Por: André | 13 Novembro 2013
Novidades e incógnitas do primeiro Sínodo deste pontificado. As mesmas que caracterizam o método com que o Papa Bergoglio governa a Igreja.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 12-11-2013. A tradução é de André Langer.
O Sínodo dos Bispos é a estrutura de governo da Igreja que, com o Papa Francisco, está em fase de revisão mais avançada. Ainda não se elaborou um projeto total de reforma, mas enquanto isso já estão em andamento algumas mudanças consideráveis.
As novidades
Uma primeira novidade é que tende a transformar o Sínodo em uma estrutura quase permanente. Sua próxima sessão ordinária, fixada para o outono de 2015, será precedida por uma sessão extraordinária, de 05 a 19 de outubro de 2014.
O tema será o mesmo: “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização”. Mas as tarefas de ambas as sessões serão diferentes. Em 2014, atualizar-se-ão os novos fatos presentes na sociedade e serão recolhidos “testemunhos e propostas”; em 2015, tentar-se-á fixar “linhas operacionais para a pastoral”.
Entre as duas sessões realizar-se-á, na Filadélfia, o VIII Encontro Mundial das Famílias. Mas, sobretudo, reunir-se-á várias vezes o conselho da secretaria do Sínodo, formado por 12 cardeais e bispos dos cinco continentes escolhidos no Sínodo precedente, de 2012, e por outros três membros nomeados pelo Papa, além do secretário geral no cargo, o arcebispo Lorenzo Baldisseri, que atribuiu ao Papa Jorge Mario Bergoglio também “a vontade de potenciar as atividades” desta mesma secretaria.
A segunda novidade é a rapidez da fase preparatória. A qualificação de “extraordinária”, aplicada à sessão de 2014 – explicou-se – é sinônimo de “urgente”. A velocidade com que irrompem em todo o mundo novos modelos e novas concepções no campo familiar e sexual exige a mesma rapidez de resposta da Igreja.
Mas mais nova ainda é a modalidade adotada. Todos os Sínodos anteriores, no arco de meio século, haviam sido precedidos por documentos preparatórios prolixos, abstratos e chatos.
Desta vez é todo o contrário. No dia 18 de outubro, a secretaria do Sínodo transmitiu a todas as Conferências Episcopais um documento de trabalho conciso e concreto.
Basta ver a concisão com que são descritos, desde o início, as mudanças que houve na sociedade sobre a família: “Hoje perfilam-se problemáticas até há poucos anos inéditas, desde a difusão dos casais de fato, que não acedem ao matrimônio e às vezes excluem esta própria ideia, até às uniões entre pessoas do mesmo sexo, às quais não raramente é permitida a adoção de filhos. Entre as numerosas novas situações que exigem a atenção e o compromisso pastoral da Igreja, será suficiente recordar: os matrimônios mistos ou inter-religiosos; a família monoparental; a poligamia; os matrimônios combinados, com a consequente problemática do dote, por vezes entendido como preço de compra da mulher; o sistema das castas; a cultura do não-comprometimento e da presumível instabilidade do vínculo; as formas de feminismo hostis à Igreja; os fenômenos migratórios e reformulação da própria ideia de família; o pluralismo relativista na noção de matrimônio; a influência dos meios de comunicação sobre a cultura popular na compreensão do matrimônio e da vida familiar; as tendências de pensamento subjacentes a propostas legislativas que desvalorizam a permanência e a fidelidade do pacto matrimonial; o difundir-se do fenômeno das mães de substituição (‘barriga de aluguel’); e as novas interpretações dos direitos humanos. Mas, sobretudo no âmbito mais estritamente eclesial, o enfraquecimento ou abandono da fé na sacramentalidade do matrimônio e no poder terapêutico da penitência sacramental.
A partir de tudo isto compreende-se como é urgente que a atenção do episcopado mundial, ‘cum et sub Petro’, enfrente estes desafios. Se, por exemplo, pensarmos unicamente no fato de que no contexto atual muitos adolescentes e jovens, nascidos de matrimônios irregulares, poderão nunca ver os seus pais aproximar-se dos sacramentos, compreenderemos como são urgentes os desafios apresentados à evangelização pela situação atual, de resto difundida em todas as partes da ‘aldeia global’. Esta realidade encontra uma correspondência singular no vasto acolhimento que tem, nos nossos dias, o ensinamento sobre a misericórdia divina e sobre a ternura em relação às pessoas feridas, nas periferias geográficas e existenciais: as expectativas que disto derivam, a propósito das escolhas pastorais relativas à família, são extremamente amplas. Por isso, uma reflexão do Sínodo dos Bispos a respeito destes temas parece tanto necessária e urgente quanto indispensável, como expressão de caridade dos Pastores em relação a quantos lhes são confiados e a toda a família humana.”
A esta primeira parte descritiva segue-se, no documento, uma segunda parte que recapitula o ensinamento da Sagrada Escritura e do magistério da Igreja sobre a família, desde a Gaudium et Spes até a Lumen Fidei, com a clara e patente presença do Catecismo.
E, por último, a parte que mais atraiu a atenção dos meios de comunicação, um questionário com 39 perguntas deste tipo:
“Quais são os pedidos que as pessoas separadas e divorciadas dirigem à Igreja, a propósito dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação? Entre as pessoas que se encontram em tais situações, quantas pedem estes sacramentos?”
Ou: “Existem uniões livres de fato, sem o reconhecimento religioso nem civil? Dispõem-se de dados estatísticos confiáveis?”.
Ou ainda: “No caso de uniões de pessoas do mesmo sexo que adotaram crianças, como é necessário comportar-se pastoralmente, em vista da transmissão da fé?”.
O questionário deverá circular em todas as dioceses e, seria desejável, em todas as paróquias “com o objetivo de reunir dados concretos e reais sobre a temática sinodal”. Mas também grupos ou fiéis poderão enviar, individual e autonomamente, suas respostas a Roma.
A data limite para a devolução foi fixada para o final de janeiro. Em fevereiro, o conselho da secretaria do Sínodo voltará a se reunir para elaborar, com base nos resultados, outro documento preparatório para ser distribuído entre os padres sinodais.
As incógnitas
Até aqui as principais novidades. Mas, junto com estas e, em qualquer caso, por causa destas, perfilam-se também algumas incógnitas.
Os dados estatísticos que o questionário poderá dar, tal como foi compilado e pela variedade de respostas que se prevê, serão provavelmente pouco concretos. E é fácil que se transforme em um poderoso instrumento de pressão, por exemplo, influindo sobre as respostas favoráveis à comunhão dos divorciados em segunda união.
É um risco que o arcebispo Bruno Forte, secretário especial do Sínodo Extraordinário de 2014, ainda não resolveu quando, ao apresentar o questionário à imprensa no dia 05 de novembro, disse que o Sínodo “não deve decidir por maioria ou seguir a opinião pública”, mas também que “seria errôneo ignorar que uma parte considerável da opinião pública tem uma certa exigência”.
Outra incógnita deriva da articulação em dois tempos da convocatória sinodal. Os “testemunhos e propostas” que surgirão da primeira sessão extraordinária, a de outubro de 2014, previsivelmente serão muito variados. E seguramente haverá alguns orientados a mudar sensivelmente a linha que até agora a Igreja percorreu.
Isto criará fortes expectativas na opinião publica, dentro e fora da Igreja. E se descarregarão na seguinte sessão ordinária do Sínodo, a de 2015, que deverá formular as escolhas operacionais que deverá apresentar ao Papa para a decisão final.
É um risco que já se verifica com o Papa Francisco, cujas declarações são, muitas vezes, assumidas pelos meios de comunicação como anunciadoras de mudanças, para além do que realmente dizem.
Mas é um risco que o próprio Papa enfrenta deliberadamente, como podemos ver quando analisamos o seu comportamento.
O método Bergoglio
Após oito meses de pontificado, o estilo de Francisco já é reconhecível. “Este tempo é um ‘kairós’ de misericórdia”, disse aos jornalistas no dia 28 de julho durante o voo de volta do Rio de Janeiro, indicando com isso a prioridade que ele mesmo se havia proposto.
Sobre as questões que se debatem em relação à família, o Papa Bergoglio é de uma ortodoxia doutrinal indiscutível: “Conhecemos a opinião da Igreja e eu sou filho da Igreja”, disse sucintamente na entrevista à revista La Civiltà Cattolica.
Mas a exposição da doutrina a deixa a outros, e ele se reserva a aproximação misericordiosa do médico de almas, que se inclina sobre os feridos como em um “hospital de campanha”.
Uma questão à qual o Papa Francisco aplicou este duplo registro de intervenção é precisamente o tema da comunhão aos católicos divorciados e em segunda união. Quando ele fala deste tema, gosta de ressaltar que “a Igreja é mãe e deve trilhar o caminho da misericórdia”, suscitando com isto expectativas de mudança da práxis vigente.
Ao mesmo tempo, no entanto, confiou ao prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller, a tarefa de confirmar, em tudo e por tudo, o ensino da Igreja sobre este tema e, portanto, as razões do não à comunhão.
O longo artigo de Müller publicado sobre isto no L’Osservatore Romano” de 23 de outubro não era novo. Já havia sido publicado tal qual no dia 15 de junho na Alemanha no Die Tagespost, antes inclusive de Müller ser confirmado pelo Papa em seu papel de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Mas a partir da primavera foram aumentando os sinais de impaciência entre o clero e os bispos de vários países, inclinados a um relaxamento do não à comunhão dos divorciados em segunda união.
No começo de outubro havia causado sensação um documento de uma oficina pastoral da arquidiocese de Friburgo, a mesma do presidente da Conferência Episcopal da Alemanha, Robert Zollitsch, que animava o acesso à comunhão dos divorciados em segunda união, simplesmente sobre a base de “uma decisão de consciência tomada de maneira responsável” e “com a necessária disposição de fé”.
Foi neste momento que o Papa considerou oportuno consolidar os pilares da doutrina, combinando com Müller tanto a publicação do artigo no L’Osservatore Romano, como sua contemporânea divulgação em vários idiomas.
No artigo, Müller critica também quem desvincula a misericórdia de Deus da obrigação de observar os seus mandamentos, quem desvincula a consciência do dever de buscar a verdade e quem quisesse admitir na Igreja católica um segundo ou terceiro casamento, como nas Igrejas ortodoxas.
Está fora de qualquer dúvida que também sobre estes três pontos há pleno acordo entre o Papa e seu prefeito da Doutrina. Mas isto não é óbice para que, no que diz respeito a estes mesmos três pontos, Francisco siga expressando-se à sua maneira, com essa escolha de palavras que é o segredo da sua popularidade, mas também a origem de equívocos interpretativos e de um excesso de expectativas.
Um claro exemplo deste duplo registro comunicativo diz respeito ao tema do segundo casamento permitido pelas Igrejas ortodoxas.
Enquanto Müller, em seu artigo, afirma taxativamente que “esta práxis não é coerente com a vontade de Deus, claramente expressada nas palavras de Jesus sobre a indissolubilidade do matrimônio”, o Papa Francisco, no avião de volta do Brasil se expressava com estas palavras sibilinas:
“Abro um parêntese: os ortodoxos têm uma prática diferente. Eles seguem a teologia da economia, como a chamam, e dão uma segunda possibilidade; eles o permitem. Mas creio que este problema (fecho o parêntese) deve ser estudado no marco da pastoral matrimonial”.
Outro exemplo da oscilação comunicativa refere-se aos processos canônicos de verificação da nulidade de um matrimônio.
Repetidamente, o Papa Francisco fez entrever a necessidade de “revisar” as modalidades destas verificações, na suposição de que os casamentos nulos sejam, na realidade, muito mais numerosos do que garantem os tribunais eclesiásticos.
E todos estes gestos foram interpretados cada vez mais como presságio de facilitação dos reconhecimentos de nulidade. Na mesma direção de um reescrito de Bento XVI de 11 de fevereiro passado – dia do anúncio da sua renúncia ao papado – que aboliu a necessidade de “uma segunda decisão conforme” para que as sentenças da Rota Romana, que declaram a nulidade de um casamento, sejam executivas.
Mas no dia 08 de novembro, em um discurso à plenária do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, o Papa Francisco fez uma forte defesa do “defensor do vínculo”, isto é, do advogado que em cada processo matrimonial tem o dever de “propor todo tipo de provas, de exceções, recursos e apelações que, no respeito à verdade, favoreçam a defesa do vínculo”.
Piloto e co-piloto. Acelerador e freio. A direção do Papa Bergoglio é feita dessa maneira.
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Um Sínodo como quer Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU