22 Junho 2013
A recente onda de manifestações que varre o Brasil de Norte a Sul surpreendeu muitas pessoas, que assistiram atônitas à forma como um movimento que começou pequeno, contra o aumento da tarifa de transporte público, agora abraça outras causas e conseguiu mobilizar mais de um milhão de pessoas em cem cidades na quinta-feira.
Apesar de surpreender, as manifestações brasileiras seguem tendências que vem se repetindo em outros países.
A reportagem é publicada pela BBC Brasil, 21-06-2013.
Para investigar de que forma os atuais protestos se parecem com os ocorridos no exterior nos últimos cinco anos, a BBC Brasil ouviu jornalistas que trabalham no Serviço Mundial da BBC.
Eles falaram sobre as mobilizações que sacudiram cada um de seus países - o Irã, em 2009, o Egito, em 2011, a Espanha, também em 2011, e a Turquia, nas últimas semanas.
Apesar de terem motivações diferentes, esses protestos têm em comum o fato de terem sido organizados e promovidos nas mídias sociais, como as manifestações no Brasil.
Além disso, há outras semelhanças: na Turquia, por exemplo, os protestos também não têm uma liderança clara, enquanto que, na Espanha, os líderes das manifestações não tinham clara vinculação partidária.
Confira abaixo os perfis dos protestos.
Turquia
Estopim
O movimento começou pequeno, contra a demolição do Parque Gezi, uma das poucas áreas verdes de Istambul, localizado na praça Taksim, no centro da cidade. Começou pacífico, mas rapidamente se espalhou pelo país e se tornou um movimento contra o governo quando a polícia respondeu com violência, usando canhões d'água e bombas de gás lacrimogêneo. Os manifestantes se revoltaram contra o uso da força e acusaram o governo de autoritarismo.
Qual foi o papel das mídias sociais?
O uso extensivo das mídias sociais foi sem precedentes e desempenhou um papel crucial, servindo de canal para divulgar as manifestações. Como os principais meios de comunicação não cobriram os protestos, a internet foi a forma encontrada para divulgar informações e fotos das mobilizações. O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, criticou o uso das mídias sociais e descreveu o Twitter como "encrenqueiro" por causa de seu uso durante os protestos. Alguns usuários de twitter foram detidos.
Liderança
Uma das principais características do movimento foi a falta de liderança ou de um único grupo por trás dele. Com a disseminação dos protestos, vários grupos políticos se uniram, como grupos políticos de esquerda, secularistas, fãs de futebol, feministas.
Reivindicações
A organização Solidariedade Taksim, que acabou abraçando as reivindicações dos manifestantes, reivindicava que o parque Gezi não fosse destruído para dar lugar a um centro comercial. Ela também defendia a renúncia de autoridades e policiais que reprimiram os protestos com violência e pedia a libertação de manifestantes presos. Defendia, também, o direito de protestar.
Legado
Até agora a conquista mais visível para os manifestantes foi a promessa, por parte do governo, de interromper os planos de destruir o Parque Gezi. O governo vai realizar um referendo sobre o tema. Os manifestantes também acham que conseguiram mostrar ao governo que as pessoas estão preocupadas com sua forma autoritária de governar. Eles também acham que conseguiram prejudicar a reputação internacional de Erdogan, da polícia e da mídia turca, acusada de temer o governo.
Egito
Estopim
O movimento no Egito começou inspirado na revolta na Tunísia, que semanas antes tinha conseguido derrubar o governo do ex-presidente Zine El Abidine Ben Ali. O governo do então presidente egípcio Hosni Mubarak estava com a imagem desgastada, a economia ia mal, o desemprego era grande e o custo de vida era muito alto.
Qual foi o papel das mídias sociais?
As redes sociais foram a essência do movimento que acabou derrubando Mubarak. O movimento Nós somos todos Khalid Saeed deu início à mobilização por meio de uma página no Facebook, que ganhou esse nome em homenagem a Khalid Saeed, que foi torturado e morto pela polícia em junho de 2010. Os protestos foram organizados pela internet, que também serviu de canal de transmissão de vídeos e fotos sobre os protestos.
Liderança
Os primeiros protestos foram organizados pelo movimento Nós somos todos Khalid Saeed, mas à medida que ganhavam adeptos, outros grupos da oposição, principalmente a Irmandade Muçulmana, se apropriaram das reivindicações e assumiram a liderança das reivindicações.
Reivindicações
Em 2011, Mubarak já estava havia 29 anos no poder. O Estado era acusado de autoritarismo, corrupção, e as pessoas vinham sua situação econômica deteriorar a cada dia, com inflação alta e desemprego. No início, as principais reivindicações eram por melhorias de vida e mais justiça social e liberdade de expressão, mas rapidamente se voltaram diretamente contra o presidente depois da violência com a qual o governo respondeu às manifestações.
E como foi essa reação do governo e da polícia?
A reação não poderia ter sido mais violenta. Centenas de pessoas morreram e muitas outras ainda estão desaparecidas.
Conquistas
Mubarak acabou sendo forçado a renunciar à Presidência e, em junho de 2012, o candidato da Irmandade Muçulmana, Mohammed Morsi, foi eleito presidente. Apesar de no início ter representado uma esperança para os egípcios, Morsi agora é acusado de querer concentrar poderes e de ter traído os principais objetivos da revolução: "pão, liberdade e justiça social". Muitos pedem sua renúncia e a transição para um governo de coalizão, uma proposta rejeitada pela Irmandade Muçulmana.
Espanha
Estopim
O movimento 15M ou "os indignados" ganhou esse nome por causa do primeiro dia em que os manifestantes saíram às ruas, 15 de maio de 2011. Nenhum incidente concreto desencadeou os protestos, mas as manifestações ocorreram em um contexto de crescente descontentamento popular. Na época, a Espanha enfrentava uma taxa de mais de 20% de desemprego (hoje ultrapassa os 25%) e políticas de austeridade. Além disso, o uso de recursos públicos para resgatar bancos também causava insatisfação.
Papel das mídias sociais
Foi essencial. A iniciativa de organização dos protestos surgiu na internet, que também serviu para propagar o movimento. Depois o movimento montou escritórios, mas nasceu e se desenvolveu na internet.
Lideranças
O grupo envolvido no início dos protestos foi o Democracia Real Já, que se apresentava como uma organização apartidária e também desligada de sindicatos. Em poucos dias, o grupo angariou o apoio de centenas de organizações sociais variadas. Os organizadores não se definiam ideologicamente como de esquerda ou de direita e não se vincularam a nenhum partido. Foi um movimiento amplo que canalizou o descontentamento social em muitas áreas. Ao se apresentar como apartidário e sem ideologia clara, conseguiram amplo apoio transversal em seus primeiros passos.
Reivindicações
Como era muito heterogêneo, foi difícil para o 15M articular demandas concretas que unissem seus participantes. As reivindicações básicas tinham a ver com a defesa dos direitos sociais (habitação, saúde, educação) e ao que chamavam de "regeneração do sistema democrático". Uma das principais reivindicações era a reforma eleitoral, já que, segundo o movimento, o sistema eleitoral espanhol é pouco representativo e favorece o bipartidarismo. As reivindicações também eram de cunho econômico e defendiam mais apoio aos que perderam suas casas por causa da crise do mercado imobiliário. Eles também queriam mais transparência no governo.
Qual foi a reação da polícia
Nos primeiros dias de protestos, o governo reagiu com cautela, mas à medida que os acampamentos se espalhavam, a policía começou a forçar a retirada dos manifestantes. Durantes esses episódios, houve confrontos entre policiais e manifestantes que resultaram em dezenas de feridos. Como reação, o resto da Espanha convocou mobilizações de apoio. Mais recentemente, em fevereiro de 2012, estudantes foram às ruas em Valência contra medidas de austeridade. A policía reagiu com força.
Legado
O movimento 15M continua dois anos depois. É difícil dizer qual foi seu legado concreto. Por um lado, mobilizou a sociedade e fez com que as pessoas se conscientizassem sobre a existência de vias de protesto. Ele também colocou na agenda da mídia e política questões como o problema dos despejados na crise imobiliária, a reforma eleitoral, a transparência política e a luta contra a corrupção. De um ponto de vista mais concreto, por exemplo, o movimento conseguiu mudanças na lei que regulamenta o mercado imobiliário. E, a nível internacional, o movimento dos indignados foi exportado para outros países, como Portugal e Grécia.
Irã
Estopim
O Movimento Verde nasceu no Irã em 2009, depois de acusações de que as eleições presidenciais que reelegeram o presidente Mahmoud Ahmadinejad foram fraudulentas.
Papel das mídias sociais
As mídias sociais foram vitais para o movimento. Na época, o twitter adiou seu programa de manutenção para que os iranianos pudessem se comunicar. As manifestações foram organizadas via twitter e Facebook, que também serviram de canal de divulgação para fotos e vídeos sobre as mobilizações.
Liderança
Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karoubi, candidatos derrotados na eleição, lideraram o movimento. Eles se uniram aos manifestantes um dia depois das eleições.
Reivindicações
O principal slogan dos manifestantes era "Aonde está o meu voto?", em que pediam o cancelamento das eleições. E, à medida que a resposta do governo endurecia, suas demandas se radicalizavam, até chegar ao ponto em que as pessoas começaram a pedir o fim do regime islâmico no país.
Como foi a reação do governo e da polícia?
Os protestos foram combatidos com violência, centenas de pessoas foram presas, dezenas morreram e líderes da oposição ficaram sob prisão domiciliar. Alguns estão presos até hoje, e suas reivindicações nunca foram atendidas.
Conquistas
A eleição nunca foi anulada, mas ficou claro que a oposição tinha uma voz no país. Alguns analistas dizem que a vitória de Hassah Rohani, um clérigo moderado que conta com o apoio da oposição, na eleição de 14 de junho, é o resultado do que aconteceu em 2009. Depois da vitória de Rohani, milhares foram às ruas e cantaram "O movimento verde está vivo".
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Protestos no Brasil têm semelhanças com outros ao redor do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU