24 Mai 2013
“Trazer para a capital do estado do Rio Grande do Norte a manifestação Grito da Seca foi importante. Conseguimos juntar (...) mais de cinco mil pessoas. A Revolta do Busão, de forma solidária, se juntou ao Grito da Seca e participou do ato conosco para pressionar o governo do estado e o governo federal na busca de alternativas viáveis para essas comunidades”, avalia a comunicadora popular da Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA.
Confira a entrevista.
Foto: www.jocelinodantas.blogspot.com.br |
As manifestações de jovens nas redes sociais há dois anos, criticando a gestão da ex-prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV), continuam ativas na capital do Rio Grande do Norte. O movimento, que ficou conhecido no Twitter com a #ForaMicarla, hoje chama a atenção com a Revolta do Busão e o Grito da Seca. Cerca de cinco mil pessoas passaram a semana manifestando sua indignação com o aumento do preço das passagens de ônibus, e com as políticas públicas que não geram resultados diante da estiagem que atinge o semiárido brasileiro.
Tárzia Medeiros, comunicadora popular da Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA, está acompanhando as manifestações e comenta, em entrevista à IHU On-Line, que, embora os dois movimentos não tenham nenhuma relação, eles decidiram “fazer um ato em comum” para pressionar os governos federal e estadual diante da atual situação do transporte público e dos problemas do semiárido. Segundo ela, as manifestações “estão sofrendo um processo de criminalização tanto da ação truculenta da polícia quanto do aparato da Polícia Federal, do BOPE, do Batalhão de Choque. (...) Sofremos uma violência muito grande porque enfrentamos um dos setores mais poderosos de Natal, o das empresas de ônibus, que fazem um lobby muito grande e financiam a maioria das campanhas eleitorais, principalmente do poder Executivo”.
Tárzia Medeiros é comunicadora popular da ASA.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é a Revolta do Busão?
Foto: www.twitter.com/Revoltadobusao |
Tárzia Medeiros – A Revolta do Busão é um movimento que surgiu há quase dois anos, com um outro movimento chamado Fora Micarla, que denunciou a corrupção na gestão da ex-prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV). À época jovens estudantes e sindicalistas se mobilizaram visando para pressionar o poder Legislativo para que instalasse uma comissão especial de inquérito. Eles ocuparam a Câmara dos Vereadores por onze dias, onde montaram um acampamento chamado Primavera sem Borboleta, em alusão às manifestações da Primavera Árabe, e ao símbolo da prefeita (borboleta). Esse movimento ganhou muita força através de convocações feitas por meio das redes sociais.
Quando houve o primeiro aumento das passagens, o movimento Fora Micarla mudou o tema da reivindicação e passou a se chamar Revolta do Busão. Fizemos uma pressão muito forte e conseguimos derrubar o aumento da passagem. Durante a campanha do atual prefeito, Carlos Eduardo Alves (PDT), houve a promessa de que não haveria reajuste no preço das passagens, mas poucos meses depois de assumir a prefeitura ele assinou o reajuste do preço.
Vários estudos de técnicos da área urbana demonstram que o preço da passagem em Natal, levando em conta a quilometragem rodada pelos ônibus e o percurso que eles fazem na cidade, comparando com outras capitais, é um dos mais caros do país, porque Natal é uma cidade com 800 mil habitantes. Em cidades como Recife, que tem mais de dois milhões de habitantes, a passagem custa R$2,25. Em Natal, o valor da passagem era R$2,20 e aumentou para R$2,40. A partir desse aumento a Revolta do Busão começou a se reunir em plenárias, e nos últimos dez dias o movimento começou a organizar atos e marchas nos quais cerca de três mil pessoas têm participado.
Ocorre que as manifestações estão sofrendo um processo de criminalização tanto da ação truculenta da polícia quanto do aparato da Polícia Federal, do BOPE, do Batalhão de Choque. Até estudantes seminaristas de 15 anos foram espancados, presos de forma indevida. Sofremos uma violência muito grande porque enfrentamos um dos setores mais poderosos de Natal, o das empresas de ônibus, que fazem um lobby muito grande e financiam a maioria das campanhas eleitorais, principalmente do poder Executivo.
IHU On-Line – Qual a situação do transporte público em Natal?
Tárzia Medeiros – Os ônibus são precários e circulam lotados, com pessoas em pé. As empresas não disponibilizam frotas de ônibus para dar conta da demanda. Vivemos numa cidade da região Nordeste em que faz muito calor, os ônibus não têm ar condicionado, e as frotas não são renovadas. Toda a vez em que as empresas aumentam o preço da passagem, prometem que a frota será expandida, que os ônibus terão ar-condicionado, mas nada disso é feito. O poder Executivo nunca exige a contrapartida de as empresas cumprirem com as promessas. Essa também é uma revolta e um dos motivos pelos quais estamos nos organizando. Como a qualidade do transporte público é muito ruim, as pessoas começam a comprar motos e carros para ter alternativas de circular na cidade, e isso tem gerado um caos. Nunca teve engarrafamento em Natal, mas hoje não é possível andar sem ficar 40 minutos parado no trânsito em trechos mais críticos, que levam para a Zona Norte e Zona Sul. Então, a Revolta do Busão não critica somente o aumento da passagem, mas reivindica o passe livre para estudantes, idosos e desempregados, e pela melhoria das condições de transporte.
IHU On-Line – E o que são as manifestações do Grito da Seca?
Tárzia Medeiros – O Grito da Seca vem sendo construído há pelo menos dois meses. Inicialmente, não tinha nenhuma ligação com a Revolta do Busão. Ele coincidiu com o aumento da passagem e aí a juventude foi para as ruas. O Grito da Seca decidiu se juntar com a Revolta do Busão para fazer um ato em comum.
O Grito da Seca foi construído pelo Fórum do Campo – FOCAMPO, que congrega várias entidades, movimentos sociais, que atuam na zona rural com os movimentos do campo. O MST e a Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA se juntaram à manifestação, além de algumas pastorais sociais, movimentos urbanos, como o Comitê Popular da Copa. A pauta é reivindicar e questionar as alternativas que estão sendo apresentadas pelos governos federal e estadual, e amenizar os impactos da estiagem prolongada da região semiárida. Algumas alternativas que foram apontadas fortalecem a lógica da indústria da seca, a lógica de levar e trazer água através de carros-pipa na mão das prefeituras do interior. Essas políticas propiciam o uso político do acesso à água, à terra. A distribuição de água através de carro-pipa tira a autonomia das pessoas e vincula a distribuição de água como se fosse uma obrigatoriedade de vinculação política. É possível investir em alternativas mais eficazes para que as famílias e as comunidades rurais tenham mais autonomia para acessar o seu direito à água.
Trazer para a capital do estado do Rio Grande do Norte a manifestação Grito da Seca foi importante. Conseguimos juntar, no último dia 21, em Natal, mais de cinco mil pessoas. A Revolta do Busão, de forma solidária, se juntou ao Grito da Seca e participou do ato conosco para pressionar o governo do estado e o governo federal na busca de alternativas viáveis para essas comunidades.
As pessoas perderam os seus rebanhos e hoje, apesar de a chuva ter caído um pouco, não consideramos que a estiagem acabou. Foi uma chuva passageira, que não dá conta de produzir nada. O plantio de feijão e de milho, que é a principal cultura da região, ainda precisa de um período de chuva mais intensa para poder se viabilizar. A estiagem ainda não passou e a situação das famílias das comunidades rurais ainda é muito crítica.
O MST ocupou o espaço do centro administrativo na capital, onde está localizada a governadoria, e ficaram acampados até hoje (23-05-2013), dia da negociação da pauta com o governo do estado. Hoje eles levantaram o acampamento e estão marchando junto com a Revolta do Busão. Novamente devem passar pela prefeitura, que é onde a Revolta do Busão deve fazer um protesto para continuar pressionando para que o valor da passagem volte ao seu preço anterior. Depois disso vão seguir para outro órgão do governo federal para poder negociar a pauta.
IHU On-Line – Quais as repercussões dessas manifestações?
Tárzia Medeiros – No dia 21-05, depois da marcha, teve uma audiência com a governadora Rosalba Ciarlini, e o que conseguimos de concreto foi a perfuração de dez poços que o MST já vinha reivindicando há dois anos, e agora o governo assinou a ordem de serviço. A pauta era assistência técnica nas áreas de assentamento e nas comunidades rurais para viabilizar a produção de alimentos, a perfuração de 500 postos em regiões onde a seca está muito grande, e estes poços poderiam servir para retirar a água e encher as cisternas. Essas questões ainda estão no campo das promessas.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
Tárzia Medeiros – No dia 21, o juiz federal, Magnus Delgado, proibiu a manifestação de ocupar a BR 101, que é a via de entrada em Natal, e disse que quem obstruísse parcial ou totalmente a BR 101 iria preso em flagrante. Por causa disso, o juiz sofreu uma reprimenda do Ministro do Superior Tribunal, Joaquim Barbosa. Organizar-se, reivindicar e fazer atos são direitos constitucionais. A atitude do juiz é algo que não tem amparo na Constituição.
Esta atitude do juiz deve servir de alerta, porque nos próximos meses será aprovada a Lei da Copa, que cria um estado de exceção no Brasil. Durante a Copa do Mundo será proibida qualquer tipo de organização política, qualquer tipo de organização de marchas e de protestos. Então, é como se fosse um ato do AI-5, no período da ditadura. Então, o que aconteceu em Natal precisa servir de exemplo para os movimentos sociais de todo o Brasil.
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Grito da Seca e Revolta do Busão. Entrevista especial com Tárzia Medeiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU