"Breve é a loucura, longo é o arrependimento". Atribuída ao filósofo alemão
Friedrich Schiller (1759-1805), a frase traduz bem o sentimento predominante em Natal quando o assunto é a prefeita
Micarla de Sousa (PV). Eleita com folga há dois anos e meio, a carismática apresentadora de TV enfrenta agora o isolamento político e a rejeição popular, além de uma comissão de inquérito e um movimento que quer vê-la fora do cargo antes da hora. Sem muitas opções, a prefeita busca na aproximação com antigos adversários uma forma de dar sobrevida à sua gestão.
A reportagem é de
Murillo Camarotto e publicada pelo jornal
Valor, 27-06-2011.
No início deste mês, um grupo de manifestantes ocupou por dez dias a Câmara Municipal de Natal, de onde só saiu após a garantia de instalação de uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) para investigar os contratos firmados pela prefeitura. Há suspeitas de irregularidades em aluguéis pagos mensalmente pela Executivo Municipal.
A ocupação do prédio, porém, é o estopim de um contínuo processo de desgaste da imagem de
Micarla na capital potiguar. Os incontáveis buracos e a sujeira nas ruas e calçadas, bem como o atendimento precário no sistema municipal de saúde são as principais queixas dos muitos natalenses declaradamente arrependidos da prefeita que elegeram.
"Ela perdeu o respeito. Decepcionou muito, principalmente os mais humildes", avalia o ambulante
Lizanildo Antonio da Silva, ex-eleitor de Micarla. O taxista
João Diniz, que há 15 anos faz ponto em frente ao prédio da prefeitura, integra o mesmo grupo: "Ela não ganha nem pra líder comunitária. Foi uma decepção completa", queixa-se.
O primeiro grande ato organizado contra
Micarla ocorreu em 25 maio deste ano, quando um grupo de estudantes - engrossado por sindicalistas e militantes partidários - fez um panelaço para reclamar do reajuste nas passagens de ônibus. O "sucesso" do protesto, segundo seus organizadores, se deveu ao poder das redes sociais, especialmente o
Twitter, onde se multiplicou rapidamente o tópico #ForaMicarla.
"Ela se revelou uma administradora totalmente incompetente. A cidade está um caos, todos os serviços públicos pioraram, e essa insatisfação vai se acumulando. Somado às suspeitas de corrupção, o ambiente fica propício para esse tipo de movimento", avalia o cientista político da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
João Manuel Evangelista.
O ambiente também ficou propício para o PT local, derrotado por
Micarla em 2008 e seu maior adversário. Disposto a evitar que os protestos ganhassem status político, como sustenta a prefeita, o partido tentou negar qualquer interferência na formação e reprodução do #ForaMicarla, apesar de boa parte dos organizadores da ocupação da Câmara serem filiados.
"O protesto brotou de forma espontânea. Agora, uma vez criado, o PT participou. Foi um movimento belíssimo", afirmou a deputada federal
Fátima Bezerra, principal concorrente de
Micarla nas eleições de 2008. Segundo a parlamentar, a gestão da prefeita é "uma combinação de descontinuidade, ineficiência e falta de capacidade de gestão". "
Micarla não tem experiência nenhuma. Ela era do mundo da TV. Era uma boa apresentadora", alfinetou a petista.
Filha do senador
Carlos Alberto de Sousa, morto em 1998, a prefeita de Natal se lançou na política após anos como apresentadora da TV Ponta Negra, retransmissora do SBT na capital potiguar, da qual sua família é proprietária. "Diante de uma audiência de perfil bem popular, ela construiu a imagem de quem conhecia os problemas da cidade. Também fazia jornalismo com alguma isenção, o que deu a ela certa credibilidade", lembra
Evangelista, da UFRN.
A primeira experiência política foi em 2004, quando
Micarla foi eleita vice-prefeita na chapa de
Carlos Eduardo Alves, à época no PSB. Não tardou e ela rompeu com o prefeito. Dois anos mais tarde foi eleita deputada estadual e começou a campanha para a prefeitura. O sucesso da empreitada necessitava, porém, de uma aproximação com setores ligados ao empresariado e à elite potiguar, tarefa que coube ao senador
José Agripino Maia (DEM), que conhece a prefeita desde criança e que também acabou arrependido da escolha.
Em clima de grande otimismo,
Micarla foi eleita no primeiro turno em 2008, com o apoio maciço de importantes líderes da direita potiguar, como a atual governadora,
Rosalba Ciarlini (DEM), o atual vice-governador,
Robinson Faria (PSD), e o deputado federal
João Maia (PR), além do próprio
Agripino. Hoje todos estão afastados da prefeita, que botou para correr a maioria dos secretários indicados pelos então aliados.
A dança das cadeiras na equipe de
Micarla salta aos olhos. Em dois anos e meio de gestão já foram mais de 50 secretários. "Essa rotatividade é péssima para ela, eu já disse isso várias vezes. Mas o problema é que muitos pediram para sair", conta o líder do governo na Câmara,
Enildo Alves (sem partido). "Com todo esse rodízio, ela acabou se isolando, infelizmente", admitiu o vereador.
Ele argumenta que a enxurrada de críticas sobre a gestão municipal não condiz com a realidade. "Há uma contaminação. A cidade não está esse caos todo. Houve avanços na saúde e na educação. Está certo que a limpeza urbana não teve a ação devida, mas os buracos são culpa das fortes chuvas. Em todo lugar é assim", justificou
Alves.
Apesar de todos os problemas, as conveniências da política permitiram que a prefeita mantivesse na Câmara a maioria conquistada depois que venceu as eleições. Maior partido da Casa, com seis vereadores, o PSB apoiou a candidata do PT em 2008, mas aderiu ao bloco governista nos primeiros dias de gestão
Micarla, com exceção da vereadora
Julia Arruda.
O desgaste, ainda assim, só aumentou, e pôde ser percebido claramente nas eleições do ano passado, quando
Micarla amargou derrotas acachapantes do marido,
Miguel Weber, e da irmã,
Rosy de Sousa, que disputaram os cargos de deputado estadual e federal, respectivamente. Ela também foi "escondida" por
Agripino e
Rosalba Ciarlini, então candidatos. "Ninguém a queria no palanque. Era vaia na certa", contou uma pessoa influente no governo estadual.
Em sua defesa, a prefeita alega falta de recursos e perseguição política. Em coletiva de imprensa concedida durante a ocupação da Câmara, ela negou irregularidades na gestão e afirmou que o #ForaMicarla não tem pauta de reivindicações. No seu entender, o movimento é uma estratégia de antecipação do debate eleitoral de 2012 por parte da oposição. Procurada insistentemente pelo Valor, a assessoria da prefeita alegou falta de agenda para uma entrevista.
Recentemente,
Micarla também reclamou da bancada potiguar na Câmara dos Deputados que, "salvo algumas exceções", não estaria trabalhando por Natal. A resposta foi imediata. O tucano
Rogério Marinho, outro ex-aliado, disse ao "Diário de Natal" que o município está perdendo a oportunidade de atrair recursos federais pois está inadimplente com o Cadastro Único dos Convênios.
Fábio Faria (PSD), também neodesafeto, disse ao mesmo jornal que "não é apontando o dedo que a prefeitura vai se recuperar".
Micarla ainda acredita que a entrada de recursos do PAC, prometida para os próximos meses, poderá lhe devolver alguma credibilidade. Esse seria um dos motivos, segundo um aliado da prefeita, para a aproximação com o deputado federal
Henrique Eduardo Alves (PMDB), que nas eleições de 2008 apoiou a adversária de
Micarla.
Influente em Brasília, o parlamentar estaria trabalhando para agilizar a liberação dos recursos para a capital potiguar, especialmente os referentes ao PAC de Mobilidade. Em troca, indicou os secretários de Obras e Mobilidade Urbana, Pastas nas quais será despejada boa parte do dinheiro federal. "Na atual conjuntura, é conveniente para os dois", afirmou o aliado.
Micarla também estaria buscando uma aproximação com a ex-governadora
Wilma de Faria (PSB), outra que apoiou o PT na última eleição municipal. Recentemente, duas pessoas próximas à
Wilma assumiram as secretarias de Gestão de Pessoas e de Serviços Urbanos, gerando especulações sobre uma possível aliança com o PSB. Pelo menos oficialmente, a ex-governadora tem dito que segue como oposição à prefeita. Wilma, aliás, é uma provável candidata à prefeitura em 2012, ao lado do ex-prefeito
Carlos Eduardo Alves (PDT) e do deputado estadual
Fernando Mineiro (PT).
Estratégias de sobrevivência à parte,
Micarla de Sousa já é considerada peça excluída do tabuleiro político potiguar. "Ela está tão arrasada que bater nela seria oportunismo", afirmou uma importante liderança política do Rio Grande do Norte. Considerado o cenário atual, a tendência é de que a prefeita desista da reeleição. Além da rejeição popular e do isolamento político, a família estaria pressionando Micarla, que tem um problema cardíaco, a retomar as atividades na televisão.
É o que espera a empresária
Françoise Medeiros, dona da ótica que fica em frente à maltratada fachada da Prefeitura de Natal. Após dar nota zero para a gestão municipal, ela reclamou dos buracos e da sujeira em frente ao seu estabelecimento. "Se na rua da prefeitura é assim, imagine na periferia.
Micarla bem que podia botar a cabecinha na janela, né?"
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População de Natal rejeita prefeita que elegeu com folga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU