A democracia como caminho de mudança da Venezuela. Uma análise do referendo sobre a reforma constitucional. Entrevista com Alberto Efendy Maldonado Gómez de la Torre

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13 Dezembro 2007

Para o professor e pesquisador Alberto Efendy Maldonado Gómez de la Torre, a Venezuela vem dando um exemplo de atividade democrática. Na entrevista que concedeu com exclusividade para a IHU On-Line em seu gabinete, no PPG em Comunicação da Unisinos, Efendy fala sobre o resultado do referendo sobre a reforma constitucional proposta por Hugo Chávez na Venezuela, o que considera “um triunfo da democracia venezuelana”. Na opinião de Efendy, Chávez é uma figura política muito inteligente. Ele acredita que o presidente cometeu erros em sua campanha, mas sua postura de respeito perante as decisões de seu povo “foi um golpe para as agências estadunidenses”.

Efendy concluiu seu pós-doutorado em Comunicação na Universitat Autònoma de Barcelona. Atualmente, é professor-pesquisador da Unisinos e coordenador do grupo de pesquisa Processocom. É autor de Teorias da comunicação na América Latina (São Leopoldo: Unisinos, 2001). Efendy concedeu uma entrevista para as Notícias do Dia do site www.unisinos.br/ihu, em 2 de abril de 2007, sobre a TV pública brasileira.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que significa, para a sociedade e a política venezuelana e para o povo latino-americano, o resultado do referendo sobre a reforma constitucional proposta por Chávez na Venezuela? Qual é a análise o senhor faz?

Alberto Efendy – A Venezuela vem dando um exemplo de atividade democrática desde 1998. Tem realizado o maior número de eleições e referendos da América Latina. Isso é muito significativo. O que observamos é uma democracia participativa, com as pessoas conhecendo a constituição – até nas bancas de revistas e nos postos dos camelôs se encontram exemplares da constituição. A decisão deste domingo (02 de dezembro) é soberana, como todas as que foram feitas durante os últimos 10 anos. Para mim, é um triunfo da democracia venezuelana.

IHU On-Line - Quais são as possíveis influências para o resultado do referendo das agências de governo americano, do empresariado venezuelano, da mídia privada do país e da Igreja Católica?

Alberto Efendy – Sempre há influências, só que são mínimas. A porcentagem de participação desses setores é limitada. O que chama a atenção são os 44% de abstenção, que é altíssimo e, dentro dela, não temos uma abstenção pró-estadunidense. É uma abstenção dos setores democráticos e críticos.

IHU On-Line - O que significa um número tão grande de abstenções do povo venezuelano? Por que mais de 3 milhões de eleitores que deram os seus votos a Chávez na eleição de 2006 (na qual ele ganhou 63% dos votos) não votou no referendo? Acredita, como o próprio Hugo Chávez, que o povo venezuelano ainda não está maduro, pronto para o socialismo?

Alberto Efendy – O que vemos é que o povo venezuelano não é como um rebanho de ovelhas que vão e voltam porque o caudilho falou. Eles são capazes de decidir com bom senso e decidiram. As votações, no caso da Venezuela, com a polarização existente no país, constituem-se em fases decisivas, às vezes finalísticas. Neste caso, faço a seguinte reflexão, sobre o que hipoteticamente teriam decidido os setores democráticos: “não podemos votar sim, porque somos contra a concentração do poder numa pessoa; se votamos não, estamos apoiando os setores pró-estadunidenses, conservadores, que têm explorado a sociedade venezuelana no seu conjunto durante décadas. Então, a abstenção é o melhor caminho”. O sinal é que a direita sabe que não pode sair vitoriosa, e Chávez também sabe que ele não tem pessoas que simplesmente vão votar a favor dele de uma forma automática, sem analisar profundamente as significações da sua participação política.

IHU On-Line - O senhor acredita que a inflação e a escassez de produtos essenciais (leite, açúcar e ovos) podem ter influenciado no resultado do referendo?

Alberto Efendy – Não. Está se criando uma imagem de caos na Venezuela. É preciso olhar para os resultados macroeconômicos, os projetos de estrutura e infra-estrutura, moradia, estradas e água potável (a administração do ministério das águas na Venezuela é um exemplo para o mundo), saúde da família, educação universitária para as classes subalternas, recuperação dos recursos naturais para o país. Esse tipo de especulação, que é típica da mídia comercial internacional quando há um processo de democratização como o venezuelano, não tem essa importância. Na América Latina e o Brasil, constatamos, na última década, as derrotas sistemáticas da grande mídia nas suas campanhas de desprestígio de governos democráticos, como também a derrota no seu apoio a figuras truculentas da política regional (Fujimori, Menem, Collor). Entre o que a mídia anuncia aqui e o que acontece na Venezuela, há uma distância enorme.

IHU On-Line - Quais são os principais erros que o senhor apontaria da campanha de Chávez?

Alberto Efendy – Ele cometeu grandes erros. O principal foi o de misturar elementos importantes e positivos com propostas de centralização. A grande maioria tinha um olhar de simpatia para as tentativas de aprofundar as transformações na Venezuela, como é o direito a organizar-se e governar mediante democracia direta tanto os movimentos camponeses quanto as organizações locais. Haveria uma transformação quanto aos direitos importantes sobre a terra e a propriedade cooperativa. Mas o erro foi misturar isso com propostas de centralização, que é a parte fraca do processo bolivariano, carregado desse caudilhismo, dessa concentração numa única pessoa de muitas decisões. Na revolução bolivariana, temos, simultaneamente, um avanço da democracia pela participação de todos os setores sociais, de universidades, de sindicatos, e, por outro lado, esse paradoxo da concentração. Acho que foi muito bom o resultado, que soou como um “pára aí”. E fez pensar que, para ir além, é preciso ir de outro jeito.

IHU On-Line - Como o senhor define a reação de Chávez diante do resultado?

Alberto Efendy – Chávez sempre respeitou a constituição. Depois da tentativa de 1992, ele se convenceu de que o caminho das mudanças na Venezuela é o caminho da democracia. Toda essa fantasia do “ditador” que se constrói sobre ele não é real. Ele tem sido muito respeitoso das decisões. Inclusive, os setores mais duros do chavismo falam que ele é “mole”. Isso é muito interessante no Chávez. Um aspecto positivo e forte da sua cultura política é o fato de ele ser uma pessoa respeitosa das decisões das eleições, dos povos, do congresso. E foi assim que ele reagiu diante do resultado do referendo: de forma positiva, respeitando. E isso foi um golpe para as agências estadunidenses.

IHU On-Line - No cenário político latino-americano, qual é a importância do socialismo proposto por Chávez?

Alberto Efendy – É muito importante, depois da crise dos anos 1990, uma retomada das idéias democráticas e socialistas. Houve toda uma demonização do socialismo, ou seja, o socialismo virou sinônimo do socialismo real da Europa Oriental, de stalinismo. Então, Chávez, Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, estão colocando novamente na pauta latino-americana a questão do socialismo, questionando se é uma perspectiva, um programa político, um conjunto de ideologias pela libertação das classes sociais, tudo num sentido positivo. A caminhada para uma perspectiva socialista ainda está nas primeiras engatinhadas. É impossível forçar mudanças radicais quando as culturas das pessoas ainda têm certos valores e perspectivas. O discurso de Chávez e dos outros que estão propondo isso é muito positivo. Estão quebrando essa lógica de um presente eterno, de que estamos vivendo uma democracia maravilhosa. A democracia que vivemos na América Latina é uma democracia liberal, do século XVIII, caudilhista, coronelista, atrasada, que não compreende que a democracia não é só participar em eleições. Democracia é ter consciência e capacidade de decisão do povo, de todos os cidadãos. O importante é que, concretamente, as pessoas saibam qual é a sua constituição. Elas estão pensando em tomar decisões sobre como serão estruturadas as escolas, os hospitais, as empresas, os meios de comunicação e as estradas na sua província, no seu estado, no seu país. Elas começam a assumir isso como sua responsabilidade. Não é só responsabilidade da governadora ou do presidente. Essas autoridades, no modelo participativo, vão tomar as suas decisões a partir das decisões de cada cidadão.

IHU On-Line - O que o senhor acha da possibilidade de Chávez convocar uma assembléia constituinte?

Alberto Efendy – Chávez é uma figura política muito inteligente. A origem dele é muito pobre. No seu primeiro dia de escola, na primeira série, ele não conseguiu entrar na sala de aula, porque não tinha sapatos. Ele teve que retornar e a avó dele, chorando, foi conseguir uns sapatos para ele entrar. É um homem que sabe dos problemas, e que tem sido extremamente inteligente para mudar quando é preciso. Depois do golpe, da caminhada militarista, ele muda, se adequa, não é um ortodoxo que não aprende. Ele aprendeu muito da lição de 02 de dezembro. Se ele quiser levar adiante um processo como está pensando, terá que pensar seriamente. Não pode pensar: “eu fracassei desse jeito, agora convoco a assembléia constituinte”. Por outro lado, ele tem maioria na assembléia constituinte nesse momento, pela abstenção da direita, nas eleições passadas.

IHU On-Line - O que esse episódio pode ensinar para a política brasileira?

Alberto Efendy – Muito. Nossa política é marcada pelo desgaste. É lamentável, porque a mídia não alimenta uma cultura política. Ela faz uma atividade de desvalorização da política, como se essa fosse politicagem. Às vezes, vemos até discursos pró-ditadura em muitas mídias. Montam uma epopéia da época ditatorial, dos benefícios, tudo muito conotado. O discurso midiático sobre a política no Brasil é lamentável. Não temos um avanço, não se colocam elementos para ir para frente na política. Por isso, essa questão é interessante. É importante porque nossa política no Brasil, na Argentina e na maioria dos países na América Latina, ainda tem essas marcas do coronelismo, das formas atrasadas de participação política. Não temos cidadãos conscientes procurando participar politicamente, as eleições são enquadradas no ritmo do marketing, como um processo de venda de propostas, e, muitas vezes, as pessoas não conhecem em quem estão votando. O positivo, no caso do processo bolivariano, é que não é um povo ignorante simplesmente; estabeleceu-se um processo de alfabetização política, de interesse pela política. O bom senso é parte das pessoas simples. E elas decidem. Às vezes, se equivocam e equivocam feio, mas acho que, de uma forma ou outra, eles foram constituindo um perfil. Se lembrarmos de como era a política anos atrás, veremos que é o contrário do que comentam as grandes mídias. A política era pior, estavam escondidas a corrupção, a repressão. A política, nesse sentido, ganhou, e a lição da Venezuela mostra que temos que analisar de uma maneira plural, diversa, complexa, profunda e dialética os problemas, as realidades e o futuro.

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A democracia como caminho de mudança da Venezuela. Uma análise do referendo sobre a reforma constitucional. Entrevista com Alberto Efendy Maldonado Gómez de la Torre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU