17 Fevereiro 2016
Fez-se história na sexta-feira, dia 12 de fevereiro de 2016, em Havana, onde o Papa Francisco e o Patriarca Kirill se encontraram por mais de duas horas e assinaram uma declaração conjunta, marcando a primeira vez que os líderes das maiores igrejas do cristianismo ocidental e oriental se aproximam. “Finalmente”, disse um Papa Francisco radiante, “somos irmãos”. A breve escala em Cuba veio antes da visita de seis dias de Francisco ao México, e se a ruptura entre o Oriente e o Ocidente alguma vez se curou, este momento de sexta-feira com certeza vai ser visto como um ponto de inflexão.
O artigo é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 13-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O momento conjunto constituiu algo de um valor inestimável numa época em que a religião, também, muitas vezes parece ser fonte de conflitos e violência. Foi um sinal de esperança para os cristãos perseguidos do Oriente Médio, visto que Francisco e Kirill acordaram em que a proteção destas pessoas é uma prioridade conjunta.
A maioria dos cristãos em lugares tais como o Iraque e a Síria provavelmente diriam que não importa qual foi o pano de fundo deste encontro de religiosos: se se conseguir mobilizar os recursos católicos e ortodoxos para mantê-los vivos, isso já é mais do que o suficiente.
Infelizmente, e sem tentar estragar a festa de ninguém, há também bons motivos para se precaver, em grande parte porque os motivos de Moscou – tanto em termos da igreja russa quanto em termo do Kremlin de Putin – estão abertos a sérias dúvidas. (A Igreja Ortodoxa Russa é um aliado próximo de Putin, e a maioria dos analistas acredita que o encontro de sexta-feira não teria acontecido sem o seu apoio.)
Nas últimas décadas, a Igreja Católica tem cedido no sentido de melhorar a relações com Moscou. Dado o medo de que os católicos tentem arrebatar os fiéis ortodoxos para si, por exemplo, a Igreja na Rússia vem atuando de uma forma equivalente a uma “política de crescimento zero”. Os pastores receberam instruções de que se um russo busca se converter, ele deve ser mandado de volta a uma congregação ortodoxa.
No entanto, apesar de uma série de arranjos semelhantes, líderes ortodoxos russos ainda exalam hostilidade. Eles insistem que as igrejas católicas orientais, que seguem tradições ortodoxas mas que estão em comunhão com o papa, são um cavalo de troia para desviar os seus fiéis. Queixam-se da invasão católica em seu “território canônico” na Ucrânia, na Bielorrússia e na Rússia.
Muitos ortodoxos russos desaprovam a visão teológica dos católicos. Em particular, salientaram que Kirill não iria rezar com Francisco, sabendo que muitos em seu próprio rebanho veriam um tal gesto como algo quase herege. A questão agora é se estas atitudes se transformaram a fim de fazer de uma maior unidade uma ideia mais realista.
A julgar somente pelo que se sabe, Kirill teve do encontro de sexta-feira mais ganhos do que Francisco. Em seu país, ele frequentemente é visto como um aliado dos ricos e poderosos, no entanto a sua introdução ao mundo veio juntamente com o “papa dos pobres”. Ele também é visto como um capelão para as ambições imperiais da Rússia, não obstante esteve de braços dados com o “papa da paz”. Os benefícios de um tal imaginário falam por si sós.
Quanto a Putin, ele tem o objetivo claro de explorar qualquer melhoria nas relações católico-ortodoxas, com isso evitando a resistência à sua incursão na Ucrânia e ao resto de sua agenda política externa. Alguns dos críticos mais ferozes de Putin estão na Ucrânia, onde a Igreja Católica grega pagou um alto preço por sua lealdade a Roma e hoje desempenha um papel importante no ativismo pró-democracia e pró-Ocidente. Sem dúvida, Putin gostaria de ver o Vaticano pressionar os greco-católicos a se retirarem desse front.
Muitos ucranianos recordam como as críticas aos soviéticos foram sufocadas em Roma por décadas como parte de uma Ostpolitik e, para ser honesto, alguns consideram a declaração conjunta de sexta-feira como farinha do mesmo saco.
O parágrafo 26 da declaração pede que os cristãos na Ucrânia a “[se abstenham] de participar no conflito”, o que seria visto como estando a desacreditar a oposição à invasão Russa. O parágrafo 27, que diz que as disputas eclesiásticas deveriam ser superadas “com base nas normas existentes”, o que implicaria que os ortodoxos ucranianos que querem a independência precisam da permissão de Moscou.
Cerca da metade dos membros da Igreja Ortodoxa Russa se encontram na Ucrânia, e se eles romperem, o resultado seria uma grande perda política e financeira para Moscou. Os críticos também se preocupam com que o Vaticano possa estar emprestando sua credibilidade para a reivindicação de Putin como sendo um grande defensor dos cristãos perseguidos, quando a sua política tem mais a ver com uma realpolitik do que com alguma convicção religiosa.
Posto tudo isso, como saberemos se o encontro de sexta-feira não foi só mais um momento de relações públicas?
Em primeiro lugar, os ortodoxos russos poderiam parar de dificultar a vida aos cristãos em sua esfera de influência, seja com os greco-católicos na Ucrânia, seja os cristãos ortodoxos que desejam a independência (o termo no Oriente é “autocéfalo”.).
Em segundo lugar, Kirill poderia oficialmente rejeitar as afirmações feitas por tradicionalistas altamente conservadores em sua Igreja, segundo a qual os sacramentos e os ministérios católicos não são válidos. A experiência católica mostra que proceder dessa forma não os faz desaparecer, mas vai, pelo menos, evitar com que eles parem de pensar que estão falando em nome de todos os ortodoxos.
Em terceiro lugar, o clero ortodoxo poderia parar de dar cobertura religiosa às ambições imperiais de Putin e estabelecer uma independência genuína por parte do controle estatal.
Em quarto lugar, o Papa Francisco e o Vaticano poderiam fazer dos três passos precedentes uma precondição para seguir em frente.
Caso essas coisas acontecerem, então o encontro de sexta-feira representará uma enorme mudança.
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Motivo de precaução com o encontro do Papa e o Patriarca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU