulo, no Mato Grosso, no centro do país e na Amazônia.
O Rio Grande do Sul vem sendo preparado para isso desde os anos 1970, quando se colocou a discussão ambiental e se apresentou o eucalipto como a única saída. Para agravar a situação, o atual governo estadual tem estimulado o desenvolvimento da silvicultura na metade sul e usa um discurso no sentido de que é para melhorar as condições econômicas da região, que é a mais pobre do RS.
Agora, o que significa, do ponto de vista da geopolítica em termos econômicos, é que, de um lado, há uma demanda das corporações internacionais vinculadas à silvicultura de expandir a monocultura de eucalipto nos países periféricos, de outro lado eles escolhem áreas estratégicas. Esta área estratégica ultrapassa o estado; ela pega a metade sul Rio Grande do Sul, que se associa ao Uruguai e, por sua vez, se associa à Argentina. Se observarmos essa territorialização da monocultura do eucalipto, veremos que ela se expande para um território muito mais amplo na América Latina, o que é estratégico do ponto de vista da circulação. Ela está localizada às margens do rio Uruguai com uma saída pelo Mar Del Plata.
O que se observa, principalmente no sul, é a apropriação de uma terra barata, sem grande densidade populacional e que aparentemente não tem conflitos sociais. Então, este conjunto constitui uma territorialidade para a expansão deste setor da economia, que é estratégico do ponto de vista da expansão da economia mundial neste setor.
IHU On-Line – Qual a dimensão política em que o avanço da produção de eucalipto está inserido?
Dirce Suertegaray – Do ponto de vista econômico, a perspectiva é sobre a possibilidade de produção de matéria prima e exportação. No caso da celulose, não mais a tora, mas a própria importação da planta para o Brasil agrega mais valor. Então, isso faz com que, economicamente, as políticas brasileiras observem a expansão do mercado da celulose como uma possibilidade de crescimento da economia a partir de um produto com significativa exportação e demanda no mercado internacional. Essa é a questão fundamental.
Do ponto de vista político, as estratégias são mais vinculadas às corporações internacionais, de domínio de espaços para além das fronteiras originais, das regiões centrais do mundo, que apresentam recursos naturais a serem explorados. Na realidade, eles não estão explorando um recurso exclusivo do bioma pampa, mas sim uma terra que é encarada pelas autoridades como um recurso pouco produtivo e, desta forma, promove a entrada de uma nova matriz econômica nesta área.
IHU On-Line – De que forma as plantações de eucalipto podem influenciar o processo de arenização de cidades como Alegrete e São Borja, no RS?
Dirce Suertegaray – Tenho acompanhado isto e o que eu tenho observado, até fazendo relação com a biografia internacional, é que o eucalipto traz prejuízos do ponto de vista ambiental como um todo. Para o Pampa ele traz consequências dramáticas porque o eucalipto vai modificar os ciclos local e regional da água. Essa árvore é uma grande consumidora de água e os técnicos das empresas dizem o contrário. Só isso já demonstra que haverá uma transformação no ciclo hidrológico regional. Existem trabalhos internacionais que mostram como as monoculturas de eucalipto, até faixas de precipitação em torno de 1250/1300 milímetros, promovem desertificação do solo e escassez de água.
Nós já temos várias evidências empíricas dos proprietários rurais que estão vivendo próximos a grandes monoculturas de que efetivamente a água está se extinguindo. Este debate já está posto no Uruguai, pois as cabeceiras fluviais das fontes do país vizinho já estão se extinguindo e os uruguaios já estão promovendo este debate por conta da expansão da monocultura.
Também tem a questão da diversidade biológica. Isso porque bosques de eucaliptos diminuem a diversidade biológica. Os animais que vivem no bosque normalmente não têm o alimento nesta região. Por isso, eles vão procurar alimento em outros lugares como as lavouras e pomares próximos. Há, portanto, uma série de consequências de ordem ambiental que vão modificar realmente as características do Pampa e gerar problemas sociais sérios.
Além disso, o eucalipto não vai impedir o processo de arenização, porque este processo tem início com um tipo de escoamento bem específico que é a formação de ravinas e mossorocas. Por isso, dependendo da área onde ocorre esse plantio, o eucalipto não impede esse problema. Trabalhos internacionais mostram que o eucalipto não pode ser desenvolvido sobre solos arenosos, porque traz prejuízo ambiental significativo, como desgaste e erosão.
Os solos da região de arenização são arenosos, por isso são frágeis para este tipo de atividade econômica. O que está sendo colocado lá de adubo, fertilizantes e de todo o pacote tecnológico para desenvolvimento do eucalipto é significativo. E tudo isso vai contaminar o solo e a água. Hoje, já somos capazes de produzir e plantar árvores no deserto, mas as implicações disto são grandes e muitas vezes nós ainda não temos os elementos para avaliar essas consequências. Mas a contaminação da água do solo, a diminuição da diversidade, da diminuição da circulação de água no campo regional, o esgotamento de fontes, de nascentes fluviais isso tudo são evidências internacionais e nacionais.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre o documento de zoneamento ambiental da silvicultura do RS?
Dirce Suertegaray – Esse documento foi produzido pela FEPAM por necessidade da regulação ambiental para o desenvolvimento da silvicultura, ou seja, há uma exigência legal para a constituição de um zoneamento ambiental para a silvicultura. Este documento foi construído a partir de um conhecimento associado às universidades, setores de pesquisa. Enfim, houve um levantamento bastante detalhado no Rio Grande do Sul para promover o zoneamento e indicar quais seriam as áreas mais indicadas para o plantio de eucalipto.
Ressalvo o seguinte: esse documento não é um impeditivo à silvicultura, ele diz onde pode ser plantado o eucalipto e prevê a possibilidade de nove milhões de hectares reservados para o plantio dessa árvore. As áreas, técnica e cientificamente definidas como passíveis de serem áreas de produção de eucalipto, não foram aceitas pelos silvicultores e nem pelas políticas de estado. Não foram aceitas porque eles já tinham adquirido terras num momento anterior a este processo e as terras que foram adquiridas não necessariamente estavam vinculadas as áreas possíveis. Então, o que se faz do ponto de vista do jogo político em uma situação como esta? Entre eu vender essas áreas e comprar se tiver disponibilidade nos locais apropriados, vou tentar mudar a legislação. E foi o que aconteceu.
Foi feito todo um movimento político, vinculado inclusive ao governo do estado, para a não aceitação deste documento. Lembro que este documento normatizou segundo uma legislação nacional. A não aceitação do documento gerou tensos conflitos políticos na FEPAM, com mudança inclusive da presidência, troca de alocação e de técnicos. Isso demonstra um jogo político que envolvia a não aceitação do zoneamento porque este não estaria de acordo com os interesses das políticas de governo associadas a este capital. Do meu ponto de vista, é um zoneamento que, no campo ambiental, ainda não seria o ideal, mas pelo menos teríamos um regramento vinculado à legislação brasileira, o que daria certa ordenação. Agora nós não temos isso.
IHU On-Line – E sobre o novo Código Florestal Brasileiro?
Dirce Suertegaray – Nós estamos vivendo outro momento histórico, que é muito diferente dos anos 1970 quando se buscava um ideal de regulação. Hoje, essa regulação não está servindo para este avanço desenfreado do capital sobre as áreas onde temos uma grande reserva de recursos naturais. Temos uma diversidade de recursos muito importante, uma reserva fantástica de recursos naturais. O interesse no novo Código Florestal é para que se flexibilize a lei atual e, assim, se possa, efetivamente, explorar mais nossos recursos. Vivemos um momento político diferente e precisamos ficar atentos. Diria que, mais do que a questão ambiental, a questão política hoje é o centro do debate, porque o ambiental implica na política.
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A lógica da economia do eucalipto. Entrevista especial com Dirce Suertegaray - Instituto Humanitas Unisinos - IHU