27 Junho 2012
“A Rio+20 falhou ao não apresentar uma avaliação crítica responsável sobre a falha na implementação dos principais acordos de 1992 e no estabelecimento de metas ambiciosas para o futuro próximo”, avalia o advogado.
Confira a entrevista
“O maior problema não me parece que sejam os dissensos explícitos em frases ambíguas no insosso documento final da Rio+20, mas os acordos tácitos que ele cela. A não decisão que acomoda divergências é uma decisão da unanimidade. Implica em obviamente manter o bonde andando na mesma rota até a próxima parada, talvez daqui a 10 ou 20 anos, num Rio de Janeiro 5 graus mais quente”. É a partir dessa análise que o advogado e mestre em Política e Gestão Ambiental, André Lima, comenta a atuação dos chefes de Estado na Rio+20, que “no mais clássico estilo do ‘diplomatês’” não estabeleceram metas concretas em relação ao meio ambiente e à sustentabilidade do planeta.
A atuação do Brasil na conferência também foi alvo de críticas, especialmente por conta da agenda ambiental brasileira e do Código Florestal, que não ganhou destaque nas discussões. “A presidente Dilma driblou a Rio+20 com a edição da MP, retirou o tema da pauta por duas semanas e entregou aos ruralistas o desfecho após a conferência”. E dispara: “Veja que a ministra Izabella Teixeira e o ministro Patriota comemoraram o ‘não retrocesso’ como resultado maior. A presidente concluiu dizendo que Rio+20 é o piso e não o teto. Essas foram frases tristes e que passam o recibo oficial do resultado pífio obtido”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, Lima ainda avalia as diferenças entre o Documento Final da Rio+20 e da Cúpula dos Povos. E é enfático: “O documento das organizações e personalidades que lideraram a Cúpula dos Povos propugna por cooperação, investimento, compromisso, metas claras, sentido de urgência e ação. O documento oficial é cheio de retórica, de frases bonitas, repetitivas, clichês e de propósitos revisitados desde antes de 1992, mas a lógica real é a do cada um por si. E, quando juntos, nivelados por baixo em prol do multilateralismo”.
André Lima é advogado, mestre em Política e Gestão Ambiental pela Universidade de Brasília – UnB, consultor em políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, consultor jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica e sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em uma frase, o que foi a Rio+20 em sua avaliação?
André Lima – A prova inequívoca de que esse caldeirão chamado “Terra” infelizmente ainda vai ter de esquentar mais um pouco para provocar atitudes concretas e ousadas no rumo do desenvolvimento sustentável.
IHU On-Line – O debate sobre o novo Código Florestal e a posição do governo brasileiro diante dele teve espaço nas discussões da Rio+20?
André Lima – Houve boas discussões na Cúpula dos Povos, por exemplo, sobre os graves retrocessos nas políticas socioambientais brasileiras da Rio-92 à Rio+20. E uma grande manifestação nas ruas do Rio de Janeiro denunciou o descaso dos líderes globais nas negociações do texto da Rio+20, mas também denunciou as posições retrógradas da presidente Dilma em relação a alguns temas ambientais no Brasil. Dezenas de milhares de pessoas foram às ruas do Rio de Janeiro para manifestarem seu descontentamento com os rumos da política socioambiental brasileira, em particular no que tange o Código Florestal, a política de incentivos aos combustíveis fósseis e a flexibilização do licenciamento ambiental de grandes obras de infraestrutura como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O Brasil infelizmente tem um discurso desconexo com a realidade. Apresenta a queda dos desmatamentos na Amazônia, que é fruto de ações fortes e da legislação vigente no governo anterior, como resultado do empenho do governo atual. Isso é ilusório e chega a ser desleal. Isso foi revelado na Rio+20, mas havia um abismo entre a Cúpula dos Povos e as discussões oficiais no Riocentro.
IHU On-Line – Como a sociedade civil e o movimento social, na Cúpula dos Povos, abordou o debate sobre o Novo Código Florestal e as campanhas de “Veta, Dilma”?
André Lima – Primeiramente denunciamos em um evento na Cúpula no final da tarde do sábado (17-06-2011) – que contou com mais de duas mil pessoas –, o grave retrocesso na legislação ambiental brasileira em curso nos últimos 18 meses. Com isso chamamos estudantes, trabalhadores, cientistas, movimentos sociais, trabalhadores, cidadãos e cidadãs para se juntarem a nós na luta que ainda está sendo travada no parlamento, pois a MP 571 ainda está pendente e há sérias e comprovadas ameaças de que retrocessos ainda maiores virão, e não se limitam ao Código Florestal. A presidente Dilma driblou a Rio+20 com a edição da MP, retirou o tema da pauta por duas semanas e entregou aos ruralistas o desfecho após a conferência. Agora o próprio governo fala em buscar um equilíbrio na MP que ele próprio editou, dando a entender que vai ceder ainda mais aos ruralistas. O equilíbrio foi perdido já no debate havido no Senado. De lá para cá foram perdas inestimáveis para as florestas e para a agricultura sustentável no Brasil. Isso foi denunciado nos eventos paralelos na Cúpula dos Povos.
Lançamos uma rede brasileira de avaliação permanente das políticas socioambientais com a participação de dezenas de organizações da sociedade como o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, Instituto Socioambiental – ISA, SOS Mata Atlântica, Vitae Civilis, TerraAzul, Grupo de Trabalho Amazônico, Greenpeace e o Instituto Democracia e Sustentabilidade para monitorar de perto cada passo do governo em diferentes setores (florestas, saneamento, mobilidade, governança, áreas protegidas) para avaliar com critério e dar transparência total seja aos retrocessos ou aos avanços (se houver).
IHU On-Line – Quais as principais demandas que apareceram por parte da sociedade civil e dos movimentos sociais durante a Rio+20 e a Cúpula dos Povos?
André Lima – A primeira delas e mais forte foi no sentido de que os chefes de Estado assumam compromissos efetivos por meio de metas concretas no rumo do desenvolvimento sustentável. Mas o que tivemos, no mais clássico estilo do “diplomatês”, foram compromissos abertos, genéricos, flácidos, burocráticos e até mesmo ambíguos. Outra demanda concreta e relevante apresentada foi no sentido de os governos eliminarem os fortes subsídios vigentes (inclusive no Brasil) ao consumo de combustíveis fósseis. Vejam que no Brasil o governo acaba de desonerar, pela segunda vez em três anos, a produção de automóveis, atendendo a uma demanda específica do setor industrial e agora, embora fale em aumento no preço da gasolina, fala também em zerar a Cide, tributo que recai sobre o consumo de gasolina. Um terceiro aspecto foi a criação de uma organização mundial de meio ambiente, no nível da Organização Mundial do Comércio – OMC, da Organização Mundial da Saúde – OMS. Meio Ambiente hoje é periferia na ONU. É crítica e vergonhosa a situação em que vivemos hoje no planeta à beira da falência ecológica, e sem institucionalidade forte e poder regulatório para lidar com o desafio. É bom que agora todos os países possam compor o conselho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma, mas se o desenvolvimento sustentável é uma meta tão relevante quanto o comércio, e lida diretamente com a saúde, não me parece “sustentável” que não alce um patamar de agência com poderes reais de sanção e de estímulos.
IHU On-Line – Que desafios em relação à Amazônia foram apresentados durante a Conferência?
André Lima – Um dos principais desafios para Amazônia, talvez o principal, ao lado da garantia dos direitos territoriais e socioculturais dos povos indígenas, populações tradicionais e pequenos produtores que nela habitam, é o financiamento de um novo modelo de desenvolvimento que substitua o atual modelo predatório, excludente e exportador de solo e água a “preço de banana”. Nesse aspecto não houve nada de concreto. O Brasil, por exemplo, apesar do sucesso alcançado até agora no controle do desmatamento, devido à legislação vigente e ao plano desenhado no primeiro governo Lula, continua subsidiando combustíveis fósseis, a agroindústria, e obras de infraestrutura sem antes investir em governança e no apoio a cadeias produtivas focadas no que a Amazônia tem de vocação e nas suas populações. Por exemplo, o Brasil ignora seu potencial florestal.
Não temos ainda um PAC Florestal, e caminhamos na contramão da história, anistiando e consolidando crimes contra a floresta. O modelo econômico atual, desbravador e transformador dos territórios, no máximo tolera as populações locais desde que ilhadas e na periferia política e econômica. Sem inclusão desses atores locais em uma proposta que acolha sua cultura e seus direitos fundamentais, a Amazônia seguirá o exemplo da Mata Atlântica.
IHU On-Line – Que visão a Rio+20 construiu sobre o chamado “desenvolvimento sustentável”?
André Lima – Entendo que, em função da conjuntura de crise econômica que vivemos como pano de fundo para esse encontro, o enfoque foi desproporcional nas questões econômicas e sociais em detrimento da evidência de que a Terra tem limites. Em outras palavras, é fundamental, mas não será possível combater a miséria simplesmente consumindo mais recursos naturais e emitindo mais CO2 e outros poluentes no ar, no solo e nos rios. Sem enfrentarmos aberta e concretamente a questão dos limites ao crescimento econômico de países desenvolvidos e da distribuição de riqueza (o que implica em transferência de tecnologia e financiamento), a conta não fecha. E acho que nesse aspecto a Rio+20 falhou ao não apresentar uma avaliação crítica responsável sobre a falha na implementação dos principais acordos de 1992 e no estabelecimento de metas ambiciosas para o futuro próximo.
O processo de desertificação se ampliou, perdemos biodiversidade em ritmo inédito nos últimos 20 anos, o Protocolo de Kyoto não deu resultado e ainda não temos o pós-Kyoto resolvido. Esse conceito de desenvolvimento sustentável com enfoque no combate a miséria, geração de empregos e fortalecimento da economia “verde” esconde o cerne da questão: o fato dos países desenvolvidos não abrirem mão do seu nível atual de consumo e predação.
IHU On-Line – Quais as principais diferenças entre o documento final da Rio+20 e o documento dos integrantes da Cúpula dos Povos?
André Lima – Há muitas diferenças gerais e específicas, mas destaco a diferença no espírito e na vitalidade dos documentos. O documento das organizações e personalidades que lideraram a Cúpula dos Povos propugna por cooperação, investimento, compromisso, metas claras, sentido de urgência e ação. O documento oficial é cheio de retórica, de frases bonitas, repetitivas, clichês e de propósitos revisitados desde antes de 1992, mas a lógica real é a do cada um por si. E, quando juntos, nivelados por baixo em prol do multilateralismo. Veja que a ministra Izabella Teixeira e o ministro Patriota comemoraram o “não retrocesso” como resultado maior. A presidente concluiu dizendo que Rio+20 é o piso, e não o teto. Essas foram frases tristes e que passam o recibo oficial do resultado pífio obtido. Em lugar do pasteurizado crescer, incluir e proteger, temos que falar distribuir riqueza reduzindo desigualdades e respeitar os limites da biosfera e dos ecossistemas.
IHU On-Line – Em que sentido as divergências econômicas entre os países interferiram dificultando os debates políticos e ambientais?
André Lima – Dos países que integram o “concordatário” G7, somente o presidente francês esteve no Brasil e ainda assim há quem diga que veio aqui para vender seus jatos. Além disso, dos 192 países representados, somente pouco mais de 70 estavam aqui como seus chefes de Estado. Isso sem dúvida cria um ambiente desmotivador. Por óbvio que isso tem a ver com a crise econômica, que se espera seja de curto prazo. Mas como se tornou comum dizer: a crise ambiental chegou para ficar e vai se agravar. De 1992 para cá avançamos muito na regulação, no controle, no monitoramento, até mesmo na conscientização, mas no que tange os aspectos dos incentivos econômicos o desafio ambiental ainda não virou core question . Ainda estamos falando em certificação, em selos verdes exatamente porque somos periferia, o sustentável é “alternativo”. Avançamos pontual e perifericamente em medidas focadas na transição para uma nova economia pautada pela sustentabilidade. Com poucas exceções que reforçam a regra.
Assim sendo, o próprio documento final da Rio+20 mantém essa ambiguidade. Continuamos falando em crescimento econômico e combate à pobreza como questões centrais, e meio ambiente como fator limitante. Agora meio ambiente entra como oportunidade na “economia verde”. No entanto, seguir esse trilho sem questionarmos as desigualdades (sociais e regionais) e sem limites ecológicos claros, mensuráveis, ao crescimento econômico corremos sérios riscos. Inclusão social no modelo atual é insustentável. Aí a questão é contábil. E nesse sentido o que é mais grave é que não há grandes divergências, os países desenvolvidos não querem limites, tampouco compartilhar riqueza, e os mais pobres, com razão, não querem parar de crescer. Então o que me preocupa sobremaneira não são as divergências explícitas, mas a convergência tácita.
IHU On-Line – Quais foram os temas mais polêmicos e sem consenso?
André Lima – Há vários em diferentes escalas. O debate sobre governança para o desenvolvimento sustentável, sobre o Pnuma “ser ou não ser” uma agência mundial de meio ambiente é um dos temas. Os Estados-nação engolem sanções econômicas no âmbito da OMC, até porque isso interessa ao G7 e em geral ao sacrossanto mercado livre, ou livre comércio, mas não estão dispostos a relativizar sua soberania em prol da sustentabilidade global.
Outro tema polêmico diz respeito ao financiamento da transição para a economia verde. Quantos trilhões foram (e ainda estão sendo) alocados nos últimos quatro anos para salvar o mercado financeiro? Mas os países ditos “ricos” não querem se comprometer com mais e novos recursos para desenvolvimento sustentável, até porque falharam em cumprir seu compromisso de investir 0,7% de seus PIBs para o desenvolvimento dessa agenda nos países em desenvolvimento. E transferência de tecnologia é assunto para a Organização Mundial de Propriedade Intelectual, que também tem sua agência regulatória, enquanto que os bens comuns da humanidade são, no máximo, um programa de segunda categoria no sistema ONU. Mas repito, o maior problema não me parece que sejam os dissensos explícitos em frases ambíguas no insosso documento final da Rio+20, mas os acordos tácitos que ele cela. A não decisão que acomoda divergências é uma decisão da unanimidade. Implica em obviamente manter o bonde andando na mesma rota até a próxima parada, talvez daqui a 10 ou 20 anos num Rio de Janeiro cinco graus mais quente.
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“Rio+20 é o piso, e não é o teto” é uma frase triste e o recibo oficial do resultado pífio'. Entrevista especial com André Lima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU