15 Fevereiro 2013
"O trabalho de sensibilização feito pelo Movimento Tapajós Vivo, que é contra as barragens, tem entusiasmado comunitários nos encontros e reuniões, vídeos e cartilhas", escreve Edilberto Sena, padre coordenador geral da Rádio Rural de Santarém, presidente da Rede Notícias da Amazônia – RNA e membro da Frente em Defesa da Amazônia – FDA, 11-02-2013.
No entanto, continua, os representantes do governo "dizem que as barragens serão feitas de qualquer jeito e que haverá indenizações aos que concordarem e nada aos contra barragens".
Segundo Edilberto Sena, "o mais preocupante disso é que as obras são irreversíveis. Com o fato consumado, serão alagadas florestas, o rio vai baixar a jusante prejudicando a navegação, os moradores serão expulsos de suas terras sem justa indenização e a energia vai servir às grandes mineradoras e à indústria do sul do país".
Eis o artigo.
A invasão de propriedade coletiva continua a ocorrer na região do rio Tapajós. O governo federal está determinado a destruir os povos, o rio e a floresta para satisfazer ao Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. Escutar os povos nem pensar, iludir com promessas de compensação sim. Dois fatos mais recentes dessa agressão à dignidade dos povos do Tapajós para ilustrar a realidade.
No dia 31 de janeiro 2013, aconteceu uma assembleia extraordinária de 120 caciques Mundurucu, na aldeia Sai Cinza, além de Jacareacanga. Lá chegaram de avião, representantes da secretaria da Presidência da República, da FUNAI Brasília e mais outros. Sentaram no salão, não disseram por que estavam ali vindos de tão longe. Desconfiado que fosse uma armadilha para depois dizerem lá em Brasília que já tinham feito a oitiva aos índios, alguém mais atento da assembleia indagou o que tinham vindo fazer ali. Disseram que tinham vindo apenas assistir a reunião por que foram convidados. Nenhum cacique confirmou que eles tinham sido convidados. Diante do clima de desconfiança da assembleia, pela tarde, foram embora. No dia seguinte outra pessoa estava lá na assembleia sem se identificar, mas filmando tudo. Pressionado para se identificar, confessou que estava a serviço de uma empresa a serviço da Eletrobrás. Foi obrigado a entregar os filmes já feitos e convidado a se retirar. E assim foi, “meus filhos eu vi...”
No sábado passado, 09/02 ocorreu outro fato revelador dos interesses do governo em iludir os povos do Tapajós, em vista de seu plano de barragens. Houve uma reunião na comunidade Pimental, justamente a comunidade onde a Eletronorte pretende afundar para fazer uma barragem de 30 metros de altura. A reunião foi convocada por uma ONG “Diálogos tapajós”, financiada pela Eletrobrás. A comunidade que estava resistente às hidroelétricas, foi dividida e iludida, aceitando as promessas da ONG. Eis um relato de quem esteve presente lá, Jesielita Gouveia, do Movimento Tapajós Vivo: “A apresentação da Diálogos Tapajós com data show: O objetivo do encontro é defender os direitos da comunidade, não é o MAB, não é a Diálogos e nem um movimento e sim a comunidade, por isso que eles estão reunidos para ganhar força e isso só acontece se a comunidade apoiar o conselho.
O apresentador pediu autorização para tirar fotos e filmar os moradores, e a comunidade autorizou.
O Gil da ONG, explicou quais as etapas e em que etapa se encontra hoje (2009 a 2010) estudo do EIA, está pela metade, se não tiver nenhum atraso termina em maio de 2013. Explicou até o final do plano. A audiência publica está prevista para acontecer no final de 2013, o RIMA fica pronto em setembro e outubro de 2013. (Talvez quem vem participar do leilão é um grupo chinês o mesmo que vai construir a ferrovia Mato Grosso - Itaituba, será coincidência?, ou coisa da minha imaginação?) A Licença de instalação - LI - está prevista para 2016. Depois de muitas conversas o que eles queriam era apresentar a empresa que vai entrar na comunidade para fazer os levantamentos que é o IBOP E CARTA – Cartografia Agrimessura Ltda (Norte Energia escrito na manga da camisa).
Explicaram que esse cadastro é uma luta dos movimentos sociais, não é por acaso que esses cadastros estão acontecendo. Leram o Decreto n° 7.342 de 26 de Outubro de 2010. Portaria Interministerial n° 840 de Julho de 2012.
No final de tudo informaram que a data de entrada do IBOP na comunidade é a partir dia 15 de Fevereiro.
O IBOP vai realizar o Cadastro sócio econômico, não é pros moradores deixar de dar nenhuma informação, RG, CPF, deixar fotografar etc... O Geo- referenciamento quem vai realizar é a CARTA, na pessoa do Jair e do Neto. Uma informação que eles deixaram bem claro, quem vai pagar as indenizações é a empresa que vai construir a hidroelétrica, não é o governo. E quem se recusar a fornecer seus dados e não cadastrar, quando vier a barragem não receberá nada de indenização”.
Estes dois fatos recentes revelam como o governo está apressando os preparativos para destruir o rio Tapajós e, prevendo a resistência dos povos ameaçados se antecipa com ilusões. A preocupação maior deles é com os Mundurucu que estão mais resistentes do que os comunitários das dezenas de comunidades a serem atingidas pelas sete barragens. Com ilusões de indenização, ameaças a quem resistir, os técnicos e ilusionistas estão ativos na região.
O trabalho de sensibilização pelo Movimento Tapajós Vivo, que é contra as barragens, tem entusiasmado comunitários nos encontros e reuniões, vídeos e cartilhas. Um trabalho voluntário e idealista tentando explicar o que aconteceu e acontece em Jirau, Santo Antonio, no rio Madeira, o assassinato do índio Muduruku em Teles Pires, pela polícia federal, até hoje sem punição. Mas nada disso consegue superar o jogo duro das promessas ilusórias. Dizem logo que as barragens serão feitas de qualquer jeito e que haverá indenizações aos que concordarem e nada aos contra barragens.
O esquema criminoso é semelhante ao que ocorre no rio Xingu. O governo não suja as mãos com a mentira aos nativos, isto fica por conta das empreiteiras. Um recente caso em Altamira ilustra a bandidagem.
Na última semana de janeiro, a Norte Energia demoliu a casa da agricultora Maria do Socorro de Oliveira, de 69 anos, deixando a idosa, seus seis netos, um bisneto e um filho adotivo de poucos meses sem moradia. Dona Maria, proprietária de dois lotes (200 hectares) na região conhecida como Travessão do Cenec, onde cultiva 4,3 mil pés de cacau (além de banana, caju, laranja e outras frutas), foi desapropriada à revelia e o valor da terra, estipulado pela empresa em R$ 300 mil, foi depositado em juízo. A Justiça, no entanto, negou o acesso ao recurso. A informação é publicada por Amazonia.org.br, 30-01-2013.
O caso de dona Maria é mais um dos graves problemas fundiários causados pelo avanço de Belo Monte na região de Altamira. Segundo a agricultora, a Norte Energia, responsável pela obra da hidrelétrica, realizou uma série de intervenções no travessão onde mora, abrindo uma estrada, derrubando sua cerca, retirando piçarra (substrato de solo para fazer estrada) sem autorização de sua área, e por fim sub-avaliou o valor de sua produção de cacau, argumentando que as plantas eram nativas e não tinham valor de mercado.
Os argumentos repetidos ao cansaço para parecer verdade do governo é que as hidroelétricas são necessárias para o crescimento do país. O plano é perverso e a sociedade brasileira precisa reagir, junto com os grupos militantes da resistência no Tapajós, junto com os Munduruku. O tempo avança rápido e o governo age sorrateiramente com mentiras e pressões sobre quem recusa aceitar a desgraça das barragens. O que as empreiteiras estão fazendo com os colonos do Xingu, certamente irão fazer com os comunitários de Pimental e de todo o Tapajós.
O mais preocupante disso é que as obras são irreversíveis. Com o fato consumado, serão alagadas florestas, o rio vai baixar a jusante prejudicando a navegação, os moradores serão expulsos de suas terras sem justa indenização e a energia vai servir às grandes mineradoras e à indústria do sul do país.
Não é possível que os brasileiros de consciência ética, no sul, no nordeste, em Santarém, Itaituba e outras regiões aceitem tal esbulho e violência coletiva. Não é possível que a estória de Noé e o povo de Sodoma se repita de maneira mais real e trágica na Amazônia. Resistir é preciso.
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Tapajós. Vendo o dilúvio chegar. Artigo de Edilberto Sena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU