25 Junho 2013
"A onda de protestos sugere que o governo desses países não fez o suficiente para resolver problemas estruturais durante a fase de vacas gordas. Nos últimos dez anos, todos os países do Bric caíram no índice de Percepção de Corrupção da ONG Transparência Internacional", escreve Andrew Peaple, colunista, em artigo publicado no The Wall Street Journal e reproduzido pelo jornal Valor, 24-06-2013.
Eis o artigo.
Será hora do investidor pular fora dos mercados emergentes?
Protestos nas ruas do Brasil e da Turquia, crise de liquidez no sistema financeiro da China, greves na África do Sul: tudo isso aponta para uma crescente tensão em nações em desenvolvimento. Some-se a isso sinais de que o banco central americano em breve poderia pisar no freio do programa de compra de títulos de dívida e o que se tem é um cenário bastante complicado para países que, na última década, responderam por cerca de 75% do crescimento econômico do planeta.
Em termos de desenvolvimento econômico e político, cada país desses tem uma situação particular. Em cada um, a revolta da população começou por coisas distintas: de tarifas de transporte coletivo no Brasil à ameaça de destruição de um parque na Turquia.
Desde a virada do século, no entanto, o investidor vem cada vez mais tratando os mercados emergentes como uma única categoria, coletivamente impulsionada por tendências favoráveis como a inserção da China no sistema mundial de comércio.
Conceitos como o do bloco Bric - a princípio, Brasil, Rússia, Índia e China; a África do Sul foi incluída mais tarde - consolidaram a tese de que países em desenvolvimento poderiam ser metidos num balaio só. Quem apostou nessa tese ganhou: o investimento nas bolsas, no câmbio e em títulos de dívida de mercados emergentes teve retornos de 19%, 6,8% e 11%, respectivamente, de 2003 a 2010, comparados com o ganho de 4,1% do índice de ações Standard & Poor's 500 no período, segundo a Goldman Sachs.
Mas os ventos a favor estão perdendo a força, expondo deficiências.
A atividade exportadora é um exemplo. A venda de bens para países desenvolvidos movidos a crédito ajudou países emergentes a reduzir o déficit na balança comercial e a aumentar o emprego, sobretudo antes da crise financeira mundial. Só que essa dinâmica hoje cessou. Uma leitura preliminar do nível de novos pedidos a exportadores, segundo o índice de gerentes de compras HSBC Markit para a China, caiu para 44 em junho (abaixo de 50 ele indica contração).
É claro que a economia europeia, moribunda, está abalando o comércio exterior. Mas mesmo a recuperação relativamente sustentada nos Estados Unidos vem se provando menos útil do que o esperado.
Como observou o estrategista do UBS Bhanu Baweja, o crescimento recente nos EUA se concentrou em indústrias como a da construção civil, a automobilística e a energética. São setores nos quais o país é relativamente autossuficiente ou depende mais de parceiros comerciais como a Alemanha. A demanda é menos robusta para bens como produtos elétricos, 11% de todas as exportações de mercados emergentes, ou vestuário, 4,2% do total. Isso enfraqueceu o elo normalmente forte entre o crescimento dos EUA e de mercados emergentes.
O papel duplo da China exacerbou os problemas de nações emergentes. Assim como outros países em desenvolvimento, a China se deu bem quando o movimento de exportações para economias desenvolvidas era forte. A expansão do investimento no país, por sua vez, fez o preço das commodities subir, o que contribuiu para nações exportadoras desses produtos, como o Brasil. E agora que o crescimento chinês está arrefecendo, Pequim quer reduzir a dependência da economia no investimento em ativos fixos.
A queda no crescimento alimenta a insatisfação popular. Na Turquia, o PIB cresceu 2,5% no ano passado, contra os 9,2% de 2010. No Brasil, o crescimento caiu de 7,5% para 0,9% no mesmo período. Na Rússia, que foi palco de protestos gigantescos no meio do ano passado, o crescimento caiu de 4,3% em 2010 e 2011 para 3,4% em 2012. O FMI acaba de rever a projeção de crescimento da Rússia para este ano de 3,4% para 2,5%.
A onda de protestos sugere que o governo desses países não fez o suficiente para resolver problemas estruturais durante a fase de vacas gordas. Nos últimos dez anos, todos os países do Bric caíram no índice de Percepção de Corrupção da ONG Transparência Internacional. E, embora a produtividade da mão de obra em países emergentes ainda cresça a um ritmo mais acelerado do a que de nações desenvolvidas, a diferença caiu nos últimos três anos. Seria, segundo o estrategista Baweja, do UBS, resultado da queda no ritmo de reformas econômicas.
Na questão da desigualdade, os dados são menos conclusivos. O coeficiente de Gini mede a desigualdade na distribuição da renda. No Brasil, o índice caiu para 0,51 em 2011 (em 2004, era de 0,55), segundo a Sedlac (Socio-Economic Database for Latin America and the Caribbean). Ou seja, o fosso entre ricos e pobres diminuiu. Mas ainda está bem acima da média de cerca de 0,3 dos membros da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O problema de países como o Brasil é que, quando a situação piora, essa discrepância fica mais evidente. Isso eleva o prêmio do risco político.
O retorno anualizado de bolsas de mercados emergentes já entrou em terreno negativo: de 2011 para cá, acumula queda de 6,3%. No caso do câmbio, a queda já soma 0,8%. O mercado de dívida segue relativamente forte, com alta de 7,3%. Seja como for, o S&P 500, que acumula alta de 12%, superou todos.
A alta no rendimento de obrigações do Tesouro americano só vai piorar as coisas, ao atrair mais dólares num momento em que países em desenvolvimento passaram a depender de financiamentos externos. A Turquia e a África do Sul parecem especialmente vulneráveis. A crise de liquidez na China resultou, em parte, de uma forte redução no ingresso de capital estrangeiro e da crescente preocupação com a inadimplência.
A volatilidade já vem causando estragos. Levou a Votorantim Cimentos a suspender uma oferta pública inicial de bilhões de dólares e a Rússia a cancelar dois leilões de títulos de dívida soberana. O movimento de aquisições de empresas de países do Bric já caiu 16% em 2013 em relação a 2012.
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Onda de protestos complica perspectivas de emergentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU