Por: Cesar Sanson | 31 Mai 2013
Certamente parte da sociedade brasileira pode estar perplexa diante da firmeza e disposição ao confronto atual dos ocupantes de Belo Monte, mas quem conhece a sua história e a ameaça que paira sobre as suas terras sabe a razão da luta e resistência do povo indígena Munduruku. O comentário é de Pe. Edilberto Senna em artigo publicado no portal do Cimi, 30-05-2013.
Eis o artigo.
Nestes dias, já é a segunda ocupação indígena mais demorada nos canteiros de obras da desgraça de Belo Monte. Aconteceram outras antes, mas de curta duração, em que os indígenas foram iludidos pelas falsas promessas do pessoal do governo federal. Era como se a presidente dissesse a seus comandados, liderados pelo treinado ministro da enganação, Gilberto Carvalho – vão lá, prometam aos índios umas rabetas, umas casas de farinha, um motor de luz e alguns trocados. Quando eles saírem, vocês doam uma parte que eles se conformem. Assim foi em Aripuanã, MT em Dardanelos, assim foi com os Anawê- nawê, no rio Juruena, “índio a gente sempre tapeia com uns agrados”. Assim já foi ao tempo dos portugueses em 1500.
A diferença agora é que os indígenas, não sendo otários, perceberam as mentiras do governo federal e não mais aceitam promessas de diálogos em Brasília, nem mais recados por funcionários sem poder de decisão.
Certamente parte da sociedade brasileira pode estar perplexa diante da firmeza e disposição ao confronto atual dos ocupantes de Belo Monte. 170 entre homens, mulheres e crianças de vários povos estão lá no canteiro de obras, deixando o consórcio irritado, nervoso e querendo que os militares retirem à força os indígenas. São eles membros dos povos Xipaia, Juruna, Curuaia, mas liderados pelo povo Munduruku do rio Tapajós.
Por que essa liderança Munduruku? Pensam os contra povos tradicionais e os interessados pela conclusão da hidroelétrica de Belo Monte estão “indignados” criticando a presença dos Munduruku que nem vive no rio Xingu. Esses contra os povos, pensam que os indígenas são manipulados por ONGs, que são ingênuos caçadores de compensações. Porém, quando as lideranças não temem aparecer diante do oficial de justiça e dos militares bem armados de fuzis para rasgarem o ofício do juiz, com mandato de retirada em 24 horas, não dá mais para pensar que eles são ingênuos, ou manipulados por ONGs. Esta atitude é de quem sabe o que quer e tem estratégia definida. Os resistentes declaram publicamente, que de lá não saem, até que alguma autoridade com poder de decisão vá e escute o que eles exigem em nome da dignidade e dos direitos humanos. E afirmam claramente: – “vocês vem para nos matar e nós estamos dispostos a morrer...” na defesa da vida.
A presença de 80 indígenas Munduruku lá em Belo Monte, tendo viajado cerca de 800 quilômetros de estrada desde Jacareacanga, não foi um mero passeio, ou gosto de guerrear. Só eles compõem metade dos ocupantes dos canteiros de obras, quando dos 14 povos do Xingu estão apenas alguns de cada povo. E mais, os munduruku que foram tradicionais inimigos dos Kaiapó, hoje reconhecem e dão as mãos aos parentes do Xingu dizendo – “hoje compreendemos que nosso inimigo, não é o Kaiapó, nem o Juruna, mas o governo brasileiro e o capitalismo”...
Mas há outra explicação para essa valentia e coragem dos Munduruku. Em visita à aldeia Cururu em 2009, depois de um dia de esclarecimento sobre os planos do governo de construir sete hidroelétricas na bacia do rio Tapajós, eles decidiram escrever uma carta ao então presidente Lula, onde entre outras coisas escreveram o seguinte; “sr. Presidente Lula, nós comunidade indígena, etnia Munduruku, preocupados com o projeto federal de construir cinco barragens no nosso Rio Tapajós e Rio Jamanxin, será que o governo quer acabar toda a população da bacia do Rio Tapajós?... e daí, onde vamos morar? No fundo do rio, ou em cima das árvores?... Nós etnia Munduruku queremos mostrar agora como acontecia com nossos antepassados e os brancos (pariwats), quando em guerra, cortando a cabeça. Por isso não queremos mais ouvir sobre essas barragens na bacia do Rio Tapajós”.
Em 2009 eles compreenderam as ameaças que corriam e escreveram delicadamente ao presidente de plantão. Três anos e meio, hoje, vendo como o governo enfia goela abaixo as usinas de Teles Pires, inclusive permitindo a Polícia Federal assassinar um jovem Munduruku e também no rio Xingu, com a desgraça de Belo Monte, as lideranças Munduruku já decidiram que não vão permitir mais mentiras e violações da Constituição Federal no Tapajós. Compreenderam que o governo, os juízes de desembargadores preferem as filigranas da Lei para apoiar os planos perversos do governo, que nem respeita os tratados internacionais como o da OIT, então eles reuniram todos os caciques (afinal, os Munduruku respeitam fielmente suas leis e hierarquia) que autorizaram seus líderes eleitos da associação Pusuru, a liderarem a ocupação de Belo Monte, num recado explícito ao governo, exigem a consulta prévia, como é exigida na Constituição e na consulta dirão porque não aceitam a destruição de matas e rios em nome de progresso das grandes empresas e do PAC do governo. Em Belo Monte não querem compensações, nem conversa com terceiro escalão do governo para mais promessas mentirosas. Exigem a presença do ministro lá e não em Brasília, onde já foram enganados várias vezes, pelo próprio Ministro.
De 1.500 a 2013 há uma grande diferença na evolução da consciência dos povos nativos. Infelizmente a mesma consciência não evoluiu entre os não indígenas, com exceção dos Cabanos de saudosa memória, entre 1835 e 1.842. Se lá os assassinatos de 30.000 nativos não teve repercussão nacional e internacional, hoje será assim.
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Razões da resistência do povo Munduruku - Instituto Humanitas Unisinos - IHU